Discurso durante a 153ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Exposição sobre a necessidade de inserção de produtos brasileiros no mercado internacional, sobretudo os agropecuários, momento em que se realiza a reunião da Organização Mundial do Comércio - OMC, em Doha, no Catar.

Autor
Iris Rezende (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Iris Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA. COMERCIO EXTERIOR.:
  • Exposição sobre a necessidade de inserção de produtos brasileiros no mercado internacional, sobretudo os agropecuários, momento em que se realiza a reunião da Organização Mundial do Comércio - OMC, em Doha, no Catar.
Publicação
Publicação no DSF de 13/11/2001 - Página 28377
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA. COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • NECESSIDADE, AUMENTO, INVESTIMENTO, AGRICULTURA, BENEFICIO, EXPORTAÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO.
  • ANALISE, REUNIÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), NECESSIDADE, EXTINÇÃO, PROTECIONISMO, SUBSIDIOS, BUROCRACIA, PAIS INDUSTRIALIZADO, BENEFICIO, JUSTIÇA, IGUALDADE, COMERCIO EXTERIOR, POSSIBILIDADE, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, PAIS SUBDESENVOLVIDO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, desde o início do meu mandato, tenho repetidas vezes ocupado esta tribuna no sentido de alertar para a necessidade de mais apoio ao setor rural da nossa economia. Para manter a oferta de alimentos a preços acessíveis para o povo brasileiro e gerar excedentes para a exportação, ajudando a resolver os graves desequilíbrios da nossa Balança de Pagamentos, não há outro caminho senão o investimento maciço na capacidade de trabalho do homem do campo e na sua infinita disposição para produzir mais riquezas para o Brasil.

            Por isso, é com grande preocupação que estou acompanhando o desenrolar da reunião da Organização Mundial do Comércio, em Doha, no Catar, na esperança de que os negociadores que representam o nosso País possam conseguir novos espaços no mercado internacional para os produtos brasileiros, sobretudo aqueles oriundos do chamado agronegócio.

            Na verdade, o próprio ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, que chefia a nossa delegação, reconheceu que a área agrícola “é a de maior interesse para o Brasil dentro do contexto das discussões do encontro da OMC”. E até explicou que é no setor rural da economia que o nosso País tem o que chamou de “oferta exportável”. No caso, ele faz referência ao fato de que o campo já detém 40% das nossas exportações, apresentando um superávit, no ano passado, de quase U$11 bilhões de dólares na Balança Comercial, enquanto todos os setores da economia, somados, registraram um déficit perto de U$15 bilhões de dólares.

            Na verdade, o produtor brasileiro, mesmo carente das condições ideais para trabalhar na sua atividade, tem conseguido resultados espetaculares, inclusive neste ano, quando colheu uma safra bem próxima de 100 milhões de toneladas. E conseguiu esse recorde utilizando a mais moderna tecnologia disponível no mundo, em alguns casos criada por técnicos e cientistas brasileiros, em conformidade com as características próprias do nosso solo e do nosso clima. Somos um exemplo para as outras nações, inclusive as que já alcançaram um nível de desenvolvimento muito mais avançado do que o nosso. E somos um exemplo porque o nosso produtor trabalha sem nenhum tipo de subsídio, praticamente por sua conta e risco, escorado em níveis de produtividade de fazer inveja em qualquer parte do mundo.

            E o que acontece nos chamados países desenvolvidos? Ora, nesses países, os seus respectivos governos despejam bilhões de dólares dos cofres públicos para remunerar e garantir a atividade dos seus produtores rurais. Nos Estados Unidos e na França, um terço da renda das fazendas é provido por subsídios governamentais. Seus agricultores produzem sem correr riscos de mercado, pois seus governos cobrem a diferença entre o preço de mercado e o preço mínimo do produto, estimulando a formação de gigantescos estoques de excedentes - escoados no mercado internacional, onde sufocam a concorrência. Os países mais ricos, em resumo, gastam diariamente 1 bilhão de dólares com subsídios somente para a agricultura e a pecuária. Nos Estados Unidos, no ano 2000, metade da renda líquida gerada pela agricultura saiu dos pagamentos diretos do Governo, que atingiram 22 bilhões de dólares.

            Mas não é apenas o subsídio direto aos produtores dos países do Primeiro Mundo que prejudica as demais nações, dentre elas o Brasil. Ao longo dos anos, foi implantada toda uma rede de proteção, às vezes ostensiva, em outras ocasiões disfarçada, para funcionar como barreira ao crescimento das exportações de países como o nosso.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, o suco de laranja brasileiro só pode entrar nos Estados Unidos mediante um acréscimo de quase 50% ao seu preço, para igualar-se ao preço do suco americano. Na União Européia, o suco brasileiro também enfrenta restrições, por meio de cotas e tarifas punitivas para os excedentes. E o que dizer do frango brasileiro, que tem de pagar tarifas de quase 50% para entrar na União Européia, ao mesmo tempo em que é obrigado a concorrer com o frango norte-americano, exportado com subsídio direto de U$ 300 dólares por tonelada? Há ainda a morosidade do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos em regulamentar os exames sanitários das nossas frutas exportáveis, impedindo o acesso ao mercado norte-americano.

            O protecionismo dos países ricos aos seus produtores manifesta-se por intermédio de subsídios, barreiras sanitárias, burocracia, escalada tarifária, cotas e sobretaxas, sem falar no mais poderoso de todos os instrumentos: o crédito subsidiado para as suas exportações. Assim, entre os Estados Unidos e a União Européia, que são os principais compradores do comércio mundial, multiplicam-se os mecanismos protecionistas que acabam prejudicando violentamente as exportações brasileiras de açúcar, de carne bovina e de frango, de café, fumo, soja e frutas, mas vão além, atrapalhando também os produtos manufaturados, como os siderúrgicos, que pagam taxas de até 45% para ingressar no mercado norte-americano.

            Os fóruns econômicos internacionais encontram-se hoje abarrotados de provas incontestáveis da distribuição de volumosos subsídios à agricultura e à indústria dos países ricos, contrariando o livre comércio e prejudicando as exportações dos países em desenvolvimento. Há comprovação também de práticas desleais, como - presenciamos recentemente - o embargo que o Canadá impôs para a carne oriunda do Brasil, sob a inaceitável justificativa de que havia risco de contaminação com o “mal da vaca louca”, uma doença que nunca se manifestou no rebanho brasileiro. O Canadá não apresentou nenhuma prova, nenhum indício, mesmo porque todos sabiam que apenas tentava uma retaliação comercial contra as nossas exportações de aviões.

            O livre comércio internacional é a maior de todas as alavancas da economia mundial. Livre do protecionismo e das barreiras, será transformado em uma arma fundamental para a redução da pobreza em todos os cantos do planeta. Representa, para a economia, o que o sistema democrático significou para a política, pois é expressão direta da liberdade dos indivíduos, da igualdade de direitos fundamentais e do respeito mútuo entre os homens.

            Sem dúvida, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, está configurada aí a maior de todas as contradições, pois países como os Estados Unidos e os membros da União Européia não se cansam de se apresentar como defensores do liberalismo político e econômico, mas, na realidade, fazem o que podem para impedir o livre comércio entre as nações do mundo. Pregam a liberdade econômica, mas não a praticam. E vejam bem: no momento em que o fenômeno do terrorismo está sendo diretamente relacionado com o estado de miséria em que vive grande parte da população do mundo, um estudo da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, revela que a pobreza seria drasticamente reduzida com o incremento do comércio exterior graças à eliminação ou até mesmo redução do protecionismo. Segundo aquela universidade norte-americana, a renda mundial subiria em US$ 600 bilhões se as barreiras comerciais fossem reduzidas em apenas um terço. O Banco Mundial, com a sua indiscutível autoridade para tratar do assunto, foi mais longe e estimou em quase US$ 3 trilhões o aumento da renda mundial caso todas as barreiras ao comércio exterior fossem eliminadas.

            A reunião da Organização Mundial de Comércio, com mais de 140 países-membros, poderá resultar na sua própria desmoralização, caso não se registrem avanços no combate ao protecionismo praticado pelos Estados Unidos, pela União Européia e pelo Japão. Já não é de hoje que a OMC vem sendo criticada por favorecer apenas as nações mais ricas. Não quero analisar aqui essa acusação. Não posso, porém, deixar de lembrar que o protecionismo tem como uma de suas conseqüências nefastas a perpetuação da situação de pobreza de grande parte do mundo. Essa relação entre causa e efeito é admitida hoje, depois dos ataques terroristas, pelos próprios países desenvolvidos, reconhecendo que o livre comércio reforça a democracia e faz prosperar as economias de países e indivíduos, afastando-os do radicalismo político.

            Confio plenamente, Sr. Presidente, na atuação da delegação brasileira que participa da reunião de Doha, no Catar. Os ministros brasileiros têm a obrigação de agir com inteligência e até mesmo com uma boa dose de agressividade na defesa dos interesses nacionais. E que não se limitem apenas a lutar contra o protecionismo agrícola dos países ricos, mas busquem também avanços na questão do aço, dos aviões e das patentes dos medicamentos, para ressaltar alguns itens industriais da maior importância para o nosso comércio exterior e também para o bem-estar da população brasileira.

            Hoje, o Brasil tem uma economia estruturada, à beira da retomada do desenvolvimento, que é um processo estreitamente vinculado com a nossa capacidade de aumentar as exportações. Temos todas as condições estruturais para voltar à trilha do crescimento anual entre 5 e 10%, tal como conseguimos nos anos 60, apesar de participarmos, atualmente, com apenas um por cento do comércio internacional. Porém, estamos agora em condições de competir com os produtores de outros países como nunca estivemos, desde que a concorrência seja enfrentada em um ambiente de livre comércio. O Brasil está pronto para disputar o mercado mundial, mesmo porque alcançou elevados padrões de eficiência e produtividade em inúmeros setores. O que não podemos admitir é que os nossos produtores tenham que fazer o impossível, que é encarar o Tesouro dos Governos de países já consolidados como os Estados Unidos, o Japão ou as nações da União Européia.

            A posição oficial do Brasil, na reunião da Organização Mundial do Comércio, reflete o clamor dos países em desenvolvimento, que exigem a oportunidade de concorrer em pé de igualdade com o resto do mundo nas operações do comércio internacional. O Brasil e mais 15 países estão organizados em um mesmo grupo que pede a completa eliminação dos subsídios à exportação e a extinção gradual de outras políticas que geram distorções no comércio entre as nações.

            Na nova ordem mundial que emergiu após os atentados de 11 de setembro, o protecionismo dos países ricos passou a ser mais do que condenável, passou a ser também abominável ao contribuir para a manutenção das desigualdades sociais no mundo. Compete à Organização Mundial do Comércio mostrar sensibilidade para captar a necessidade de um novo regime comercial, buscando imediatamente a realização do objetivo para o qual foi criada, que é garantir uma competição honesta e leal no comércio entre os seus países-membros.

            Os países ricos parecem ter adquirido consciência de que as ações militares não serão suficientes para garantir uma ordem mundial justa, com garantia de paz e segurança para todos. É preciso que, agora, coloquem em prática uma nova receita de relações comerciais livres e desembaraçadas para o mercado internacional, usando a reunião da Organização Mundial do Comércio, em Doha, no Catar, como ponto de partida para uma nova rodada de negociações, cujo resultado final seja o fim de todas as amarras para o comércio entre as nações.

            Sr. Presidente, esse é o único caminho para que o mundo venha a conhecer uma nova onda de prosperidade, sem crises e sem choques, proporcionando o fortalecimento das nações e uma melhor condição de vida para todos os povos, longe da ameaça terrorista. É esse o desafio da Organização Mundial do Comércio. É essa a responsabilidade que pesa sobre os ombros da delegação brasileira.

            Era o que tinha a dizer.


            Modelo15/18/2411:55



Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/11/2001 - Página 28377