Discurso durante a 155ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários à incapacidade do governo federal de resolver a greve dos servidores do INSS. (como lider)

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Comentários à incapacidade do governo federal de resolver a greve dos servidores do INSS. (como lider)
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/2001 - Página 28569
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, NEGOCIAÇÃO, SERVIDOR, GREVE, INCONSTITUCIONALIDADE, ILEGALIDADE, DECRETO FEDERAL, CENTRALIZAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUTORIZAÇÃO, PAGAMENTO, PESSOAL.
  • SOLIDARIEDADE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB), REIVINDICAÇÃO, MELHORIA, SALARIO, PROFESSOR, FUNCIONARIO PUBLICO, UNIVERSIDADE FEDERAL, SERVIDOR, MINISTERIO DA PREVIDENCIA E ASSISTENCIA SOCIAL (MPAS).
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), DESRESPEITO, DIREITO DE GREVE, FUNCIONARIO PUBLICO.
  • CRITICA, GOVERNO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, AUMENTO, TRIBUTAÇÃO, TAXAS, JUROS, INEXATIDÃO, DECLARAÇÃO, INEXISTENCIA, INFLAÇÃO.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE. Como Líder, pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, diante da incapacidade do Governo em negociar com os servidores grevistas, resolveu tomar uma medida de retaliação que os especialistas em Direito Constitucional estão apontando como uma medida que atinge nossa Carta Magna, que fere os trâmites legais e que demonstra, acima de tudo, que, muito embora o Governo publicamente afirme que está disposto a uma negociação que atenda aos interesses dos professores e dos servidores da Previdência, resolveu, de uma hora para outra, assinar um ato que considero discricionário e que, aliás, colheu de surpresa não apenas os servidores, mas até representantes do Poder Judiciário, que se manifestaram perante a imprensa, considerando um absurdo o que o Presidente da República assinou: o Decreto nº 4.010, de 12 de novembro de 2001, publicado no Diário Oficial da União, que, segundo a imprensa, representa o início do "pacotão" que o Governo Federal está baixando, visando a coibir todo e qualquer movimento reivindicatório no âmbito do funcionalismo público federal.

“ DECRETO Nº 4.010, DE 12 DE NOVEMBRO DE 2001

Dispõe sobre liberação de recursos para pagamento dos servidores públicos federais, no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI, alínea “a”, da Constituição

 D E C R E T A :

Art. 1º Compete ao Ministro de Estado do Planejamento Orçamento e Gestão mandar processar a folha de pagamento dos servidores da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, após liberação de recursos para o respectivo pagamento, mediante expressa autorização do Presidente da República.”

            Ou seja, Sr. Presidente, pela primeira vez desde a época do regime discricionário, do regime militar, o Presidente da República chamou para si a autorização para pagar a folha de servidores. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, que é um defensor intransigente das causas em favor da justiça social, da globalização, do aniquilamento das nações ricas em relação às nações pobres, às nações subdesenvolvidas - e demonstrou isso na França -, comportando-se como um internacional do socialismo lá fora, ao assinar esse decreto, mostra a verdadeira face, a face oculta de um homem que não respeita nem a Constituição.

Gostaria de lembrar um Presidente da República - eu não tinha idade para entender essas questões, mas já era nascido - que entrou para a história como aquele Presidente que, embora militar, mas eleito democraticamente, respeitava a Constituição. Esse Presidente da República, quando alguém ia lhe fazer um pedido ou prestar-lhe um assessoramento, costumava dizer: “Vamos olhar o livrinho; primeiro, o livrinho”. O livrinho de que ele falava era a Constituição de 1946.

Estamos, aqui, com a Constituição de 1988, que foi originária de uma Constituinte. Pois bem, Sr. Presidente, o art. 9º desta Constituição, a chamada Constituição Cidadã, diz:

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

§ 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

            Ora, Sr. Presidente, qual o artigo da Constituição, qual a legislação ordinária que os servidores atingiram? Porque se tivessem atingido - não vou entrar no mérito dessa discussão, mas apenas na constitucionalidade e legalidade -, o Supremo Tribunal Federal não teria dado ganho de causa a uma ação proposta pelos professores, no sentido de que recebessem os seus salários. Foi o Supremo Tribunal Federal quem reconheceu o movimento grevista dos professores. Se a mais alta Corte Constitucional, o Supremo Tribunal Federal, a quem cabe zelar pela primazia da Constituição, não reconhecesse o direito dos professores, essa causa não teria sido ganha por eles.

Então, segundo noticiário da imprensa, no Correio Braziliense de hoje, lemos: “Pacote contra greves”. Ora, Sr. Presidente, em primeiro lugar, penso que um movimento grevista pacífico como esse é, a meu ver, de fácil resolução, porque não está existindo radicalismo, quebra-quebra, nem invasão de repartição. O que existe é um movimento reivindicatório de servidores públicos que vêm sendo massacrados durante sete anos sem receber um tostão de aumento. Os salários estão congelados, e o Governo Federal, em vez de reconhecer o direito desses servidores ao aumento, para mangar deles, anuncia que os servidores terão aumento de 3,5%. Isso é um verdadeiro achincalhe a uma classe que tem prestado serviços tão relevantes ao nosso País, como é a classe dos professores, a categoria dos previdenciários, dos funcionários das universidades, inconformados que estão com essa situação.

O Governo é o primeiro a afirmar e a apregoar que não existe inflação e, por esse motivo, não pode existir correção monetária. Mas como não existe correção monetária? Pergunte aos trabalhadores rurais, aos produtores rurais se quando vão pagar o seu financiamento rural não existe uma correção que incide sobre os seus financiamentos, a famigerada TJLP - taxa de juros de longo prazo? Esse índice consiste numa correção monetária disfarçada, embutida sobre os financiamentos rurais e que está quebrando milhares e milhares de trabalhadores e pequenos produtores rurais em todo o Nordeste e Centro-Oeste brasileiros, mediante os financiamentos conseguidos por intermédio dos fundos constitucionais.

Sr. Presidente, trata-se de uma atitude que afronta a Constituição e se revela uma imprevidência do Governo, uma falta de cuidado, uma vez que determina um desequilíbrio entre as instituições, o Poder Judiciário e o Executivo. Senão, vejamos: primeiro vou citar o que diz o Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Paulo Costa Leite sobre esse decreto que joga a Constituição Federal no lixo.

Diz S. Exª:

É, no mínimo, um desapreço à Justiça e fere todos os compêndios éticos. Trata-se de um ato de força, muito grave, inconstitucionalmente, que cria um clima de insegurança e instabilidade jurídica, algo incompatível com o Estado Democrático de Direito.

E ainda diz o jornal Correio Braziliense nessa reportagem:

Especialistas consultados pelo Correio dizem que o Governo está tentando fraudar a Constituição ao estabelecer prazo de 30 dias para a duração de greve.

O jurista Bandeira de Mello, um dos maiores especialistas em Direito Administrativo do País, assim se pronuncia sobre o assunto:

Sou contra a greve dos servidores pelos prejuízos à população, mas o direito é reconhecido pela Constituição.

Ora, Sr. Presidente, venho ao plenário do Senado Federal apenas demonstrar o posicionamento do Partido Socialista Brasileiro - PSB, em nome dos quatro Senadores, uma posição de inconformismo e de alerta. Essa não é a primeira vez que o Governo Federal resolve desrespeitar a Constituição. Quando não vem com um decreto vem com uma medida provisória para enfraquecer as instituições, tanto o Congresso Nacional quanto o Poder Judiciário. Várias ações certamente vão ser acionadas junto ao Poder Judiciário no sentido de coibir mais esse abuso do Poder Executivo. Os funcionários públicos, que são hoje verdadeiros “patinhos feios” da Administração Federal, não são considerados como seres humanos. Afinal de contas, funcionário público come, precisa ir a supermercado, vai para o trabalho de ônibus, de carro ou a pé. Daqui a uns dias, os funcionários públicos irão apenas a pé, porque não terão condições de pagar a gasolina do carro, nem qualquer outro meio de transporte.

Aliás, hoje, tomei conhecimento - já foi publicado até em jornais - de que lideranças ligadas ao Governo, no sentido da preservação das emendas parlamentares, estão idealizando um novo imposto: um imposto sobre os combustíveis. Ora, Sr. Presidente, já não basta o fato de que mais de 30% do nosso PIB vêm dos impostos? O crescimento dos impostos é exorbitante no Governo Fernando Henrique Cardoso: no início, em seu primeiro mandato, a sociedade se responsabilizava com 20% de seu salário, e hoje já são 33%. E agora já se propala que um novo imposto será criado para atender às emendas parlamentares.

Ora, Sr. Presidente, o Governo não está se incomodando com nada, não está se incomodando que haja um desgaste para o Congresso Nacional nem que os Parlamentares sejam culpados, amanhã, de inventarem mais um imposto para sobrecarregar a já sobrecarregada obrigação tributária da sociedade brasileira. O Governo Federal, na realidade, está preocupado em agradar os organismos financeiros internacionais, nem que seja à custa da fome, da miséria e da falta de condições sociais existente em todo o Brasil, principalmente na periferia das grandes cidades e no campo. Atualmente, já não se trata apenas da periferia, mas também da classe média, que não pode mais pagar um aluguel e nem comprar um apartamento, situação possível quando se podia propiciar um financiamento a quem possuísse um ordenado de até R$2.000,00. O Governo retirou da classe média até mesmo o poder de ter a sua própria moradia e realizar o sonho da casa própria.

São sete milhões de brasileiros que dependem de um teto e não o têm, e, por esse motivo, estão morando na casa dos pais, isso quando esses a possuem. Quando não possuem, moram embaixo das pontes, em vilas insalubres ou em palafitas.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Concedo o aparte, com prazer, a V. Exª, Senador Casildo Maldaner.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Senador Antonio Carlos Valadares, estou acompanhando o raciocínio de V. Exª ao analisar os dispositivos da Carta Magna que prevêem o direito de greve e definem os setores públicos que não podem aderir à paralisação, por se tratarem de serviços essenciais à manutenção da ordem no País. A Constituição brasileira prevê o direito de manifestação e faz as ressalvas específicas. V. Exª analisa esse conjunto de medidas do Governo para limitar o direito de greve no serviço público. Hoje, desde cedo, ouvi pessoas, aqui no Congresso Nacional e por telefonemas que recebi, dizendo: “Maldaner, será que estamos voltando à época da ditadura, em que o Governo baixava decretos a seu bel-prazer, como o Decreto-Lei nº 477/69, que definia as infrações disciplinares praticadas por professores e alunos?” Aquela era uma época em que os estudantes eram “amordaçados”, não podiam gritar e se manifestar sobre certos assuntos. Será que estamos voltando àqueles tempos? Se neste momento, Senador Antonio Carlos Valadares, em que há um movimento já em andamento, baixam-se regulamentos nessa direção, isso vem, de um certo modo, afrontar a lei. Por que não se debate, primeiramente, a alteração em época de paz? Está tudo normalizado? Então, vamos discutir uma alteração da Carta Magna, mesmo sendo difícil. A Constituição de 1988 originou-se de uma Constituinte e seria difícil agora, em andamento, sem se convocar uma nova Constituinte, alterarem-se certos dispositivos. Mas, no que for possível, por que não se debater a alteração de um dispositivo da Carta Magna, em tempos normais? Em um momento como este, parece uma espada de Dâmocles sobre alguns que reclamam. Afinal, nesses sete anos, apesar do Plano de Estabilização Econômica, houve uma certa inflação ou coisa que o valha; se não correção monetária, mas a tal de TJLP, que, de um certo modo, absorve a correção monetária. Há, portanto, um crescimento vegetativo e, se não há uma atualização do poder aquisitivo, há uma perda, uma diminuição, uma desmotivação, um empobrecimento. Essa é uma realidade que ninguém pode negar. Por isso, Senador Antonio Carlos Valadares, associo-me às ponderações de V. Exª, a esse grito contra essa medida que vem, de um certo modo, amordaçar o funcionário público. E extemporaneamente. Não é mais o momento adequado para, sem o devido debate no Congresso Nacional, introduzirem-se dispositivos dessa ordem.

O SR. PRESIDENTE (João Alberto Souza) - Senador Antonio Carlos Valadares, alerto V. Exª de que seu tempo já se esgotou. Peço a V. Exª que conclua, porque há outros oradores inscritos.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Estou concluindo, Sr. Presidente.

É lamentável, custo a crer que um Presidente da República queira não só ferir a Constituição como anular a autoridade de seus próprios Ministros. De agora em diante, segundo o decreto, nenhum pagamento a servidor poderá ser feito pelo Ministério competente onde trabalhe o servidor em greve. Só será concedido o pagamento, o contracheque só chegará às mãos do servidor depois que o Presidente da República assinar um ato autorizativo.

É uma coisa miúda, Sr. Presidente. Num regime democrático, isso não deveria ser da competência do Presidente da República e, sim, de seus Ministros de Estado, dentro da forma legal, em obediência à Constituição e às leis. Isso não poderia ficar ao talante e ao desejo de um Presidente da República que, incapaz, por meio de seu Governo, de promover a paz e o equilíbrio no seio do funcionalismo público, age dessa forma, utilizando-se de um decreto que desmoraliza o Poder Judiciário e a nossa Constituição.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ANTONIO CARLOS VALADARES EM SEU PRONUNCIAMENTO, INSERIDO NOS TERMOS DO ART. 210 DO REGIMENTO INTERNO.

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/2001 - Página 28569