Discurso durante a 153ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Justificativas à apresentação de projeto de lei, que modifica a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei Darcy Ribeiro, para permitir a matrícula no ensino fundamental a partir dos seis anos de idade.

Autor
Ricardo Santos (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Ricardo Ferreira Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. :
  • Justificativas à apresentação de projeto de lei, que modifica a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei Darcy Ribeiro, para permitir a matrícula no ensino fundamental a partir dos seis anos de idade.
Publicação
Publicação no DSF de 13/11/2001 - Página 28394
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, DIRETRIZ, EDUCAÇÃO, ANTECIPAÇÃO, IDADE ESCOLAR, ENSINO FUNDAMENTAL, AUMENTO, PERIODO, ESCOLARIZAÇÃO, MELHORIA, QUALIDADE, ENSINO, AMPLIAÇÃO, ACESSO, POPULAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

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            O SR. RICARDO SANTOS (Bloco/PSDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a educação brasileira tem apresentado grandes avanços nos últimos anos, embora os problemas existentes não permitam descansar sob os louros alcançados. Esta é, aliás, a situação de qualquer país, inclusive os chamados desenvolvidos. Enquanto velhas questões são resolvidas, a dinâmica da realidade suscita novas, que não dão descanso aos educadores e às sociedades.

            Com efeito, o Brasil expandiu extraordinariamente as suas matrículas, especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, realizando em algumas décadas o que países industrializados de hoje levaram mais de um século para realizar. Porém, os anos recentes permitiram que nos aproximássemos muito da universalização do ensino obrigatório. Em 1991, a taxa de escolarização líquida do Ensino Fundamental era de 83,8% das crianças do grupo de idade correspondente. Com base na Contagem Populacional de 1996, podemos afirmar que 90,5% da faixa etária de sete a quatorze anos se encontravam matriculados no Ensino Fundamental. Enquanto não chegam os dados do Censo de 2000, as estimativas para 1999, com base na Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar, nos indicam 95,4% dessa faixa etária na escola. É altamente provável que hoje esse percentual seja maior.

            Traduzindo os números, o direito público subjetivo à educação obrigatória, instituído pelos Constituintes em 1988, está perto de se concretizar. Eles tiveram a sabedoria de incorporar à Carta Magna a lição de Pontes de Miranda, segundo a qual a educação nas Constituições brasileiras não passava de um direito programático, isto é, um direito que o Poder Público poderia proporcionar se quisesse e pudesse e quando lhe interessasse. A educação só seria um direito efetivo quando fosse declarada direito público subjetivo, obrigação de freqüentar a escola e de o Estado oferecer escola para todos.

            No entanto, para atingir os 100% ideais será preciso incluir na escola grupos vulneráveis, caracterizados pela pobreza, pela residência em áreas rurais afastadas e por necessidades educativas especiais. É bem verdade que países-membros da Unesco, com estatísticas altamente confiáveis, como a Áustria, a Suíça e a Suécia, não apresentam taxas de escolarização tão superiores às brasileiras na educação de primeiro nível. Ou seja, temos uma luta renhida pela frente, em que o avanço provavelmente será cada vez mais lento. Temos que ir à frente e atuar com profundidade cada vez maior, porque a diferença para os 100% é a diferença da exclusão. De qualquer modo, o Brasil tomou a sério os compromissos firmados na Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien, no ano de 1990. Dez anos depois, na Conferência de Dacar, que avaliou as realizações do período, o País não compareceu de mãos vazias, ao contrário, teve conquistas a apresentar, que certamente se atribuem em parte significativa à criação do Fundef.

            Esses são os louros. Estamos cada vez melhor no acesso à escola, porém reconhecemos que muito há o que fazer no campo da qualidade e da democratização. A Conferência de Jomtien representou um divisor de águas, pois antes dela as declarações internacionais, em geral, tratavam do compromisso de colocar as crianças na escola, com igualdade de direitos, ou seja, enfatizavam o acesso e a eqüidade. Em 1990, a abordagem deixou de ser quantitativa apenas para tornar-se qualitativa, quando a Declaração Mundial de Educação para Todos considerou que o processo educativo deve satisfazer às necessidades básicas de aprendizagem das pessoas, incluindo um padrão mínimo de qualidade. Esse padrão já se encontrava inscrito na Constituição Federal brasileira de 1988 e se especificou mais na Lei de Diretrizes e Bases, a Lei Darcy Ribeiro, em 1996, com os compromissos internacionais que o Brasil assumira e é necessário que ele se torne ainda mais claro e específico, para ser traduzido em atos. Assim, temos uma luta intensa para que o aluno não só passe pela escola, mas que efetivamente aprenda. Isso significa sucesso escolar, diminuindo, inclusive, o percentual de alunos acima da faixa etária adequada, que, no ensino fundamental, em 1999, foi de 23,5%. Este é o maior desafio do século, num mundo cada vez mais diferente.

            Entretanto, mesmo na quantidade, intrínseca à qualidade, precisamos dar passos largos. No mesmo ano considerado, isto é, 1999, só 36,9% dos adolescentes de 15 a 17 anos cursavam o Ensino Médio. É bem verdade que esse valor era de apenas 17,6%, em 1991, ocorrendo extraordinário crescimento nos últimos anos. Por sua vez, apenas 37,2% por cento das crianças de quatro a seis anos se encontravam na pré-escola. Esse percentual, em 1991, era de tão-somente 29,1%. Com o Fundef, as redes públicas se concentraram na prioridade ao Ensino Fundamental, com uma queda das matrículas da educação pré-escolar, conquanto a curva tenha voltado a subir em seguida. Apesar disso, há um longo caminho pela frente.

            Essa modalidade de educação - a educação infantil- é tão importante, dos pontos de vista pedagógico e social, que a Conferência de Dacar, dez anos depois de Jomtien, além de realçar a qualidade em geral, estabeleceu o compromisso dos países signatários, incluído o Brasil, de expandir e melhorar a educação pré-escolar, sobretudo para as crianças mais vulneráveis e socialmente desprivilegiadas. Este, portanto, é um objetivo que não pode ser esquecido e precisa ser perseguido de maneira perseverante e de maneira adequada.

            Sem confundir com o esforço em favor da educação infantil, há um dispositivo da Lei de Diretrizes e Bases que merece ser concretizado com maior rapidez. Ao instituir a Década da Educação, com base precisamente nos compromissos de Jomtien, a que expressamente se refere, a lei abriu a possibilidade de matricular todos os educandos a partir dos seis anos de idade no Ensino Fundamental. Diversos sistemas de ensino, desde então, têm utilizado essa faculdade. Como o Ensino Fundamental tem a duração mínima de oito anos, essa mudança pode tanto levar ao término desse nível de ensino aos treze anos de idade, como elevar a escolaridade para nove anos. Nesse último caso, as deficiências qualitativas da educação brasileira e as condições socioeconômicas sugerem a necessidade de ampliar o tempo do aluno na escola, embora seja igualmente importante o que educadores e educandos fazem com esse tempo, nos estabelecimentos de ensino. Não se deve esquecer que, com a Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, passou-se de doze para onze anos o tempo dedicado ao que hoje se denominam Ensino Fundamental e Médio. E, agora, a tendência internacional conduz ao aumento geral da escolaridade.

            Uma condição, entretanto, tem dificultado os sistemas de ensino no sentido de adotar essa alternativa estabelecida pela LDB. Trata-se da universalização do atendimento mínimo de oito anos. Sendo as condições do País muito diversas, pelas circunstâncias geográficas e sociais, o atrelamento à taxa líquida nacional de escolarização, isto é, a relação entre a população de 7 a 14 anos de idade e o número de alunos da mesma faixa etária matriculados no ensino fundamental, conforme as estatísticas nacionais, vem entravar a extensão da escolaridade em certas áreas. Conhecendo as dificuldades de se alcançarem os 100% de escolarização, se esta for uma condição para utilizar a faculdade estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases, há o risco de privar muitos pelas dificuldades de alguns. Em outros termos, deve ser considerada a realidade de cada sistema de ensino para se poder avançar.

            Por isso, estamos apresentando à discussão democrática um projeto de lei que facilita antecipar e ampliar o ensino fundamental para a maioria da população, estabelecendo como condição a taxa líquida de escolarização no âmbito de cada sistema de ensino. Devemos destacar que essa medida pretende, antes de tudo, ser solução pedagógica e não maquiagem ou mera mudança estatística para melhorar indicadores sociais.

            Primeiro, não pretendemos, com esse projeto de lei, recriar as abomináveis classes de alfabetização, que podem impedir o ingresso de crianças de 7 anos e mais no ensino compulsório por meio de repetidas reprovações. Não bastassem as dificuldades opostas pela escola e pelo meio ao sucesso escolar, essas classes representam um funil a mais, em especial para os alunos socialmente menos privilegiados, como se a alfabetização não competisse à escolaridade obrigatória.

            Segundo, o projeto não pretende permitir o disfarce da pré-escola sob o manto do ensino fundamental, para ampliar as verbas obtidas do Fundef. Ao contrário, prevê um esforço a mais, já que a diminuição do valor médio por aluno pode conduzir à queda de qualidade. Desse modo, não se trata de colocar mais água no feijão, mas de aumentar a quantidade de feijão. Sob esse aspecto, o projeto em tela se vale amplamente do parecer do Conselho Nacional de Educação sobre essa questão, tomando a iniciativa de elevar ao nível legal disposições que ganham relevância cada vez maior.

            O cumprimento dos requisitos de qualidade para o ensino fundamental fixados pela lei também é indispensável, como a jornada mínima de 4 horas e o ano letivo com o mínimo de 200 dias e 800 horas de efetivo trabalho escolar. Também é preciso levar em consideração que, segundo a LDB, o ensino fundamental será ministrado progressivamente em tempo integral.

            Fica claro que, segundo o espírito do pacto federativo da nossa Lei Maior, as alterações se darão no âmbito de cada sistema de ensino, observando cuidadosamente as condições sociais e pedagógicas e respeitando os projetos pedagógicos das escolas. Mais ainda, deve ser observado o regime intergovernamental de colaboração. A própria lei dá aos Municípios e, supletivamente, aos Estados e à União, a faculdade de matricular os educandos no ensino fundamental a partir dos 6 anos de idade. Em outras palavras, é preciso ter em vista o que ocorre nos diversos níveis de governo e demais sistemas de ensino. É preciso agir solidariamente - e não solitariamente.

            No que se refere às possíveis diferenças de duração do ensino fundamental que possam vir a se estabelecer e a se acentuar, a LDB ofereceu ampla flexibilidade de organização e de transferência dos alunos de um estabelecimento ou sistema de ensino para outro, como prevê a Lei n.º 9.394/96, a Lei Darcy Ribeiro, nos seus artigos 23 e 24. Com 8 ou 9 anos de duração, antecipado para os 6 anos de idade ou conservando-se a idade de ingresso de 7 anos, importa que o ensino fundamental cumpra as finalidades e objetivos legais, segundo as respectivas diretrizes curriculares.

            O projeto de lei apresentado tem o cuidado de se fundamentar em evidências científicas. Primeiro, que o amadurecimento da criança possa ocorrer mais cedo e que a alfabetização possa ser iniciada aos 6 anos de idade ou até antes, conforme as condições. Segundo, que, quanto maior o tempo letivo, maior tende a ser o rendimento escolar. É o que constata a maioria das pesquisas nacionais e internacionais. No entanto, como foi referido no princípio, é preciso que a utilização do tempo letivo adicional seja adequada, caso contrário pode fazer o efeito oposto, isto é, o aumento da dose do remédio pode virar veneno ou surtir o resultado contrário. Por conseguinte, as pesquisas não devem ser interpretadas no sentido de estabelecerem uma relação direta e automática entre tempo e aproveitamento. Essa relação tem a ver com o que o professor faz em sala de aula e como o projeto escolar e o sistema de ensino o orientam, ou seja, depende do que muitas vezes é chamado de “caixa preta”. Se o aumento do tempo servir a outros propósitos que não a aprendizagem, como longas cópias de textos, atividades desinteressantes e festividades de que não se extrai real proveito pedagógico, não haverá maior domínio de conhecimentos e formação de atitudes.

            No mundo em que avança rapidamente a cultura da imagem; em que o tempo de convivência das crianças com a família vai encurtando; em que os meios de comunicação de massa se tornam mais influentes na formação ou destruição de valores de qualquer grupo ou instituição social, a escola precisa reconhecer a ampliação do seu âmbito de atribuições. Não lhe basta a tradicional cultura da palavra, nem a transmissão de informações antes escassas. Seu papel é mudar-se e mudar; é compartilhar os valores que asseguram a transformação e a continuidade da sociedade, bem como formar atitudes e ensinar a aprender. Para isso, a escola deve ser apoiada com os meios próprios, em especial o professor, que anima a sala de aula, onde, na verdade, ocorre o processo educacional.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo15/5/247:21



Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/11/2001 - Página 28394