Discurso durante a 155ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Congraçamento da população dos países da região fronteiriça de Foz de Iguaçu pela paz.

Autor
Alvaro Dias (PDT - Partido Democrático Trabalhista/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MANIFESTAÇÃO COLETIVA. POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Congraçamento da população dos países da região fronteiriça de Foz de Iguaçu pela paz.
Aparteantes
Casildo Maldaner, Emília Fernandes, Heloísa Helena, Jefferson Peres, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/2001 - Página 28926
Assunto
Outros > MANIFESTAÇÃO COLETIVA. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, FRONTEIRA, MUNICIPIO, FOZ DO IGUAÇU (PR), ESTADO DO PARANA (PR), REUNIÃO, NACIONALIDADE, GRUPO ETNICO, RELIGIÃO, DEFESA, PAZ, RESPOSTA, ACUSAÇÃO, SEDE, TERRORISMO.
  • CRITICA, AUTORIDADE, AMBITO INTERNACIONAL, NEGLIGENCIA, INJUSTIÇA, ORDEM ECONOMICA E SOCIAL, PROVOCAÇÃO, REVOLTA, VIOLENCIA.
  • CRITICA, AUSENCIA, REPRESENTANTE, GOVERNO BRASILEIRO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, FRONTEIRA, ESTADO DO PARANA (PR), OMISSÃO, SITUAÇÃO, PREJUIZO, TURISMO, REGIÃO.
  • OPOSIÇÃO, GUERRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), AFEGANISTÃO, CRITICA, MODELO, COMBATE, TERRORISMO, AGRESSÃO, ESTADO DE DIREITO.

O SR. ÁLVARO DIAS (Bloco/PDT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no último domingo, tive o privilégio de assistir a um grandioso espetáculo de paz, na tríplice fronteira, em Foz do Iguaçu. No cenário maravilhoso das cataratas, uma das mais fantásticas belezas do universo, assistimos a magistral espetáculo, filho da inteligência das pessoas que, agredidas por maledicências, pelo alarmismo falso, pela irresponsabilidade verborrágica, souberam reagir com sabedoria.

Reuniram-se, em Foz do Iguaçu, 65 etnias que vivem na tríplice fronteira. Juntamente com paraguaios, argentinos e brasileiros, povos oriundos das mais diversas partes do planeta proclamaram, em diversas línguas, a paz que todos desejamos para o mundo. Demonstração de solidariedade, de fraternidade, exemplo ímpar, lá estavam mais de 30 mil pessoas na praça pública, sob o comando de lideranças comunitárias, políticas e religiosas, as mais diversas religiões se pronunciando. Em francês, o representante da Unesco exigia paz. Em chinês, uma mulher, uma monja, com vestuário típico e a cabeça raspada, apelava por paz. Os católicos, os evangélicos, os muçulmanos, os islâmicos, enfim, o congraçamento de todas as religiões num só grito de paz para o mundo.

A motivação foi a necessidade de reagir - repito - a maledicências, à irresponsabilidade verborrágica até de autoridades diplomáticas, como por exemplo, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, que provocaram insegurança, preocupação, desestímulo e prejuízos inúmeros à população que vive nos três países que convergem para a belíssima cidade de Foz do Iguaçu. O comércio, comprometido. Os hotéis, esvaziados. Da mesma forma as agências de turismo. O desemprego, promovido. A reação inteligente certamente vai colocar cobro nessa irresponsabilidade; vai colocar ponto final nessa insanidade.

Afinal, quem conhece aquela região e a sua gente ordeira, trabalhadora, produtora, não pode aceitar que se inventem fantasmas - os fantasmas do terrorismo -, idealizando a hipótese de que a partir daquela região possam ocorrer novos atentados aos Estados Unidos da América.

Aquela gente não ficou apenas na reação indignada, mas fez ecoar um grito que, gostaríamos, pudesse ser ouvido pelas principais lideranças do mundo, pelas lideranças responsáveis pelas grandes nações do Universo. Quem sabe não são elas as responsáveis maiores pela revolta que leva à violência e ao terrorismo?! Afinal, têm sido elas competentes para idealizar políticas internacionalmente capazes de reduzir as gritantes diferenças existentes entre as nações poderosas e as nações do Terceiro Mundo? Não seriam as injustiças filhas da má política internacional, responsáveis pelo desespero e pela violência? Certamente sim!

Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao invés de advertirem pessoas que trabalham em três países que confluem para as maravilhas das cataratas do Iguaçu, as grandes lideranças do planeta deveriam ser alertadas para o fato de que elas são verdadeiramente responsáveis pela situação de flagrante injustiça que afeta os povos e os leva, muitas vezes ensandecidos, à revolta e à violência.

A Srª Emília Fernandes (Bloco/PT - RS) - Senador Álvaro Dias, V. Exª me concede um aparte?

O SR. ÁLVARO DIAS (Bloco/PDT - PR) - Com prazer, Senadora.

A Srª Emília Fernandes (Bloco/PT - RS) - Senador Álvaro Dias, inicialmente quero cumprimentar V. Exª pelo registro que faz, mas muito mais pelo evento que ocorreu no Brasil, mais especificamente na fronteira que liga o Paraná com a Argentina e o Paraguai. Lamentamos profundamente a impossibilidade de comparecer, pois era nosso desejo. Inclusive tentamos adaptar a nossa agenda. Mas exatamente no momento em que estava acontecendo aquele ato, muito significativo, de repercussão nacional e internacional, nós também tínhamos um compromisso, assumido anteriormente. Estávamos em um seminário, discutindo “Educação para uma Cultura de Paz. Compromisso com a Vida”. Não estávamos em atividades diferentes, por isso não estive lá. Mas tomei conhecimento da magnitude, da força, do desejo expresso por todas aquelas pessoas que, tenho certeza, representaram, em primeiro lugar, os três países presentes naquela fronteira, mas o mundo todo, que hoje clama por paz e por justiça. E o que queremos dizer? Por que dou este testemunho? Porque sou oriunda da região da fronteira também, da fronteira do Brasil, do Rio Grande do Sul, com o Uruguai, muito próxima da fronteira com a Argentina e da cidade de Uruguaiana. Estou na cidade de Santana do Livramento, na divisa com o Uruguai. Portanto, sei o que une o sentimento e a ação dos povos da região de fronteira, ou seja, a luta coletiva para a construção de políticas de desenvolvimento econômico e social. Sei da luta que travamos na fronteira, inclusive muito antes de se falar no Mercosul, para que houvesse aproximação entre os povos - e não apenas a aproximação com a conotação que, infelizmente, a globalização traz, que é a do produto, do mercado, do lucro, mas a da integração da cultura, da socialização das dificuldades, da busca conjunta da solução dos problemas. Quero associar-me às palavras de V. Exª sobre a importância do ato e principalmente falar da conotação que precisa ser dada a essa globalização que avança sobre os países, e avança com injustiça, exclusão e concentração de renda. As forças poderosas têm de se juntar com o objetivo de encontrar saída para isso. O Fórum Social Mundial que aconteceu em Porto Alegre, e acontecerá novamente no ano que vem, está fazendo essa provocação, porque o discurso das grandes potências é muito bonito e muito fácil. Mas a contribuição que os grandes países vêm dando para diminuir as distâncias e aproximar os povos da educação, da cultura e da saúde é muito pequena. A reação dos povos da fronteira, da Argentina, do Paraguai e do Brasil, com a realização desse ato, é louvável. Cumprimento V. Exª e todos aqueles que organizaram e que participaram desse evento, porque realmente a análise tem que partir desse ponto. Não adianta os poderosos continuarem matando milhões de pessoas famintas, estimulando a guerra e o confronto. Faço este aparte para cumprimentar V. Exª e dizer que, realmente, mais iniciativas terão de ser tomadas. Os poderosos e os governos devem olhar para as regiões de fronteira, que estão precisando de políticas específicas de desenvolvimento econômico, social, cultural e educacional. Meus cumprimentos! Parece-me que hoje a única palavra é esta: pela paz, mas com justiça e garantia de direitos.

O SR. ÁLVARO DIAS (Bloco/PDT - PR) - Agradeço à Senadora Emilia Fernandes pelo aparte e lamento uma grande ausência naquele evento, a do Governo brasileiro.

Não entendo o critério de prioridade adotado pelo Presidente da República. Sua Excelência deveria estar presente. Impossibilitado de comparecer, deveria ter enviado um Ministro para representá-lo. Ninguém compareceu! Se fosse irônico, eu diria que a ausência do Governo Federal preencheu uma grande lacuna naquele majestoso espetáculo. Mas não! É assunto sério, não é assunto com o qual fazer ironia. Creio que o Governo pecou - e pecou gravemente! - ao desconsiderar um evento daquela proporção. O Governo mostrou um descaso que provoca, pelo menos em mim, uma enorme revolta, porque a região da tríplice fronteira passou a ser, de uns tempos para cá, um fórum de debates dos problemas nacionais e internacionais. Governo responsável nenhum tem o direito de ignorar a importância de um ato como aquele. E o Governo de Fernando Henrique Cardoso o ignorou de forma incrível, ausentando-se completamente, como se aquele fato não estivesse existindo.

            Não bastasse a omissão em relação a certas afirmações irresponsáveis, não bastasse a ausência de providências para o combate à violência na fronteira, a ausência do estímulo ao turismo em uma das mais belas regiões do universo, o Governo demonstra descaso com a inteligência das pessoas da comunidade, que, suprapartidariamente, acima de facções religiosas inclusive, realizaram um evento monumental para propor a paz no mundo.

            Naquele evento, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ouvimos afirmações que nos levam a refletir. Todos lamentaram o terrorismo, combateram o terrorismo, condenaram os atos terroristas que se abateram sobre Nova Iorque fazendo milhares de vítimas. Porém, vozes se levantaram também inconformadas com o comportamento prepotente e arbitrário do Governo norte-americano ao revidar. Esse é o modelo de combate ao terrorismo pelo qual devemos propugnar? O “modelo Bush” é o modelo ideal de combate ao terrorismo, ou seria uma afronta ao Estado democrático de direito? Não seriam os órgãos de segurança, a polícia e a justiça os meios mais adequados para o combate ao terrorismo? Ou esses mesmos órgãos poderiam ser substituídos pela violência das bombas, dos mísseis e de outras armas bélicas que arrasam, destroem e matam? Não estaríamos contemplando um retrocesso? Foram indagações que ouvimos, especialmente de lideranças religiosas, naquele evento. Não estaríamos retrocedendo até eras priscas do atraso? Sem medo de exagerar, não estaríamos voltando aos tempos do olho por olho e do dente por dente? Não estaríamos agredindo sagrados postulados dos direitos humanos? Ou, afinal, os pobres do Afeganistão, assustados, marginalizados, ameaçados pela violência, não possuem direitos? Por que deveriam eles ser alcançados pela violência, se não podem ser responsabilizados por violência praticada contra outrem?

Creio, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que essas questões devem merecer reflexão no Brasil e no mundo. Certamente, há outros exemplos de competência e de inteligência política para se combater a violência no mundo.

            O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Senador Álvaro Dias, V. Exª me permite um aparte?

            O SR. ÁLVARO DIAS (Bloco/PDT - PR) - Concedo um aparte ao Senador Casildo Maldaner, com satisfação.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Senador Álvaro Dias, no momento em que V. Exª medita e faz uma análise, nessa tribuna, do encontro dos representantes dos três países, da preocupação que eles carregam em relação ao que vem ocorrendo, e quando também lamenta a ausência do Governo brasileiro nesses atos, ficamos a pensar no porquê disso tudo. O Presidente da República, por exemplo, foi ao encontro do Presidente Bush, nos Estados Unidos, para conversar com ele sobre como combater o terrorismo e também para levar a ele solidariedade. O Presidente saiu daqui e foi a Washington. E aí V. Exª tem razão. Por que não vai alguém - nós, os vizinhos, também estamos preocupados com essa situação -, neste momento em que se faz um movimento pela paz, pela tranqüilidade, se sentar e discutir como combater o terrorismo? Aquilo que V. Exª ressalta, a ausência do Governo, tem procedência. Por que não dialogamos aqui, por que não procuramos, nós, irmãos, usar as mãos, formar uma parceria? Por que não procuramos aqueles vazios que acaso existam? E há ainda o alarme de que há gente por aqui e por ali relacionada ao terrorismo. Como eliminar, como enfrentar isso? Eu gostaria de dizer - sei que V. Exª comunga da mesma tese - que creio que não há nada melhor do que o diálogo. em relação a isso. Nada melhor do que a humildade, nada melhor do que a confiança, a parceria, a conversa franca, a busca da eliminação das desigualdades, trazendo os excluídos para dividir a mesma mesa no contexto da participação mundial, das decisões, da liberdade de pensamento, da inteligência, do direito de ir e vir e dos tratamentos igualitários. Assim também, os três países realizaram, na fronteira - nessa fronteira tripartite, nessa espécie de três pessoas da Santíssima Trindade ou coisa que o valha -, uma reunião para tentar buscar a paz, que V. Exª está defendendo. Por isso, cumprimento-o neste momento, Senador Álvaro Dias.

O SR. ÁLVARO DIAS (Bloco/PDT - PR) - Muito obrigado, Senador Casildo Maldaner.

Todos entendemos ser uma missão inalienável do Poder Público combater atos de terrorismo como aqueles ocorridos recentemente em Nova Iorque. No entanto, estamos preocupados com a adoção desse modelo de combate. Será que esse modelo da prepotência de uma nação extraordinariamente poderosa passa a ser regra no mundo?

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos muitas perguntas. Prefiro, Senador Lauro Campos, ficar no terreno das indagações, porque longe de mim pretender oferecer ensinamentos às grandes lideranças do Planeta.

Humildemente, estamos refletindo sobre o que ouvimos, especialmente de lideranças religiosas extremamente conceituadas deste País e do Exterior e de lideranças que representam a Unesco. Nessa reflexão, fazemos indagações desta tribuna, na esperança de que as autoridades deste País e principalmente das grandes nações do mundo ofereçam respostas competentes a estas preocupações.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PDT - DF) - Senador Álvaro Dias, concede-me V. Exª um aparte?

O SR. ÁLVARO DIAS (Bloco/PDT - PR) - Ofereço, com prazer, o aparte ao Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PDT - DF) - Nobre Senador Álvaro Dias, rendo minha homenagem a V. Exª pelo oportuno, inteligente e corajoso pronunciamento que faz nesta Casa. Acima de tudo, o discurso de V. Exª é necessário neste mundo conturbado por agressões, mistificadas por bombardeios da mídia, por formas fantásticas de justificar o injustificável. “Violência gera violência, só o amor constrói para a eternidade” - está inscrito na Estátua da Liberdade. E, ali perto, ocorre um ato de loucura, em cujo âmago não podemos penetrar, porque é o resultado de outras agressões, é o resultado de uma situação que fez com que espocassem 344 guerras na nossa sociedade dita civilizada, entre 1740 e 1974, e 87 guerras internacionais entre 1840 e 1940. A primeira citação encontra-se na página 16 do livro O Desafio da Guerra: Dois Séculos de Guerra 1740 - 1974, de Gaston Bouthoul e René Carrère, e a segunda é fornecida por Eric Hobsbawm, um dos maiores historiadores de nossa era. Desse modo, deveríamos realmente procurar entender esse fatos. E, ontem, nos Estados Unidos, os antigos inimigos, aqueles que representavam o mal e a objetivação do mal, os russos, os da União Soviética, agora se reúnem com o Presidente George W. Bush, que afirma que reduzirá o poderio nuclear norte-americano: as sete mil ogivas nucleares serão reduzidas a duas mil ogivas "apenas". Ao mesmo tempo, Bush está propondo o tal do escudo antimíssil. Jogam bombas e depois mandam alimentos para os sobreviventes. Eu julgava que pelo menos o cinismo deveria estar ausente dessa agressão. Parabenizo V. Exª porque não há nada mais importante para mim do que isso na nossa dita civilização.

O SR. ÁLVARO DIAS (Bloco/PDT - PR) - Agradeço ao nobre Senador Lauro Campos pelo aparte e proclamo admiração por sua fantástica memória ao citar fatos históricos e lembrar-se até do número da página do livro que leu. Trata-se realmente uma memória exemplar.

O Sr. Jefferson Peres (Bloco/PDT - AM) - Concede-me V. Exª um aparte, Senador Álvaro Dias?

O SR. ÁLVARO DIAS (Bloco/PDT - PR) - Antes de conceder o aparte ao Senador Jefferson Peres, que muito me honrará, gostaria de indagar, a propósito do aparte do Senador Lauro Campos: não estariam os Estados Unidos da América do Norte desovando armamentos acumulados durante muito tempo para atender a expectativas econômicas dos seus fabricantes? Essa é outra indagação. Não estou afirmando, estou indagando. Não estou acusando, estou indagando, porque ouço esse tipo de pergunta perpassando mentes de brasileiros e de estrangeiros.

Os Estados Unidos torraram, até aqui, mais de US$1 bilhão nos ataques contra os pobres do Afeganistão. Um bilhão de dólares não seriam suficientes para resolver o problema da fome no mundo, mas, certamente, minimizariam o problema, alcançando muitos seres humanos agredidos pela marginalização.

            Concedo o aparte ao Senador Jefferson Peres.

O Sr. Jefferson Peres (Bloco/PDT - AM) - Senador Álvaro Dias, concordo com V. Exª apenas em parte. Receio que muitas vezes se incorra num grande erro: o de que um antiamericanismo, que chega a ser irracional e está às vezes no substrato das pessoas, por motivos ideológicos, por motivos de ressentimento e outros, tire-nos a capacidade de análise. O que aconteceu em 11 de setembro foi uma agressão ao povo americano. Tinha que haver revide, sim, contra o Afeganistão. Não foi um ato terrorista de um grupo isolado e, sim, de um grupo com apoio estatal. O Estado nacional afegão, dominado pelos talibãs, apóia as ações do terrorista Osama bin Laden, que se dirigem contra terceiros países. Conseqüentemente, esses países atingidos têm o direito de investir contra esse Estado nacional que abriga terrorismo internacional. Tanto é assim que os Estados Unidos obtiveram o apoio quase unânime da comunidade internacional, até de países que não o acompanham habitualmente, como a Rússia, de Vladimir Putin, e a China. Há duas horas atrás, recebi o Embaixador do Irã, que me dizia que o Governo iraniano repudia os talibãs, não os confunde com o islamismo, que é uma religião de paz, e que, portanto, estava implicitamente apoiando as ações dos americanos. Senador Álvaro Dias, se um grupo terrorista internacional sediado no Paraguai, por exemplo, com apoio daquele Governo, cometesse um atentado em Curitiba daquelas proporções, V. Exª estaria pedindo uma ação internacional severa contra o Paraguai. O governo afegão, ao apoiar Osama bin Laden, tornou-se um estado marginal. Nesses casos, Senador, desaparece o princípio da não-intervenção e da autodeterminação. Esse estado é agressor e deve sofrer revide. De forma que, em parte, concordo com V. Exª, ou seja, com suas preocupações no sentido de que a reação não seja apenas militar, que haja uma ação política para instalar um governo multiétnico no Afeganistão e uma campanha maciça de ajuda internacional ao infeliz povo afegão, que não tem nada a ver com os talibãs, tanto que se vêem nas ruas de Cabul as manifestações de regozijo com o desaparecimento daquele regime obscurantista. Desculpe-me a divergência, mas tinha que apresentar a minha posição.

O SR. ÁLVARO DIAS (Bloco/PDT - PR) - Agradeço a V. Exª, Senador Jefferson Péres. A sua inteligência, já conhecida desta Casa, contribui extraordinariamente para estimular este complexo debate. Sei que V. Exª não pretendeu inquinar-me de um antiamericanismo, já que, ao contrário, admiro as virtudes de uma nação que soube construir a sua grandeza.

No entanto, o que estamos procurando é indagar métodos, modelos, estratégias de combate ao terrorismo. Não estamos condenando o combate ao terrorismo, mas apenas questionando o modelo adotado, sobretudo preocupados em não permitir que se agrida o estado de direito democrático.

Estariam os Estados Unidos da América do Norte adotando providências e mecanismos compatíveis com os postulados do estado de direito democrático? Estariam os norte-americanos, acostumados ao poderio e, muitas vezes, à prepotência e à superioridade, agindo em respeito aos sagrados direitos humanos, que são territórios indevassáveis do ser humano?

Essa é a nossa preocupação. Evidentemente, Senador Jefferson Péres, se um atentado como esse acontecesse em Curitiba, desejaria, sim, um revide, mas na legalidade. Ou seja, o revide que respeitasse os direitos humanos daqueles que não se constituiriam responsáveis pelo atentado hipoteticamente ocorrido na capital do Paraná. Obviamente, iríamos querer um revide à altura de força, mas na legalidade, sobretudo em respeito aos direitos humanos.

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Álvaro Dias, V. Exª me permite um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Ramez Tebet) - Senador Álvaro Dias, quero lembrar V. Exª que, há muito, o seu precioso está esgotado. Pediria a V. Exª a maior brevidade possível, inclusive para atender à Senadora Heloisa Helena.

O SR. ÁLVARO DIAS (Bloco/PDT - PR) - Agradeço pela compreensão de V. Exª. Nós nos esquecemos do tempo sempre, exatamente porque tem sido um procedimento comum nesta Casa.

O SR. PRESIDENTE (Ramez Tebet) - Não é isso. O tema que V. Exª aborda com categoria é de extrema importância.

O SR. ÁLVARO DIAS (Bloco/PDT - PR) - Muito obrigado, Sr. Presidente. Ouço a Senadora Heloisa Helena.

            A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Álvaro Dias, quero saudar V. Exª por trazer à Casa, mais uma vez, o debate. Sei que se trata de um debate de alta complexidade. Os apartes demonstram isso, bem como o pronunciamento de V. Exª, até porque existem outros fatores, além do dia 11 de setembro, além do apoio que os Estados Unidos deram aos talibãs para enfrentar os comunistas da União Soviética. Existe claramente algo mais, em que nos debruçaremos mais vezes nesta Casa, como o reordenamento geopolítico numa região extremamente importante. Trata-se de uma região riquíssima em petróleo, em que nações significam muito para as grandes potências - inclusive no debate econômico-internacional - e para os grupos poderosos lá existentes. Então, há muito mais por trás do revide armado americano contra inocentes no Afeganistão. Sou contra o revide armado, não por romantismo ou desconhecimento do direito internacional, mas porque, se o apoiasse contra inocentes, miseráveis e empobrecidos afegãos, teria de arranjar uma justificativa para ser favorável ao que aconteceu no dia 11 de setembro em Manhattan. Sou contra o ocorrido, porque tenho absoluta clareza de que o terrorismo não resolve nada, não faz consciência popular, não oxigena as relações que podem ser feitas e não mobiliza populações. Ele não faz nada. Pelo contrário, ele acabou tirando da pauta mundial a discussão do neoliberalismo, criando-se uma farsa, para encobrir a fome, a miséria e a destruição de nações inteiras, com o debate supostamente mais ético contra as diversas formas de terrorismo. Dessa forma, considero ruins os fatos acontecidos e sou absolutamente contrária ao revide armado americano contra inocentes, pobres e miseráveis do Afeganistão. Se eu encontrar alguma justificativa para a atitude americana, obrigatoriamente vou entendê-la como justificativa para o que o Talibã fez aos Estados Unidos. É evidente que precisamos refletir o que leva à execução de uma operação de alto risco como aquela. Temos de nos perguntar isso. Portanto, sou contra o revide armado, porque sou contra o ato terrorista que aconteceu em Manhattan. Quando fazemos a avaliação de um acontecimento, muitas vezes, no futuro, acabamos chorando. Muitos brasileiros e muitas pessoas no mundo choram, ao ver a foto histórica da menininha com a pele caindo, em função do Napalm lançado sobre o Vietnã. Muitos de nós choramos por isso. Se choramos com a imagem dessa foto, temos de chorar, ao ver as fotos de crianças miseráveis assassinadas pelo revide armado americano. Se várias Nações do mundo queriam estabelecer novas relações com o Oriente, não poderiam fazê-lo dessa forma. Muitos comemoram na rua a morte de irmãos afegãos que estão sendo assassinados. Muitas situações decorrentes desse revide armado levarão a novas guerras. Os Estados Unidos não têm autoridade para falar em lições de civilidade ou de ética, porque nunca empreenderam nenhuma ação diplomática contra a situação gravíssima das mulheres sujeitas ao regime Talibã. Embora seja a maior Nação do mundo, supostamente os “delegados do mundo”, por que nunca fizeram nada em relação aos pobres e miseráveis que lá estavam precisando de penicilina e de outras medicações? As mulheres foram gravemente feridas nos seus direitos mais humanos e elementares, e nunca fizeram nada. Precisamos rediscutir o mundo. Que mundo é esse que queremos construir? Senador Álvaro Dias, neste mundo não haverá paz sem justiça social. Não há fórmula mágica para a promoção da paz sem justiça social, nem lá na favela, nem no interior de Alagoas, nem na maior Nação do mundo. Sem justiça social, não se faz, efetivamente, paz. Portanto, quero saudar V. Exª pelo pronunciamento que faz a esta Casa. Penso que temos de rediscutir o significado disso para o mundo. Uma nova estrutura geopolítica está sendo montada, e há interesses geoeconômicos fortíssimos; novos conflitos étnicos continuarão surgindo naquela região. Precisamos debruçar-nos sobre essa nova estrutura geopolítica e geoeconômica que se está formando.

O SR. ÁLVARO DIAS (Bloco/PDT - PR) - Agradeço o aparte inteligente de V. Exª. Certamente, esse tema promoveria uma debate prolongado nesta Casa do Congresso Nacional.

Temos de concluir o pronunciamento, mas gostaria de destacar, mais uma vez, o exemplo da tríplice fronteira, com o monumental evento realizado em Foz do Iguaçu. Somos separados pelas águas dos rios Paraná e Iguaçu, pela usina binacional de Itaipu, essa obra de engenharia monumental; somos separados até pelas belezas das Cataratas do Iguaçu, pela Ponte da Amizade, mas, ficou proclamado naquele evento, estamos unidos pelos laços fraternos da solidariedade. Sem dúvida, exemplo que gostaríamos prosperasse, para alcançar almas iluminadas no mundo, que possuem a responsabilidade de conduzir povos, muitas vezes, agindo sem a necessária sensibilidade humana que se exige para tal.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, destacando que aquele evento não foi idealizado por nenhuma liderança política, por nenhum partido político, foi um evento que surgiu da inspiração de duas ou três pessoas que, preocupadas sobretudo com o alarmismo contrário ao cenário de paz em que se vive naquela região, resolveram mobilizar a população da tríplice fronteira para oferecer esse exemplo de civilidade a todo mundo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/2001 - Página 28926