Discurso durante a 155ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca da questão habitacional brasileira, a partir de dados expressos no Censo de 2000.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • Considerações acerca da questão habitacional brasileira, a partir de dados expressos no Censo de 2000.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/2001 - Página 28580
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), DEFICIT, HABITAÇÃO, BRASIL, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, OMISSÃO, GOVERNO FEDERAL, INFERIORIDADE, INVESTIMENTO, SETOR, PROVOCAÇÃO, CRESCIMENTO, FAVELA, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO PARA (PA).
  • DENUNCIA, REDUÇÃO, DOTAÇÃO ORÇAMENTARIA, POLITICA HABITACIONAL, BRASIL, INEFICACIA, PROGRAMA, CRITICA, SUPERIORIDADE, JUROS, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF).
  • REGISTRO, MOBILIZAÇÃO, MUTUARIO, CONJUNTO HABITACIONAL, ENTIDADE, ESTADO DO PARA (PA), NEGOCIAÇÃO, ACORDO, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), ANTECIPAÇÃO, QUITAÇÃO, SUSPENSÃO, DESPEJO, PROGRAMA, ARRENDAMENTO.
  • REPUDIO, ATUAÇÃO, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), DESCUMPRIMENTO, ACORDO, MUTUARIO.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a questão habitacional é um dos campos em que mais fortemente se refletem nossos vergonhosos índices de distribuição de renda, os piores do mundo, que persistiram e persistem ao longo de todo o governo Fernando Henrique Cardoso.

Nesta oportunidade, vou tratar da habitação enfocando inicialmente a realidade nacional, cujos dados demonstram seu agravamento nos últimos anos. Mas quero, sobretudo, abordar a situação específica do meu Estado, onde a inadequação dos investimentos em habitação, em relação às características da demanda, gerou profundas distorções levando milhares de famílias a enfrentarem problemas com a Caixa Econômica Federal.

O Brasil, em carência habitacional, é igualado a países paupérrimos, e isso é injustificável quando sabemos que nosso País tem riquezas, tem vitalidade econômica. Os dados sobre o déficit habitacional são conflitantes. Mesmo em documentos oficiais, fala-se em estimativas que variam de 5 a 12 milhões de moradias. Esse déficit concentra-se sobretudo nas camadas sociais com rendimento de até 3 salários mínimos. Ainda assim, a maior parte dos investimentos em habitação, nos últimos anos, concentraram-se em camadas populacionais com rendimentos superiores a esse limite.

As conseqüências dessa distorção estão expressas nos dados do censo 2000, que revelam o crescimento, nos últimos anos, do número de favelas nas cidades brasileiras. Favelas que, em meu Estado, o Pará, são chamadas de invasões ou baixadas. A crescente favelização é expressão da urbanização descontrolada, que vem se acentuando a cada década; é tradução de uma sociedade extremamente desigual; mas também é o resultado da inoperância, da incompetência e da omissão do governo federal.

Comparando-se os dados do Censo de 2000 com os do Censo de 1991, observa-se um aumento de 22,5% no número de favelas! Isto é, na década passada, o Brasil continuou a ser derrotado nesta inglória luta: a do provimento de moradia adequada à sua população. O número dessas favelas aumentou, portanto, de 3.188 para 3.905. E a parte mais acentuada desse crescimento deu-se entre 1996 e 2000, sob a égide do atual governo. É evidente que, a essa explosão de população urbana, o governo não ofereceu respostas, nem em termos econômicos, na forma de criação de empregos, nem com uma política habitacional digna desse nome.

As favelas não se concentram, hoje, apenas nas grandes metrópoles. Estendem-se também para a periferia de qualquer cidade que se caracterize como pólo de desenvolvimento.

Segundo o IBGE, o Estado onde houve o maior salto no número de favelas é o Pará. Lá passamos de 27, em 1991, para 140 em 2000. Estão incluídas aí invasões de terrenos e de conjuntos habitacionais.

As invasões, principalmente na região metropolitana de Belém, se multiplicaram ao longo dos anos noventa, com o empobrecimento crescente da população do Pará e o surgimento de ondas migratórias, especialmente do Maranhão.

Diante dessa realidade, temos de reconhecer que a chaga da favelização é doença típica de um país mal governado, onde falham as políticas econômica, fundiária e os programas habitacionais.

Na verdade, Sr. Presidente, o governo federal, praticamente, não tem política habitacional. Há um estudo do DIEESE apontando para a participação decrescente dos investimentos sociais como percentual do Orçamento da União. Saneamento e habitação não fogem a essa regra. Nos últimos anos os percentuais de recursos do orçamento da União voltados à habitação são os seguintes: 1995, 0,03%; 1996, 0,11%; 1997, 0,10%; 1998, 0,06%; 1999, 0,09%. São recursos irrisórios! Embora o estudo do DIEESE não abrangeu os anos de 2000 e 2001, pelo que temos acompanhado das execuções orçamentárias, a realidade não mudou, ou, até piorou nestes anos mais recentes.

Os programas habitacionais que o governo federal mantém para os segmentos de baixa renda são: o Pró-moradia e o Pró-saneamento, prejudicados por depender do FGTS, cada vez mais minguado, nos últimos anos, com a disseminação do desemprego e do emprego sem carteira assinada; e o Habitar-Brasil, de recursos orçamentários espremidos pelo ajuste fiscal e pela exigência de superávit nas contas públicas para o pagamento de juros da dívida.

A Caixa Econômica Federal, que, neste governo, tem atuado como um mero banco comercial como qualquer outro, está ausente da questão da habitação popular. Ela só destina recursos para aqueles que têm rendimentos substanciais, suficientes para arcar com os pesados juros de financiamento.

Efetivamente, os juros altos da Caixa Econômica podem se transformar em pesadelo. É sintomática a situação dos moradores de conjuntos habitacionais do Estado do Pará. Eles tiveram de se organizar em uma associação específica, o Fórum Paraense em Defesa da Moradia dos Conjuntos Habitacionais, que congrega mais de 50 conjuntos habitacionais e associações de moradores. Assim unidas, essas milhares de famílias vêm lutando contra problemas como: imóveis inacabados; baixa qualidade da construção; incapacidade de pagamentos dos mutuários ou ocupantes diante das distorções da política econômica do governo; elevação absurda dos saldos devedores e dos valores das prestações; e despejos injustos e até mesmo violentos.

O Fórum Paraense em Defesa da Habitação vem atuando com legitimidade junto à Caixa Econômica, à Câmaras de Vereadores, à Assembléia Legislativa, à imprensa e mesmo junto ao Congresso Nacional. No último mês de abril acompanhei representantes deste Fórum em audiências com a Caixa Econômica Federal no Pará e também em Brasília.

Na época foi fechado um acordo que, se cumprido, poderia solucionar a maioria dos problemas habitacionais de dezenas de milhares dessas famílias que vivem irregularmente em mais de cinqüenta conjuntos habitacionais, a maioria nos municípios de Belém, Ananindeua e Castanhal. O Acordo previa basicamente três aspectos: Primeiro, a aplicação do programa de quitação antecipada para os imóveis cujo valor não exceda a R$5.000,00. Nesse caso, a quitação se daria pelo correspondente a 12% do valor total do imóvel; segundo, acordou-se que seriam suspensas as ações de despejo enquanto estiver em período de negociação; e terceiro, a aplicação do programa de arrendamento especial para os imóveis com valor até R$50.000,00. Esse programa prevê o estabelecimento de uma espécie de aluguel por um determinado período com opção de compra no final. A rigor, Sr. Presidente, nenhum dos três itens acordados está sendo cumprido pela Caixa Econômica Federal.

As ações de despejo, com uso de força policial e violência, continuaram ocorrendo. A quitação antecipada chegou a funcionar em alguns casos, mas as regras impostas pela Caixa estão inviabilizando que seja utilizada como uma opção segura para os moradores, já que embora quitado, o morador não figura como proprietário.

Há poucos meses, o governo, como medida de sanear a Caixa Econômica Federal, criou a Empresa Gestora de Ativos - ENGEA, para administrar a parte “podre” da Caixa Econômica Federal. Trata-se de um órgão vinculado ao Ministério da Fazenda que assumiu, entre outras coisas, a gestão dos programas habitacionais com alto índice de inadimplência, tendo a incumbência de buscar a regularização dos contratos. A maioria dos condomínios do Pará, de que estamos tratando aqui, encontram-se nessa situação.

Com a criação dessa empresa, em vez de melhorar, a situação piorou, já que a ENGEA está impedida de operacionalizar o programa de arrendamento especial, que possibilitaria a regularização de boa parte dos conjuntos habitacionais com problemas. Ocorre que a Lei 10.150, de 2000, que regulamenta o programa de arrendamento, no seu artigo 38, limita a operacionalização do mesmo à instituições financeiras captadoras de depósitos à vista. E a ENGEA não tem essa característica. O programa de arrendamento especial foi moldado para a Caixa operacionalizar. O governo promove mudanças impensadas e quem sofre as conseqüências é a população. Portanto, foi por água abaixo o terceiro ponto do acordo assumido pela Caixa com os moradores dessas dezenas de conjuntos habitacionais do Pará.

Já determinei à minha assessoria que estude a possibilidade de propor mudanças à Lei 10.150, de forma a melhor adequar o programa de arrendamento à realidade atual da questão habitacional.

Há poucos dias, uma ação civil pública contra a Caixa Econômica Federal, provocada pelo Fórum Paraense, teve êxito com a decisão da Juíza Federal Silvia Elena Petry, que atendeu o pedido de liminar do Ministério Público para suspensão dos despejos. A Juíza determinou, ainda, a realização de audiências de negociação entre as partes. Na semana passada, ocorreu uma delas, onde estive representado. Há outra marcada para o final desse mês.

Na semana passada, a Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados enviou representantes ao Pará com o objetivo de conhecer de perto a dimensão do problema habitacional. Além de visitar alguns conjuntos habitacionais, constou da programação dessa comissão uma Audiência Pública na Assembléia Legislativa do Estado do Pará e da Câmara de Vereadores do município de Castanhal .

Estou registrando esses fatos para mostrar que, apesar da insensibilidade da Caixa Econômica em buscar formas de solucionar essa grave questão, outros segmentos da sociedade, tais como o Poder Judiciário, o Poder Legislativo, o Ministério Público, têm compreendido a gravidade do problema e sua dimensão social, bem como o quanto é legítimo o que querem essas milhares de famílias.

Mas, Sras. e Srs. Senadores, muita coisa precisa mudar. As regras de financiamento da Caixa, bem como a maioria de seus programas, como já afirmei aqui, termina por não atender as camadas da população que mais demandam programas de moradia popular. Falo aqui daqueles cuja renda não ultrapassa a dez salários mínimos e especialmente daqueles que vivem com menos de três salários mínimos.

O problema central é que o governo não tem tratado a questão social pela ótica do direito e do respeito à população. Os programas sociais - e aqui falo especialmente dos programas habitacionais - assumem formas que se enquadram nos limites impostos pela atual política econômica adotada pelo governo, de reduzir ao máximo os gastos públicos. Deste modo, os financiamentos disponibilizados para a área de habitação, se direcionam mais àquelas camadas populacionais que têm possibilidade de arcar com o ônus dos altos juros embutidos nas prestações, do que à população de baixa renda, que, por justiça, merece atendimento prioritário.

Sr. Presidente, encerro este pronunciamento manifestando o meu mais veemente repúdio à forma como o governo, por intermédio da Caixa Econômica Federal - e agora também por essa Empresa de Gerenciamento de Ativos, do Ministério da Fazenda -, vem tratando a questão habitacional em nosso País e especialmente pela forma inábil com que está lidando com a situação concreta de dezenas de milhares de famílias do meu Estado, cujo problema habitacional padece de solução.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/2001 - Página 28580