Discurso durante a 152ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas à demissão de trabalhadores, ontem, pela Volkswagen do Brasil.

Autor
Lauro Campos (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Críticas à demissão de trabalhadores, ontem, pela Volkswagen do Brasil.
Aparteantes
Artur da Tavola.
Publicação
Publicação no DSF de 10/11/2001 - Página 28347
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, BRASIL, DIVIDA PUBLICA, AUSENCIA, REAJUSTE, SALARIO, DESEMPREGO, INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA.
  • ANALISE, LIBERALISMO, ECONOMIA, AMBITO, HISTORIA, CAPITALISMO, FUNÇÃO, ESTADO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, GESTÃO, DEPENDENCIA, BRASIL.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pretendo falar com bastante rapidez, porque o tempo é implacável. 

Quando, há mais de 30 anos, era professor na Universidade de Brasília, eu costumava recorrer a um expediente para tentar ensinar aos meus alunos a interação das diversas crises que se abatem sobre a sociedade brasileira, especialmente sobre a sociedade capitalista, de modo geral.

Uma crise interfere na outra. As crises interagem, como ocorre com todas as partes que compõem uma totalidade. Portanto, eu imaginava aquele jogo de varetas. Quando se soltam as varetas, elas se entrelaçam e vamos tentando retirá-las. O jogo consiste em tentar retirar, librar aquelas varetas sem mexer nas outras. Cada verta dessa representa uma crise.

Tenho um trabalho de mais ou menos 80 páginas que se chama Uma Crise e Vários Diagnósticos - O Caos Brasileiro. Escrevi isso muito antes deste Governo, no tempo em que Sua Excelência, o Presidente da República, ainda era um professor universitário.

Quero dizer o seguinte: estamos vivendo uma situação que se esclarece a cada momento. Agora mesmo, acabou de falar o Senador Edison Lobão. Vamos partir do pronunciamento de S. Exª. O que ele estava nos mostrando? Devido à crise que se abateu sobre a classe média brasileira, houve a proletarização, o empobrecimento; sabemos muito bem que houve até mesmo uma transferência de parte da classe média empobrecida para as favelas, uma favelização de parte da classe média. Favelas que se somam a milhões de habitantes, por exemplo, no Rio de Janeiro.

É óbvio que o carro é a máquina. Há um livro que se chama A Máquina do Século. É o carro. Todo mundo quer ter um. A propaganda está aí, cada vez maior, principalmente exacerbada pela crise de mercado, pela insuficiência de demanda de carros. Vem, então, o Governo, que também se encontra em crise - e em crise profunda, uma crise que se reflete na educação - e diz que se deve privatizar, que se deve pagar mal os professores, que se deve impedir que, depois de 75% de inflação, haja um reajuste de salários e de vencimentos.

Portanto, as dívidas não são apenas a externa e a interna. O Governo faz ouvidos de mercador, não atende aos funcionários e permite que ela cresça muito. “Se pagarmos essa dívida, correremos um risco sistêmico; não podemos pagá-la”.

O mal pagador utiliza o argumento de que é um mal pagador para não pagar e para, portanto, aumentar disfarçadamente a crise que ele pensa que administra.

Estou convencido de que é a crise que governa o Governo há muito tempo.

O neoliberalismo nasceu em 1873, em três lugares diferentes da Europa, e foi ressuscitado por Von Hayek e Friedman em meados dos anos 50, porque o capitalismo não possuía mais explicações para o que lhe estava acontecendo. Era um sintoma “indesmentível” da crise que já estava presente.

É óbvio que essa crise tem, em um dos seus componentes, em uma de suas varetas, aquilo que sustentou o sistema capitalista a partir da grande crise de 1929, quando a produção, nos Estados Unidos, deixou 80% da capacidade produtiva das máquinas parados. O desemprego na Alemanha chegou a 44%; nos Estados Unidos, a 25%. Máquinas e trabalhadores parados e a renda caindo, o mercado se fechando. A produção de cinco milhões e trezentos mil carros da grande sociedade norte-americana, em 1929, quatorze anos depois reduziu-se a apenas setecentas mil unidades. Não havia demanda nem para máquinas, nem para meios de consumo. Como sair dessa?

A solução foi criar um novo capitalismo, um novo continente, escuro, obscuro, encostado para rebocar o capitalismo definitivamente em crise, que não mais podia produzir nem meios de produção, nem meios de consumo, e não podia investir, pois 70% das máquinas estavam paradas. Como comprar máquinas novas e colocá-las ao lado de máquinas paradas? Impossível. Uma crise, portanto, também no âmbito das empresas, no colapso da renda, uma crise de consumo, que fez cair a venda do objeto mais apetitoso, o carro - cinco milhões e trezentos mil, em 1929, e setecentos mil, em 1943. Quatorze anos depois, quatro milhões e seiscentos mil norte-americanos que compraram carro em 1929 não puderam fazê-lo em 1933.

Assim, a única solução foi o governo entrar comprando, fazendo obras, contratando. Roosevelt pagou para não se plantar, porque havia excesso de produção - uma crise de excesso de produção. A Suprema Corte julgou a decisão inconstitucional e ele passou a pagar para se plantarem cactus, um produto agrícola que ninguém consegue consumir. Não havia consumidores se, em vez de cactus, se plantasse outro vegetal.

            O capitalismo norte-americano estava também, como acontece hoje no Brasil, provocando desemprego - três mil trabalhadores da indústria automobilística foram desempregados ontem, em São Paulo.

            Não queremos enxergar as crises, nem sabemos controlá-las. Além disso, há essa escola neoliberal, que afirma que não existe crise, que tudo se irmana, que as forças de mercado são iluminadas por leis superiores e que tudo se harmoniza no melhor dos mundos. O pleno emprego vem automaticamente.

            Sempre se falou, desde 1873, que o Governo só atrapalha, sem se saber que o Governo é capital, produz o capital. O Governo é capitalista e está aí, como sempre esteve, para socorrer industriais e banqueiros quebrados, e para doar empresas estatais. O Governo é isso. Acabar com esse Governo é acabar com o capital, porque nunca houve nenhuma agência, na História recente da Humanidade, que fosse tão eficiente no sentido da criação e acumulação de capital. No entanto, quando se acumula muito há uma outra vareta: a crise de sobreacumulação, o excesso de capital. O problema do capital, dizem Marx e Keynes, é ele próprio.

            Nós, no Brasil, até há algumas décadas, tínhamos um capitalismo ainda incipiente, muito pequeno, com pouco capital e achávamos, como considera a Cepal, da qual participou o Senhor Fernando Henrique Cardoso, que a acumulação de capital iria resolver todos os problemas, inclusive o da inflação. Veio a acumulação de capital, apertamos, arrochamos o cinto para esperar crescer o bolo que seria distribuído e o bolo queimou. Nada foi distribuído, ao contrário. O capital estrangeiro que penetrou nas indústrias de luxo - carro, televisão, geladeira e etc - obrigou a crise a se aprofundar. Assim, necessariamente, independentemente da vontade dos Presidentes, foi necessário haver uma concentração de renda para se acumular capital e se comprarem carro, geladeira, televisão, etc.

            Pelo discurso do Senador Edison Lobão, vemos que, obviamente, o Governo sustentou essa acumulação de capital, reduziu salários e usou a força, o despotismo, o autoritarismo. O Presidente Fernando Henrique Cardoso escreveu um livro em que reconhece isso, dizendo que, para entendermos o caráter despótico e autoritário da nossa sociedade, temos que entender a acumulação de capital. Para acumular capital, o Governo tem que se transformar num órgão autoritário, reduzindo salários e utilizando a propaganda como Hitler fez - gastou, no ano passado, R$480 milhões em propaganda. Então, não é a Oposição que não sai dos seus temas e da tribuna, mas o Governo que usa a tribuna da mídia.

Getúlio Vargas avisou a Celso Furtado - isso consta do livro deste último - e a Raul Prebisch, da Cepal: “Eu sou contra o desenvolvimentismo rápido, acelerado, porque ele traz a dívida externa.” Esse processo de acumulação traz uma outra crise: importando capital, obviamente, temos uma crise da dívida externa. E, ao importar capital, essa vareta, essa crise vai crescendo, até o momento em que a nossa dívida fica tão grande, devido a importações e pagamento de serviço - juros dessa dívida -, que os banqueiros param de nos emprestar. Então, vem uma outra crise: a crise da dívida externa, que está aí sempre presente, a rondar as economias periféricas.

O Governo do Senhor Fernando Henrique Cardoso, que, durante seu “Primeiro Reinado” - seus quatro primeiros anos -, dizia que o Brasil sofria de um mal: a inflação. Para combater a inflação, a solução seria a redução de salários, a redução de consumo. Como, então, disse que houve o contrário, que houve uma redistribuição de renda e uma melhoria do nível de bem estar?

Conforme o diagnóstico, o que ele devia fazer era enxugar, reduzir a demanda que estava causando inflação; e foi o que eles fizeram. Então, surgiu uma outra vareta. Passamos a importar, a taxa de câmbio foi colocada a um nível absurdamente valorizado para importarmos barato, e de tudo - uísque, chocolate, carros etc. Ao importarmos, a dívida externa foi parar lá em cima, ficamos devendo mais ainda. Então, para resolver o problema da inflação, para achatá-la, tivemos que aumentar a dívida externa, mexer na vareta da crise da dívida externa.

Houve uma verdadeira mágica: a inflação sumiu, caiu perigosamente a próximo de zero - quase virou uma deflação, que é o que há de pior, de acordo com vários autores. Não vou citá-los, porque, quando escrevi uma tese sobre o assunto, em 1962, tive que ler mais de 100 livros - ela se chama “Inflação, ideologia e realidade”. Então, não vou citar aqui aqueles autores, grandes autoridades do pensamento econômico no mundo, que consideram a deflação muito pior do que a inflação.

Para achatar a inflação interna o Gustavo Franco teve que valorizar o Real. Importamos de tudo. Para importar, tivemos que dever. E essas mercadorias importadas, a preços baixos, achataram, sim, a inflação, mas quebraram as indústrias nacionais. Houve uma abertura para a entrada dessas mercadorias, subsidiadas pelo próprio Governo brasileiro, que levou à vareta do desemprego, à vareta da falência das empresas nacionais, resultando na crise das empresas nacionais e do capital nacional.

            O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Permite, V. Exª, um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PDT - DF) - Ouço, com muito prazer, o aparte do nobre Senador Artur da Távola.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Senador Lauro Campos, a grande vantagem das sessões das sextas-feiras é que os assuntos podem ser debatidos com mais profundidade. V. Exª está, hoje, desenvolvendo uma série de idéias, a meu juízo, com uma visão catastrófica da realidade, que não corresponde ao que acontece no País, mas dentro de uma linha de coerência lógica que V. Exª tem. V. Exª sabe que, dentro da lógica formal, aceita à premissa, todo o desdobramento posterior é uma questão de inteligência. E, em matéria de inteligência, V. Exª é muito bem dotado. De maneira que toda lógica que V. Exª desenvolve parte de uma premissa. Poderia discutir a premissa, mas, com isso, eu atrapalharia o discurso de V. Exª. A minha premissa não é catastrófica, nem a de que o País não devia, efetivamente, investir no desenvolvimento. A minha premissa é de que o País tem que investir no desenvolvimento, buscando um permanente ajuste social a cada passo, porque o capital realmente tem as suas espertezas, e é das espertezas que ele se alimenta, mas é também dessas espertezas que nasce a forma de desenvolvimento possível, até porque não podemos fazê-la mais exclusivamente pelo Estado. Mas não é este ponto. É só um pequeno adendo de uma passagem do discurso de V. Exª que me pareceu radical e me feriu os ouvidos: é quando V. Exª compara o Presidente Fernando Henrique a Hitler. Acredito que tenha sido um momento do discurso em que não temos muito tempo, às vezes, para medir exatamente o efeito das palavras. “O Governo faz uma propaganda como fazia Hitler”. Penso que isso é uma injustiça que V. Exª faz, e lhe proponho uma reflexão sobre isso porque, efetivamente, essa comparação não tem cabimento dentro de um discurso tão inteligente, tão sincero, como todos os que faz V. Exª, e, sobretudo, com essa preocupação didática que o caracteriza. Também estou de acordo que a política tem uma função didática, de educação da população, de desenvolvimento do debate das pessoas. Então, em nome desta admiração, eu lhe pediria só, talvez, quem sabe, que retirasse essa comparação; ela não é justa, sobretudo. Obrigado.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PDT - DF) - Agradeço muito ao aparte de V. Exª, que me dá até a oportunidade de dizer o seguinte: será que comparar Hitler com Franklin Delano Roosevelt, que foi Presidente dos Estados Unidos, reeleito não apenas uma vez - como é o caso do Presidente Fernando Henrique Cardoso - mas reeleito duas vezes e estava partindo para a terceira - seria também um ato assim de tamanha incompreensão, de tanta agressividade? Roosevelt, em um livro chamado Os Mil Primeiros Dias - mil primeiros dias do governo dele -, disse o seguinte: “O que eu estou fazendo aqui nos Estados Unidos é a mesma coisa que Hitler está fazendo na Alemanha e que Starlin está fazendo na Rússia; porém estou fazendo essas coisas de maneira mais ordeira”.

Portanto, a minha concepção de democracia é a que se aproxima da de Roosevelt. Penso que Hitler, por exemplo, perdeu a guerra, mas ganhou a paz, as instituições, o poder executivo autoritário, engrandecido, despótico, propagandístico, a ideologia de algum superpoder, como acontece nos Estados Unidos, por exemplo, onde existe aquela ideologia que, segundo a qual, há um destino manifesto. Os Estados Unidos são os eleitos de Deus; são o povo de Deus, portanto, qualquer coisa que faça, está cumprindo os desígnios de Deus na Terra. Acho também que essas idéias têm laivos autoritários e nazistas. E no livro do Professor Fernando Henrique Cardoso, ele mostra como as relações e as interferências às instituições que nasceram em Portugal e na Espanha não passaram - segundo ele - pela Revolução Francesa. Lá não se democratizaram, e foram transplantadas para o Brasil produzindo o nosso autoritarismo que, de acordo com ele, deve ser entendido tendo em vista a relação entre o poder político e o processo de acumulação de capital.

Mas nós vemos, por exemplo - para tentar terminar, porque são muitas ainda as minhas varetas e eu não mexi em várias delas - que o Governo que reduziu despesas e cortou investimentos - cortou no social, cortou nas estradas, cortou na educação, cortou nos hospitais, cortou nos funcionários públicos e nos professores não pagos - tem a tendência de aumentar as receitas para não recorrer às emissões. E o que estamos vendo agora é uma reforma tributária que está por aí, cujo objetivo, do ponto de vista do Governo, é aumentar a arrecadação e aumentar a receita. Do ponto de vista dos empresários brasileiros, eles querem é reduzir o pagamento de impostos, assim como a classe média e os funcionários, que têm medo deste aumento da carga tributária que irá reduzir a sua renda disponível. Então, são varetas que se opõem umas às outras, sendo impossível resolver o problema de caixa do Tesouro Federal: aumentar a receita sem reduzir a despesa, ou sem cortar os juros, que são intocáveis, sem reduzir o pagamento da dívida externa, o que não pode ser feito, porque o Governo não tem coragem de fazer. E as coisas sucedem-se até chegarmos ao ponto em que a Argentina chegou. Ninguém quer dar calote: o calote vem, inexoravelmente, como um dos resultados dessas contradições internas e internacionais exacerbadas.

Desse modo, estamos presos a um conjunto de ações políticas. E não escrevi isso para atacar o Presidente da República. Isso é o resultado de décadas de estudo, a começar pela tese que me transformou em professor catedrático de Economia, que é justamente Inflação, Ideologia e Realidade, à qual já me referi. Além desse trabalho, tenho vários outros sobre o mesmo assunto e conheço muito bem os mecanismos que foram utilizados para maquiar a inflação.

E digo o seguinte: como o Governo gasta com uma mão, como cria uma pressão inflacionária com uma mão, mas quer manter a inflação lá embaixo, depois de pagar a dívida a empresários, a empreiteiros - quando paga -, depois de pagar juros de serviços da dívida, depois de sustentar banqueiros, ele tem que retirar uma parte desse dinheiro com a outra mão, senão a inflação galopa. Se ele gastar demais, a inflação galopa. Isso eles reconhecem todos os dias. Então, o Governo tem que gastar menos para que a inflação não apareça. Acontece que, ao realizar esses gastos, o Governo é obrigado a vender títulos da dívida pública, a vender papéis, bônus, para retirar uma parte desse gasto excessivo de dinheiro.

Assim, desde os anos 30, o Governo gasta com uma mão e retira com a outra. A dívida pública sobe, para que a inflação não o faça. A inflação fica contida pelo aumento da dívida pública. Há uma metamorfose do fenômeno. Antigamente, quando a moeda era ouro, o Governo tinha de tomar dinheiro emprestado para cobrir as suas despesas. Desde que o Governo passou a emitir papel-moeda, ele não precisa mais tomar dinheiro emprestado, mas a dívida sobe mais do que no sistema anterior, porque agora a dívida pública é o “contrapolo” do dinheiro estatal. Para que a moeda não se desvalorize demais, o Governo passa a enxugar o mercado, vendendo papéis da dívida pública, aumentando a dívida pública, que atingiu 119,9% do PIB norte-americano em 1946, ao final da II Guerra Mundial. Na Alemanha, no dia 21 de junho de 1948, foi dado o calote na dívida pública de Hitler, que sustentou suas despesas de guerra. Tal calote foi sugerido por Dodge, neoliberal norte-americano.

Pois bem, a inflação foi engolida pelo monstro da dívida pública. A dívida pública dispara, a inflação não se move, mas cada brasileiro nasce devendo R$5 mil, relativos principalmente à nossa dívida pública. Um dia, essa mágica afundará o navio.

O que estamos vendo é que, realmente, existe uma mudança dos fenômenos, uma interação contínua como a que ocorre com qualquer parte de uma totalidade - página 100 do Grundisse, de Karl Marx. As partes da totalidade interagem entre si, de modo que o que estamos vendo agora é o fechamento da situação, tanto na Argentina quanto no Brasil, como também nos Estados Unidos. A dívida pública americana atingiu US$5,5 trilhões. A dívida pública dos 15 países da União Européia atingiu US$ 5,3 trilhões.

A dívida pública cresce para que a inflação não cresça. E depois de pagarmos a dívida externa pelas importações que fizemos a custos baixos, depois de gozarmos a calmaria de uma sociedade estabilizada, com salários arroxados, com demanda contraída, temos também de pagar a nossa dívida pública, que nos espera para nos devorar.

Por conseguinte, se o Presidente Fernando Henrique Cardoso tivesse saído no seu primeiro mandato, cumprindo a Constituição, teria saído numa boa época, com muito prestígio para encerrar seu quatriênio. Mas não saiu. Demorou demais. E os ventos que soltou, que desencadeou no primeiro mandato, viraram trovoadas, chuvas e tempestades, que estão fazendo com que o Governo perca legitimidade. Já chegou a 13% o índice de aprovação a esse maravilhoso Governo Fernando Henrique Cardoso!

Sr. Presidente, tenho certeza absoluta de que não me preparei para acusar o Presidente Fernando Henrique Cardoso, que ainda é mais criticável pelo fato de possuir inteligência privilegiada. Se não soubesse o que estava fazendo, não seria culpado, pois ninguém pode ser responsabilizado por um crime ou uma ação anti-social que não compreende. Mas o Presidente Fernando Henrique compreende. Ele disse e escreveu que, no Brasil, vai-se formando o antiestado nacional. As empresas e bancos multinacionais aliam-se aos empresários e banqueiros brasileiros, ao Exército nacional, e vai-se criando no Brasil - diz ele - o antiestado nacional. Contudo, outros que governaram o antiestado nacional ou que o ajudaram a se instalar no Brasil fizeram-no inconscientemente. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao contrário, é o primeiro Presidente consciente do antiestado nacional brasileiro.

E aí está o resultado: entregamos as estatais, subsidiamos o capital estrangeiro para nos dilapidar, e perdemos anéis e dedos. Assim, com muita tristeza, sou obrigado a usar esta tribuna para, em vez de fazer elogios, fazer as críticas acumuladas durante a minha vida contra o capitalismo periférico, retardatário, semi-integrado e subdesenvolvido que está sendo administrado, conscientemente, pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso e seu governo.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/11/2001 - Página 28347