Discurso durante a 157ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre a proposta do governo federal de modificação do artigo 618 da CLT visando flexibilizar direitos trabalhistas.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • Comentários sobre a proposta do governo federal de modificação do artigo 618 da CLT visando flexibilizar direitos trabalhistas.
Publicação
Publicação no DSF de 20/11/2001 - Página 28742
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • DEFESA, REJEIÇÃO, PROPOSTA, ALTERAÇÃO, DISPOSITIVOS, CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT), LIBERAÇÃO, NEGOCIAÇÃO, EMPREGADO, EMPREGADOR, SUPRESSÃO, DIREITOS, TRABALHADOR, BENEFICIO, EMPRESARIO, AUMENTO, DESEMPREGO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, nesta oportunidade quero discorrer sobre a proposta do Governo que pretende modificar o artigo 618 da CLT, criando condições para que os sindicatos e empresas possam flexibilizar direitos assegurados pelos trabalhadores, por meio de convenções e acordos coletivos, podendo negociar livremente direitos trabalhistas, independentemente do que já está inscrito em lei.

            Trata-se de assunto da mais alta seriedade e precisa ser discutido com profundidade, já que produz efeitos sobre o nosso sistema econômico, político e social. Para visualizar essa questão em suas verdadeiras dimensões, devemos pensar nas novas relações sociais de produção que colocam frente a frente o capital e o trabalho no mundo globalizado. Nesse aspecto como em muitos outros, o Brasil, a exemplo da maioria das economias periféricas, entrou no mundo globalizado pela porta de trás e não teve nenhuma preocupação em se proteger dos impactos negativos dessa integração. Hoje, queiramos ou não, estamos ligados a essa realidade sem fronteiras, definidas por fios muito poderosos. Dessa maneira, por conta da falta de preparo de nossas elites e do nosso imenso atraso social, os mais pobres e a classe trabalhadora são os grandes perdedores nesse jogo em que as regras são rígidas e fazem as pessoas se sentirem pequeninas e indefesas.

            Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, o avanço da globalização da economia brasileira já causou desemprego a milhões de trabalhadores. Ao longo de todo o processo, que já dura uma década, os desempregados brasileiros já formam um exército de quase 10 milhões de trabalhadores que foram dispensados dos seus afazeres ou tiveram os seus postos de trabalho extintos.

            Ainda como parte desse “ajuste” ocorrido ao longo dos anos 90, o custo da mão-de-obra caiu cerca de 33% com a chamada terceirização. Com isso quase 3 milhões de postos de trabalho foram transferidos das grandes para as pequenas e médias empresas.

            Portanto, nos dias de hoje, não só os trabalhadores estão sendo demitidos, como também as relações entre o trabalho e o capital estão sendo revistas. É importante ressaltar que tal estratégia faz parte dos ajustes que o governo considera inadiáveis para melhorar o desempenho do capital, preservar os lucros das empresas, manter a estabilidade financeira e revigorar a economia que está em grave crise. A globalização exige que essas medidas sejam tomadas, independentemente da quebra de compromissos históricos, do agravamento da crise social, do achatamento do mercado de trabalho, ou mesmo da mudança da legislação vigente que disciplina as relações entre patrões e empregados.

            Pois bem, não é de hoje que o governo pretende alterar a legislação trabalhista para aumentar o poder de barganha das empresas. Para isso, a grande novidade do momento entre os representantes do Palácio do Planalto é o anteprojeto de lei que defende os acordos coletivos, e que foi entregue há poucas semanas ao Presidente da República pelo Ministro do Trabalho, Francisco Dornelles.

            Por essa proposta, que já se encontra no Congresso Nacional, patrões e empregados poderão negociar direitos trabalhistas como férias, descanso semanal remunerado e irredutibilidade salarial, entre outras questões.

            É importante ressaltar que, qualquer acordo ou convenção negociado entre sindicatos de trabalhadores e entidades patronais terá reconhecimento acima da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Para reforçar seu projeto, o governo tem procurado passar a ilusão de que, nesse jogo de interesses antagônicos entre o trabalho e o capital, os trabalhadores não serão prejudicados e terão mais poder de decisão durante as negociações trabalhistas.

            Ledo engano! Na verdade, o projeto do governo procura adaptar a legislação trabalhista à nova realidade do mercado e das empresas. Todavia, como já dissemos anteriormente, seguindo a lógica do mercado atual e do comportamento das empresas, constatamos que a classe trabalhadora só tem perdido em salários, em empregos e em poder de negociação. Além disso, existem certos direitos constitucionais que devem ser respeitados e que ficarão ameaçados com a aprovação do texto governamental. Entre os mais importantes temos: licença à gestante de 120 dias; os que dizem respeito aos adicionais de insalubridade ou periculosidade; o 13º salário e as férias mínimas de dez dias por ano; remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; garantia de salário nunca inferior ao mínimo, para os que recebem remuneração variável; licença paternidade, nos termos fixados em lei; repouso semanal remunerado; salário família para os dependentes; direito dos filhos e dependentes a creches e pré-escolas; os quais, diga-se de passagem, não são conquistas aleatórias dos trabalhadores.

            Em relação a essas questões, o governo teve a preocupação de abrir espaços para adquirir uma melhor margem de manobra em relação às concessões que eventualmente venha a fazer em futuro próximo.

            Finalmente, como ele próprio admite, caso suas propostas sejam aprovadas, haverá uma quebra na rigidez das disposições constitucionais e da CLT sobre o trabalho. Aliás, o Ministro Dornelles é um defensor fervoroso do fim das garantias constitucionais aos empregados para que os acordos e convenções entre as duas partes possam ser celebrados sem qualquer interferência. Indiscutivelmente, tal posicionamento significa um atentado aos direitos e às conquistas dos trabalhadores, benefícios que foram inseridos na Constituição Federal depois de longos anos de luta.

            Convém assinalar ainda que o projeto do governo em tramitação dá um grande passo para enterrar a CLT e um primeiro passo para tentar rever, em futuro não muito distante, como quer o Ministro Dornelles, as normas constitucionais que garantem hoje importante proteção aos trabalhadores.

            Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, milhares de trabalhadores têm toda razão em ficar de cabelo em pé quando o governo defende que a negociação entre patrões e empregados é bem mais proveitosa do que a submissão aos preceitos constitucionais e legais.

            Antes de mais nada, não podemos desconhecer que, em qualquer sociedade capitalista, o objetivo fundamental do capital é a procura do lucro e a sua plena reprodução no processo produtivo. Assim, seria no mínimo ingênuo acreditar que ele está preocupado em distribuir benefícios sociais e estabelecer com os trabalhadores um diálogo de franqueza e de reconhecimento pelos seus esforços no processo produtivo. Infelizmente, a história nos mostra o contrário, mesmo nas sociedades mais democráticas e mais desenvolvidas. Visto por esse ângulo, o objetivo maior do capital hoje é a redução das conquistas históricas da classe trabalhadora, quer seja no Brasil, na Europa, no Japão ou nos Estados Unidos.

            Sejamos realistas: a flexibilização dos direitos trabalhistas proposta pelo governo não vai, como num passe de mágica, criar novos empregos. O que se pretende na verdade é reduzir os custos do trabalho com vistas a aliviar o aperto da recessão e dos juros, passando o ônus da desaceleração econômica para os trabalhadores. Os recursos gerados pela precarização ainda maior dos direitos dos trabalhadores não resultarão em novos investimentos ou manutenção da produção, servirão, sim, para que as empresas busquem alternativas mais rentáveis e seguras no mercado financeiro, como, por exemplo, comprando títulos públicos para se defenderem da crise, já que a atual política econômica desse governo não garante estabilidade e previsibilidade de crescimento.

            Com essa mudança pretendida na legislação, o governo joga sobre os trabalhadores o ônus do desemprego. E isso ocorre numa conjuntura completamente desfavorável ao trabalhador, trazendo o prejuízo para a parte mais fraca. Se prevalecer a proposta do governo, os patrões vão impor sua vontade, e os direitos trabalhistas e os salários serão reduzidos.

            Há de se reconhecer que a crise do desemprego requer discussões e até mudanças nas leis que regulam o mercado de trabalho. Entretanto, isso não pode significar a supressão de direitos que foram duramente conquistados pelos trabalhadores.

            A CLT, aprovada em 1º de maio de 1943, e as garantias constitucionais dos trabalhadores, inseridas na Constituição de 88, são conquistas que devem continuar regendo as relações entre o trabalho e o capital. Da forma como o governo está encaminhando essa questão, tira direitos e enfraquece a organização da classe trabalhadora Portanto, precisamos rejeitar essa proposta.

            Era o que tinha a dizer.


            Modelo15/15/245:48



Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/11/2001 - Página 28742