Discurso durante a 153ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Realização, na primeira semana do mês corrente, em Dakar, no Senegal, da reunião do Comitê do Fórum Social Mundial.

Autor
Roberto Saturnino (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Realização, na primeira semana do mês corrente, em Dakar, no Senegal, da reunião do Comitê do Fórum Social Mundial.
Aparteantes
Artur da Tavola.
Publicação
Publicação no DSF de 13/11/2001 - Página 28380
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • PRESENÇA, ORADOR, REUNIÃO, COMITE, ENCONTRO, AMBITO INTERNACIONAL, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, SENEGAL, REPUDIO, LIBERALISMO, ECONOMIA, COMENTARIO, EFEITO, RECESSÃO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), NECESSIDADE, COMBATE, TERRORISMO, DESNECESSIDADE, GUERRA, AUMENTO, DESIGUALDADE SOCIAL, POBREZA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na primeira semana do mês corrente, realizou-se em Dakar, capital do Senegal, a reunião do Comitê Internacional do Fórum Social Mundial, que estrutura as reuniões e toma as decisões fundamentais para a realização do importante encontro anual que faz o contraponto ao fórum econômico realizado em Davos, em que se reúnem representantes dos países de economias ricas do mundo.

            O Fórum Social Mundial realizou seu primeiro conclave em Porto Alegre, onde ocorrerá também o segundo, em janeiro próximo. São promovidas reuniões do Comitê Internacional para estruturar a temática e as formas de organização desses grandes encontros mundiais.

            Tive a oportunidade de comparecer à reunião de Dakar, representando o grupo parlamentar brasileiro que convoca a realização do Fórum Parlamentar, uma das etapas da reunião do Fórum Social Mundial. Esse Fórum reúne Parlamentares do mundo inteiro que se identificam pelo pensamento de repúdio às regras do neoliberalismo que estão infelicitando o mundo.

            Sr. Presidente, o Fórum Social Mundial hoje é uma realidade incontestável e planetária. Começou como um encontro de opiniões de representantes de organizações brasileiras e francesas, como um núcleo brasileiro e francês, que rapidamente ganhou adesões tanto nas Américas do Sul e do Norte como no restante da Europa, principalmente na Europa Ocidental. Hoje, o Fórum se estende por todo o planeta, o que foi retratado na reunião de Dakar, com o comparecimento maciço de delegações africanas e com o pleito das organizações da Índia para realização do Fórum Social Mundial de 2003 naquele País.

            Sr. Presidente, hoje, os representantes dessas organizações e os Parlamentares que se filiam a essa corrente de pensamento têm todas as razões e motivos para sustentar um otimismo realista face ao crescimento mundial do repúdio ao neoliberalismo e mesmo aos sucessivos fracassos que essa operação econômica internacional vem apresentando.

            Desse modo, na referida reunião, que congregou uma centena ou mais de pessoas, constituindo lideranças de organizações não-governamentais e governamentais de todo o mundo, ficou manifesta essa expectativa positiva em relação ao progresso, à ampliação do Fórum Social Mundial e à inviabilidade de o sistema neoliberal continuar impondo-se às economias e às sociedades do mundo.

            Por um lado, dominaram esses sentimentos de otimismo, mas também, por outro, Sr. Presidente, manifestou-se claramente uma grande preocupação com a conjuntura mundial de hoje. Trata-se de inquietações com a recessão da economia norte-americana, que fatalmente induzirá uma recessão econômica mundial, que abre todo um novo ciclo de repúdio mais intenso ainda ao neoliberalismo, uma vez comprovada a falsidade de suas promessas de prosperidade sem limites ou garantida, alardeadas pelos arautos do pensamento único, que estávamos habituados a ver todos os dias na mídia deste País, do nosso Brasil, e de quase todos os países do mundo. Além da falsidade das promessas, vemos hoje a exibição das chagas sociais, as deformações sociais, monstruosas, teratológicas, das desigualdades sociais e econômicas, da exclusão de imensas camadas das populações dos países do mundo, criadas e agravadas pelo neoliberalismo até com cinismo em todo o mundo, especialmente na África, que é hoje o testemunho mais chocante. Tivemos oportunidade de constatar isso nos poucos dias que passamos em Dakar, apesar de ser uma das cidades mais importantes e economicamente mais prósperas da África.

            Essas deformações, Sr. Presidente, já não são mais suportadas pela população social, nem o desprezo que trazem em relação aos valores da justiça, da ética, da humanidade, em nome de uma eficácia que acaba desembocando nesse fracasso gigantesco, nesse fiasco desastroso que é o empobrecimento mundial causado pela recessão.

            Sr. Presidente, assim, o mundo virará essa página irrazoável, suja, imoral mesmo do neoliberalismo, escrita pelos chefes do mercado financeiro internacional. Esse foi um dos sentimentos dominantes na reunião de Dakar, e o Brasil poderia ser um dos primeiros países a fazer essa virada de paz e a ter a iniciativa, pelas condições, credenciais e dimensão que tem e pelo estágio evolutivo que conseguiu em sua economia, de conduzir essa virada, como política, como propósito e como decisão de vontade política nacional juntamente com outros países. A Índia é outro país que tem condições de fazê-lo e que não mergulhou tão profundamente no neoliberalismo como o Brasil.

            O Brasil poderia fazê-lo, não fossem as limitações e a pequenez dos nossos responsáveis pela equipe econômica pela política econômica, os Srs. Pedros Malan e Martus Tavares e não fosse também a fraqueza do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que muito provavelmente sente a necessidade dessa virada, mas não tem condições psicológicas de iniciar a virada do modelo, a virada das diretrizes de funcionamento da nossa economia e de estruturação, por conseguinte, da nossa sociedade.

            Mas, Sr. Presidente, outro sentimento que dominou a reunião de Dakar foi a preocupação profunda, o medo mesmo das conseqüências, dos desdobramentos da lógica da guerra. A lógica da guerra é destruir e matar o inimigo. Não há lugar para valores morais na ação de guerra. O que importa é a eficácia na destruição. A razão que prevalece é a razão operacional e demoníaca, a razão operacional destrutiva, a razão operacional eliminadora.

            E não há como poupar os não combatentes se eles estão no território alvejado, se eles estão na superfície alvo das ações de guerra, junto com os inimigos. Não há possibilidade de separação de civis e de combatentes, de não combatentes e de combatentes, porque a lógica da guerra é a eficácia na destruição, e esta não consegue separar essas coisas, Sr. Presidente.

            Na lógica da guerra, os inimigos dos inimigos são amigos ou passam a ser amigos e merecem ajuda. Como tiveram ajuda Bin Laden e Saddam Hussein em passado não muito remoto. E a Aliança do Norte, cuja crueldade é observada, sabe de todos os que têm conhecimento do que se tem passado no Afeganistão, um país tão infelicitado. E hoje o Paquistão do Sr. Pervez Musharraf conta com essa ajuda, e seu futuro e sua orientação, nos próximos meses, nas próximas semanas, são de difícil previsão.

            Esta é a lógica da guerra: ajudar os inimigos dos inimigos, sejam eles confiáveis ou não. Por outro lado, os amigos do inimigo, se aparecerem, serão inimigos, poderão ser estraçalhados com bombas que estilhaçam, que têm por objetivo matar o maior número possível de seres humanos na área onde se situam os inimigos e seus próximos. Também os que não são amigos incondicionais, aqueles que por uma razão ou outra levantam algum tipo de objeção devem tomar cuidado, pois podem ser considerados inimigos e são pelo menos suspeitos.

            Aqui na América do Sul, há uma figura pública, um homem de projeção, o Presidente da Venezuela, o Sr. Hugo Chavez, que, por andar dizendo coisas que não coincidem perfeitamente com aquelas determinadas pela lógica da guerra, já passou a ser encarado como suspeito, como passível de algum tipo de retaliação. E é importante que os brasileiros tomem conhecimento disso.

            A lógica da guerra, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, evidentemente, não é a da razão, é a da força, é a da eficácia; não é a da justiça, é a da mentira, da censura, da ocultação e da distorção; não é a da verdade e da transparência. É uma mentira que essa guerra tenha como objetivo combater o terrorismo. Essa é, obviamente, uma guerra de vingança, uma guerra deflagrada por um sentimento de vingança da nação americana, do povo americano, o que é até muito compreensível por parte de uma população atingida brutalmente, com aqueles aviões que destruíram as suas duas grandes torres em Nova Iorque, com a perda de milhares de pessoas. É um sentimento até compreensível.

            Mas, Sr. Presidente, uma coisa é o sentimento popular; outra coisa é a decisão e a ação dos estadistas, dos homens públicos, que têm obrigação e responsabilidade de tomar as decisões adequadas aos objetivos que a Nação e a população, como um todo, desejam obter. Se o objetivo é combater o terrorismo, e o terrorismo efetivamente é um mal incondicional, é um mal inaceitável sob qualquer ponto de vista, a ação correta não é a guerra, a ação correta é a inteligência, é a convocação das nações do mundo inteiro, é a convocação dos organismos internacionais, da Organização das Nações Unidas, é a convocação de tribunais penais internacionais para que sejam presos e julgados todos os responsáveis por terrorismo; não é o desencadear de uma guerra que está causando mortes e infelicidade a um povo, a um povo nacional, como é o caso dos afegãos.

            É importante ressaltar que essa guerra tem a sua lógica e é uma guerra como qualquer outra. A lógica da guerra é o ódio. O ódio que gera o ódio e multiplica o ódio. Tem como conseqüência fatalmente a incitação ao terrorismo, a continuidade do terrorismo, a ampliação e aprofundamento do terrorismo. A guerra não é o instrumento eficaz para combater o terrorismo. A guerra vai agravá-lo certamente. É um instrumento para dar satisfação a um sentimento de vingança, de represália por parte do povo americano. É preciso que os estadistas compreendam a diferença das coisas e a explicite ao seu povo e às demais nações.

            Enfim, Sr. Presidente, a lógica da guerra é a do ódio, não a do amor que faz a paz; a lógica da guerra é a da besta-fera.

            Esse Fórum Social Mundial surgiu como uma mobilização, uma arregimentação contra o neoliberalismo, suas promessas falsas e os verdadeiros desastres que provoca, nasceu como movimento contra a especulação financeira, a favor de um imposto internacional, a chamada TOB, imposto que reprime minimamente esses movimentos financeiros especulativos, como movimento contra a asfixia dos países mais pobres pelo endividamento, os países endividados - e o Brasil se coloca nessa categoria -, surgiu como arregimentação contra os chamados paraísos fiscais, essas localidades que vivem de manter, nas contas de seus bancos, o dinheiro do crime, do terrorismo, da corrupção, da roubalheira, o dinheiro ilícito de um modo geral, e que agora estão sendo alvo de buscas por parte do governo americano, buscas restritas às contas que interessam à nação americana, não às contas em geral que servem ao crime organizado, ao contrabando, às operações ilícitas de toda natureza e à corrupção mundial, como deveria ser. Essa é uma das posições mais firmes do fórum social. Essa entidade continua com esses propósitos, sendo, por conseguinte, um fórum de combate ao neoliberalismo e todas suas mazelas, especialmente neste momento, quando surge o fantasma materializado da recessão destruidora de vidas e amplificadora de sofrimento em todo o mundo, principalmente entre os excluídos das nações. O Fórum Social Mundial continua sendo tudo isso.

            Sr. Presidente, isso ficou manifesto em Dakar, impressionando-me muitíssimo. Hoje também o Fórum Social Mundial é um clamor contra a guerra, o massacre e também um clamor de condenação e disposição de luta contra o terrorismo. Tanto a guerra quanto o terrorismo são formas renovadas da estupidez humana.

            Além do combate ao terrorismo e até vendo este novo mal como uma conseqüência quase direta do primeiro mal, o neoliberalismo, que levou as nações dominadoras, líderes da economia mundial a desprezarem o sofrimento das mais pobres, atingidas pelas forças da desigualdade, do crescimento e aprofundamento das desigualdades mundiais. O desprezo, a atitude cínica em relação aos países sofredores foi, obviamente, uma das centelhas, espoletas que fizeram instalar o movimento de terrorismo no mundo, atingindo justamente a nação líder no movimento de opressão econômica às demais.

            Como disse, o testemunho do continente africano é fortíssimo, absolutamente chocante, mas é óbvio que as nações africanas ainda dispõem de alguma expectativa de que venham a ser consideradas numa revisão da política neoliberal. As nações mais atingidas pela violência, diretamente -- não só pela violência econômica, mas pela física, como é o caso das nações árabes do continente asiático, do Oriente Médio --, acabaram engolfadas numa luta até entre correntes que pugnam pela solução negociada e correntes que não têm mais nenhuma esperança na solução negociada e apelam para o terrorismo. Essas nações só virão a crescer na medida em que o mundo, em vez de convocar todas as nações para um entendimento e uma mudança do desequilíbrio mundial, insistir na opressão, agora pela força militar, de forma absolutamente avassaladora.

            Sr. Presidente, fica aqui o registro de minha presença e do sentimento que captei nessa reunião, que considero da maior importância, do comitê internacional do Fórum Social Mundial realizado em Dakar na primeira semana do corrente mês.

 

            


            Modelo15/18/241:30



Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/11/2001 - Página 28380