Discurso durante a 155ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a morosidade do governo quanto à regulamentação da lei de acesso à biodiversidade.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Preocupação com a morosidade do governo quanto à regulamentação da lei de acesso à biodiversidade.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/2001 - Página 28537
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • ANALISE, DEMORA, REGULAMENTAÇÃO, LEGISLAÇÃO, ACESSO, BIODIVERSIDADE, CRITICA, EXECUTIVO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PREJUIZO, TRAMITAÇÃO, PROJETO DE LEI, DESRESPEITO, DEMOCRACIA, PARTICIPAÇÃO, SOCIEDADE CIVIL.
  • COMENTARIO, PROPOSTA, ITAMARATI (MRE), ACORDO INTERNACIONAL, PATENTE DE REGISTRO, RESPEITO, DIREITOS, COMUNIDADE, TRADIÇÃO, CONHECIMENTO, REGISTRO, APOIO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO DA INDUSTRIA E DO COMERCIO EXTERIOR (MDIC), ENCONTRO, INDIO, CONTRADIÇÃO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, CENTRALIZAÇÃO, CONTROLE, ACESSO, GENETICA.
  • ANUNCIO, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS), ASSUNTO, ACESSO, BIODIVERSIDADE.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do oradora.) - Sr. Presidente, quero trazer rapidamente, nesta breve comunicação, um assunto que tem sido motivo de preocupação por parte de algumas das Srªs e dos Srs. Senadores e, com certeza, por parte da maioria sociedade brasileira: a regulamentação do acesso à nossa biodiversidade.

Há mais de nove anos, o nosso País assinou a Convenção da Diversidade Biológica. Há sete anos, o Congresso Nacional ratificou a Convenção e há seis anos apresentamos o primeiro projeto de lei regulamentando-a. Mesmo assim, ainda permanecemos sem um diploma legal que assegure um acesso justo e apropriado à nossa megadiversidade biológica.

A razão para essa demora pode ser atribuída a dois fatores: a novidade e a complexidade desse tipo de regulamentação legal e a interrupção da tramitação dos projetos de lei no Congresso Nacional, por uma opção equivocada que o Poder Executivo vem dando à legalização dessa matéria.

O Governo Federal editou a Medida Provisória nº 2.126, que além de atropelar o processo que vinha sendo desenvolvido no Congresso, revelou-se um instrumento inadequado por seu caráter provisório, mas, acima de tudo, por representar um golpe sobre a formulação democrática que vinha sendo conduzida por intermédio do Congresso Nacional.

As inúmeras críticas a dispositivos dessa medida provisória, que partem de parlamentares, da comunidade científica, do setor empresarial e das organizações da sociedade civil, incluindo representações de comunidades locais, apenas confirmam a necessidade de formulação participativa que esse tipo de regulamentação exige e que vem sendo solenemente desprezada pela burocracia palaciana. Até mesmo dentro do Executivo há controvérsias sobre a condução e o conteúdo dos instrumentos legais adotados até aqui.

O recente Decreto nº 3.945, de 28 de setembro de 2001, diferente do SNUC, do Código Florestal e da Política Nacional de Educação Ambiental, dá continuidade a esse procedimento fechado e centralizador que vem sendo adotado por parte do Executivo no que concerne a algumas matérias.

A composição estritamente governamental do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético fecha a possibilidade de qualquer participação significativa das organizações da sociedade civil e comunidade científica, entre outros segmentos interessados, além de perceber a comunidade científica apenas como um instrumento a ser utilizado, sem nenhum poder de decisão dentro desse Conselho.

O decreto mantém outros dispositivos no mínimo polêmicos, também presentes na medida provisória. Um exemplo é o conceito vago de anuência do titular do conhecimento tradicional para efeito de autorização de acesso. Com ele, o Governo simplesmente abandona a noção internacionalmente reconhecida, inclusive na Convenção, sobre o Consentimento Prévio Fundamentado.

Tanto a medida provisória como o decreto não asseguram que o acesso ao patrimônio seja realizado com respeito ao conhecimento tradicional, com a conservação do patrimônio biológico e com algum tipo de controle social, até porque esse é um instrumento fundamental, pois, numa matéria complexa como essa, não temos como imaginar apenas a ação das autoridades e precisaremos de uma forte aliança com a sociedade civil e com os diversos segmentos da sociedade, o que nos leva à necessidade do controle social.

O mais curioso é que, no debate sobre a revisão do Acordo Trips (acordo internacional sobre patentes relacionadas ao comércio internacional), o Brasil, por meio do Itamaraty, vem apresentando uma proposta interessante no que diz respeito aos direitos comunitários sobre o conhecimento tradicional, bem como com referência a outros preceitos da Convenção da Biodiversidade. Esse registro deve ser feito porque o Brasil vem assumindo uma posição no plano internacional que pode ser entendida como interessante, principalmente no que concerne ao conhecimento tradicional.

Ao mesmo tempo, o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, ligado ao Ministério da Indústria e Comércio, vem apoiando o Encontro de Pajés, a realizar-se no Maranhão no início de dezembro, quando esses índios estarão fechando uma posição própria a ser levada para uma reunião do órgão das Nações Unidas que trata das patentes. São posições muito diferentes daquelas que vêm orientando, internamente, as ações do Executivo na formulação dos instrumentos legais sobre o acesso a recursos genéticos. Ou seja, temos uma posição interessante na relação externa, mas, internamente, as posições estão muito aquém dessas que estão sendo acenadas no cenário internacional. Isso dá origem a uma certa diferença entre aquilo que está sendo praticado nessas relações externas e aquilo que está sendo construído internamente, porque nega completamente esses acordos internacionais.

É por causa também dessa contradição que apresentei um requerimento na Comissão de Assuntos Sociais, já aprovado, propondo a realização de uma audiência pública no próximo dia 21 de novembro, às 9h, com o título “Diálogos sobre o acesso à biodiversidade”. Essa audiência pretende reunir representantes do Legislativo, Executivo, Judiciário, assim como da sociedade civil, com o objetivo de trazer a público a opinião de cada um desses setores sobre a situação legal do acesso aos recursos genéticos na atualidade.

Para a primeira Mesa, com o título “Iniciativas do Executivo e do Legislativo”, já estão sendo encaminhados os convites aos Ministros do Meio Ambiente, Sarney Filho; da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg; das Relações Exteriores, Celso Lafer; e aos Parlamentares, Deputado Ricarte de Freitas, Relator da PEC sobre patrimônio genético; Deputada Socorro Gomes, do Pará, da Subcomissão de Biodiversidade da Câmara dos Deputados; e Senador Osmar Dias, nosso colega, que foi Relator da Lei de Acesso aqui, no Senado.

A segunda Mesa será composta por técnicos do Governo, representantes da sociedade civil e do Ministério Público, com a presença do Dr. Bráulio Dias, da Secretaria de Biodiversidade e Florestas, do Ministério do Meio Ambiente; Gilmar Ferreira Mendes, da Advocacia-Geral da União; Márcio Miranda, do Ministério da Ciência e Tecnologia; Hermann Benjamin, do Ministério Público do Estado de São Paulo; Juliana Santilli, do Ministério Público do Distrito Federal; Jorge Terena, da Fundação Indígena do Amazonas; e Gisela Alencar, do Instituto o Direito por um Planeta Verde. Esses são os convidados da primeira e segunda Mesas, Sr. Presidente.

Espero, com essa iniciativa, poder reabrir o diálogo entre o Congresso, o Executivo, a comunidade científica e os vários segmentos da sociedade civil, a fim de que uma matéria tão importante como essa não fique prejudicada em função de que o instrumento que foi apresentado, uma medida provisória, não vem dando conta da complexidade do assunto e não está sendo regulamentada de acordo com aquilo que preconiza a Convenção da Biodiversidade. Além do mais, essa medida provisória não tem como ser regulamentada, porque não tem condições de ser traduzida em ações práticas, de instituir uma autoridade competente séria que possa estabelecer relações com aqueles que gostariam de fazer pesquisas, entrar com projetos de bioprospecção. Enfim, não existe possibilidade de, com essa medida provisória, resolvermos os problemas ligados à problemática da biopirataria, do acesso aos recursos da nossa biodiversidade, da sustentabilidade que precisa estar contemplada nesse acesso, sobretudo da partilha de benefícios que compreende a internalização de tecnologia, o pagamento de royalities, e que compreende também o reconhecimento do saber das populações tradicionais e a autonomia que essas têm sobre seus saberes e seus recursos.

De sorte que esse seminário que ocorrerá no próximo dia 21 é fundamental para que possamos ter aqui um reencontro, uma nova etapa nesse processo de discussão, e a abertura do diálogo entre Executivo e Legislativo para que possamos construir um instrumento legal que esteja à altura dessas necessidades. Não digo que irá prevalecer a proposta do Congresso ou do Executivo. Gostaria, sinceramente, de coração aberto, que pudéssemos retomar essa discussão para que prevaleça a proposta que o Brasil necessita. Tenho certeza que o Senador Osmar Dias, o Deputado Ricarte de Freitas - que apresentou uma proposta na Câmara dos Deputados -, e eu estaremos de coração aberto para a realização desse diálogo.

Espero que o Poder Executivo, por meio de seus Ministros, também esteja com esse mesmo espírito, a fim de que o Brasil não seja mais prejudicado pela ausência desse instrumento legal.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/2001 - Página 28537