Discurso durante a 154ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários à reportagem publicada na revista Carta Capital, edição de 12 de setembro último, intitulada "Mercado Brutal", acerca do aumento da pedofilia.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Comentários à reportagem publicada na revista Carta Capital, edição de 12 de setembro último, intitulada "Mercado Brutal", acerca do aumento da pedofilia.
Publicação
Publicação no DSF de 14/11/2001 - Página 28496
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ELOGIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, CARTA CAPITAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), COMENTARIO, AUMENTO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, INFANCIA, AMBITO INTERNACIONAL, MOTIVO, POBREZA, PAIS SUBDESENVOLVIDO, CONTINENTE, ASIA, AMERICA LATINA, FALTA, COMBATE, AMPLIAÇÃO, LUCRO, TURISMO, EXCESSO, DIVULGAÇÃO, INTERNET.
  • NECESSIDADE, DEBATE, CRIAÇÃO, DELEGACIA, JUIZADO DE MENORES, ESPECIALIZAÇÃO, TRATAMENTO, CRIME, VITIMA, CRIANÇA, REFORÇO, LEGISLAÇÃO, COMBATE, EXPLORAÇÃO SEXUAL, MENOR.

  SENADO FEDERAL SF -

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            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, em sua edição com data de 12 de setembro último, a excelente revista Carta Capital publica matéria cujo impacto sobre os leitores imagino ser, no mínimo, chocante. Assinada por seu correspondente em Londres, Gianni Carta, a reportagem mereceu tratamento editorial especial e, antecipando seu teor explosivo, recebeu a manchete “Mercado Brutal”. Na apresentação, uma única frase indicava o que viria a seguir: “Facilitada pela miséria, turismo sexual e Internet, a pedofilia torna-se uma lucrativa indústria global”.

            Sem sensacionalismo, como convém a uma publicação que se esmera pela irretocável qualidade do produto que oferece aos seus leitores, o texto mergulha em um quadro que, sem falsos pudores e moralismos hipócritas, assusta, amedronta e impele à reflexão qualquer um que manifeste um mínimo de preocupação com os rumos - melhor, dizendo, com os descaminhos - que vai tomando a civilização contemporânea. Justamente por isso, e por reconhecer nesta Casa um fórum por demais representativo da nacionalidade e privilegiado centro de debate de todas as grandes questões que nos envolvem, é que decidi trazer o tema ao conhecimento e ao exame de todos.

            Em torno do tema central, a pedofilia, gravitam inúmeros aspectos que, independentemente da natural convergência que apresentam, podem e devem ser analisados individualmente. Assim, ao voltarmos nosso foco de análise para cada um deles, suponho que estaremos diante de um cenário não apenas preocupante, mas indicador de que a gravidade da crise que, neste momento, atinge todo o planeta, é maior exatamente por sua latitude. Em suma, uma crise que, além de tocar em pontos tradicionais e previsíveis, como a economia e a política, ultrapassa em muito essa dimensão mais comum, atingindo em cheio o sempre decisivo universo dos valores, sobre os quais as sociedades se erigem.

            Comecemos pelo efetivo ponto de partida, que são os interesses econômicos em jogo. Segundo trabalho apresentado na Itália, em dezembro de 2000, durante a convenção da ONU sobre crime organizado transnacional, pelo juiz Wálter Maierovich, nosso ex-secretário nacional antidrogas, o lucro anual com a pedofilia bate na casa dos cinco bilhões de dólares - repito: cinco bilhões de dólares!

            Além desse, todos os números a respeito são espantosos. Exemplos? Aproximadamente dois milhões de crianças foram cooptadas por máfias que atuam no ramo. Nas palavras de Maierovich, são crianças “cooptadas e escravizadas pelas internacionais criminosas”. Vídeos envolvendo crianças rendem um lucro anual calculado em duzentos e oitenta milhões de dólares.

            Ainda: já foram localizados sete mil, setecentos e cinqüenta sites de pedofilia na Internet, a metade dos quais nos Estados Unidos, mas os especialistas acreditam que o número total de sites do gênero deve ser dez vezes maior - vejam bem: estamos falando da possível existência de mais de setenta mil sites para atender ao mercado de pedófilos!

            É dos países pobres que sai a enorme maioria de crianças recrutadas para esse tipo de “trabalho”. Isso explicita a conexão entre miséria, analfabetismo e as formas tradicionais de exclusão social com esse abjeto comércio, tornando-se sua fonte permanente de alimentação. A relação entre pobreza e essas atividades moralmente inaceitáveis fica nítida a partir de estudos de investigação empírica. Reproduzo, a propósito, trecho elucidativo da matéria publicada pela Carta Capital:

            “No chamado Terceiro Mundo, há cem milhões de crianças de rua, segundo a Casa Alianza, uma organização sem fins lucrativos que opera na América Central. Vivem de esmolas, engraxam sapatos, limpam pára-brisas de carros nas esquinas, vendem bugigangas. Esses adolescentes e pré-adolescentes dormem debaixo de pontes, em edifícios abandonados ou em parques públicos. Para suportar essa vida, muitos se drogam. E vendem seus corpos.”

            Não por acaso a Ásia tem se apresentado como pólo principal desse tipo de comércio social, verdadeira “meca para pedófilos”. São países de flagrantes desigualdades sociais, com extensas áreas de pobreza e de exclusão, além de instituições públicas não suficientemente sólidas, a facilitar práticas de corrupção, a começar pelo suborno de juízes e de policiais. São os casos exemplares da Tailândia e do Camboja, este, aliás, ostentando o nada honroso posto de país com o maior índice de crianças abandonadas no Sudeste Asiático.

            Não nos iludamos: a Ásia é aqui. Já se observou que um dos efeitos da ação repressora mais consistente dos governos asiáticos, como está ocorrendo no momento, é o aumento do turismo sexual em outras regiões. É o caso da América Latina, que oferece as condições estruturais para tanto, de que um universo calculado em quarenta milhões de crianças vivendo nas ruas é bom indicador.

            A esse respeito, a reportagem de Carta Capital utiliza-se de trabalhos produzidos pelo Unicef para nos informar, entre outras coisas, que, em nosso País, boa parte das presumíveis cem mil crianças de rua sofre abusos sexuais, no mais das vezes praticados por pessoas que lhes são bem próximas. Diz mais: “No Paraguai, 65% das prostitutas têm menos de dezesseis anos. Na Colômbia, sete mil crianças com menos de dezoito anos foram forçadas a se prostituir, segundo o Unicef”.

            Além dos interesses econômicos em jogo, há outros aspectos girando em torno da questão. Sabe-se, por exemplo, da presença de personalidades de projeção no mundo político e social europeu envolvidos, o que sempre dificulta a ação repressora. De igual modo, há governos que fecham seus olhos ao problema, na pretensão de não prejudicar o fluxo de turistas em seu país. Esse seria o caso da Costa Rica, por exemplo, segundo denúncia feita pelo diretor da Casa Alianza.

            Há, ainda, questões delicadas à espera de resolução, como a que se refere à liberdade quase absoluta para produzir e tornar público sites dirigidos aos pedófilos de todo o mundo. Sem contar, e isso é ainda mais difícil de ser mensurado, que vivemos um período histórico de rápidas transformações, com a inevitável crise envolvendo os valores essenciais que sustentam as sociedades.

            Entretanto, não há como ficar de braços cruzados. A perversidade presente no turismo sexual, especialmente quando envolve a exploração de crianças e adolescentes, exige firmeza no seu combate. Relativamente ao Brasil, temos de ter a coragem necessária para enfrentar aquilo que o médico Lauro Monteiro Filho, presidente da organização não-governamental Associação Brasileira Multidisciplinar de Proteção à Infância e Adolescência - Abrapia, denunciou com muita propriedade: o descaso com problemas relacionados à criança e ao adolescente e a impunidade, justamente considerados os maiores entraves no combate à pedofilia em nosso País.

            Julgo ter chegado a hora de pensarmos seriamente na criação de delegacias e juizados especializados em tratar de crimes contra as crianças. Nessa mesma direção, há que se trabalhar com a hipótese de se estabelecer uma legislação mais rígida para coibir esse tipo de crime, sem falar no incentivo à formação inicial e continuada de profissionais, de modo a torná-los aptos a atuar adequadamente na área.

            Encerro este meu pronunciamento, Sr. Presidente, com a sensação de ter trazido ao Plenário um tema de que jamais, em sã consciência, falaria por escolha. No entanto, nada pior do que escamotear a realidade, fingindo não ver o que está diante de nossos olhos. Gostaria que o assunto fosse tratado da maneira como merece, ou seja, com profundidade. Que especialistas sejam convocados, que estudos sejam feitos, enfim, que se adotem todos os procedimentos necessários a uma tomada de posição prudente e firme. E que, por fim, tenhamos a consciência de que por trás de cada uma dessas fotos ou dessas atitudes há sempre um ato de violência.

            Era o que tinha a dizer.


            Modelo18/16/245:16



Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/11/2001 - Página 28496