Discurso durante a 158ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise dos efeitos do protecionismo comercial dos Estados Unidos da América e da União Européia sobre os produtos agrícolas e metalúrgicos brasileiros.

Autor
Alvaro Dias (PDT - Partido Democrático Trabalhista/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMERCIO EXTERIOR.:
  • Análise dos efeitos do protecionismo comercial dos Estados Unidos da América e da União Européia sobre os produtos agrícolas e metalúrgicos brasileiros.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/2001 - Página 28946
Assunto
Outros > COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ALTERAÇÃO, RESTRIÇÃO, COMERCIO EXTERIOR, BRASIL.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, PAULO ROBERTO DE ALMEIDA, ECONOMISTA, PUBLICAÇÃO, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ASSUNTO, PROTECIONISMO, UNIÃO EUROPEIA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), RESTRIÇÃO, EXPORTAÇÃO, BRASIL, SUBSIDIOS, PRODUTO AGRICOLA, CONCORRENCIA DESLEAL, FALTA, RECIPROCIDADE, REGULAMENTAÇÃO, COMERCIO EXTERIOR.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ÁLVARO DIAS (Bloco/PDT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Presidente da República vai à França, discursa no Parlamento e é aplaudido de pé. No Brasil, os governistas comemoram com euforia. O Presidente vai aos Estados Unidos, avista-se com o Presidente George Bush, e os governistas proclamam sua habilidade diplomática. O discurso, há que se considerar, é competente. E as providências? Acontecem? Mudam a realidade das nossas relações comerciais com as grandes nações do mundo, com os blocos econômicos?

            No plano interno, o Presidente da República cria o Ministério do Desenvolvimento Econômico e anuncia incremento às exportações. Substitui ministros, mas a situação não muda. Especialmente, a agricultura brasileira continua apenada, mesmo sendo responsável por 30% do Produto Interno Bruto de nosso País, pela geração de 25% dos empregos existentes. Mesmo assim, continua desassistida. A pergunta que faço nesse momento é: estaria o Governo brasileiro agindo com rigor suficiente para arrebentar as barreiras que nos comprometem nas relações comerciais com as grandes nações do mundo ou age com rigor, mas a insensibilidade das grandes nações é de tal forma brutal que ultrapassa os limites das nossas possibilidades.

            São questões sem dúvida importantes, porque continuamos submetidos à vontade soberana das nações poderosas, e, evidentemente, o nosso crescimento econômico é comprometido por essa razão.

            Farei comentários sobre uma entrevista que li recentemente nas páginas amarelas da revista Veja, concedida pelo economista Paulo Roberto de Almeida, que demonstra uma grande visão das relações comerciais do nosso País com o mundo.

            Os países mais avançados, amparados nas melhores teorias econômicas, preconizam as virtudes do livre comércio, mas estão longe de praticá-las.

            Os Estados Unidos, com um déficit comercial de US$400 bilhões, de longe a economia mais aberta do planeta, menos em relação a uma série de produtos, aliás coincidindo com os nossos principais bens de exportação, especialmente na área de produção agrícola, praticam um protecionismo renitente, com a utilização de barreiras não tarifárias de diversos tipos. Isso sem falar dos subsídios maciços com que adubam a sua agricultura.

            Para outros produtos como aço, existem ainda as medidas antidumping que também são abusivas.

            Segundo o economista Paulo Roberto de Almeida, é enorme o efeito nefasto que o protecionismo agrícola da União Européia provoca não só nas nossas exportações, mas no comércio internacional como um todo. Os europeus praticam protecionismo para dentro, restringem o ingresso de produtos de outros países em seus mercados. Eles também praticam concorrência desleal para fora, visto que subvencionam bens que poderiam ser vendidos por países produtores agrícolas não subvencionados.

            O protecionismo agrícola é, certamente, um obstáculo importante, porque pune uma parte substancial do comércio exterior brasileiro. Os subsídios internos também são um fator relevante na medida em que eles distorcem os preços. Se alguém dá subsídios aos produtores de soja, por exemplo, faz com que os preços caiam nos mercados internacionais e isso pune produtores não subsidiados.

            Os produtores brasileiros de soja são extremamente apenados exatamente em função de subsídios concedidos pelo governo norte-americano, especialmente, e pela União Européia.

            A indústria do aço é tradicional nos Estados Unidos e emprega centenas de milhares de pessoas, patrocinando um dos mais bem-sucedidos lobbys dos Estados Unidos. As siderúrgicas americanas, por força do lobby, vêm mantendo como verdadeira a falsa idéia de que o aço estrangeiro é vendido a preço baixo em seu mercado apenas porque os países exportadores praticam o dumping. Isso é uma falsidade. O Brasil consegue vender produtos siderúrgicos a preços mais baixos que os Estados Unidos simplesmente porque a nossa indústria nesse setor é mais eficiente que a norte-americana. A siderurgia brasileira é mais competitiva que a americana. Existem fatores naturais que nos favorecem, como a proximidade das jazidas e a qualidade do nosso minério. Mais que a modernização tecnológica, a indústria brasileira é superior à americana. Por isso, os Estados Unidos recorrem a lobbies e, abusivamente, acusam o Brasil de praticar o dumping. Essa é uma falsa idéia.

            Utilizam também, em prejuízo de países como o nosso, medidas que alegam ser necessárias para a preservação ambiental. É claro que a intenção declarada é meritória. Não há quem não entenda ser imprescindível a preservação ambiental. Defender o meio ambiente e melhorar as condições de trabalho dos operários são uma obrigação de qualquer país. Na prática, no entanto, tais cláusulas acabam atuando em detrimento dos países em desenvolvimento, ao justificar medidas protecionistas descabidas, a pretexto de defender regras leais de comércio.

            O Brasil não tem por que temer nesse aspecto. Possuímos uma legislação ambiental adequada, e nossas exportadoras apresentam alto grau de conformidade com os princípios mais modernos do ciclo de vida dos produtos.

            No plano trabalhista, o Brasil aderiu à maior parte das convenções internacionais que defendem direitos dos trabalhadores e liberdade sindical. Em muitos casos, inclusive, estamos à frente dos Estados Unidos, que, aliás, estão muito longe de serem exemplo nessa área. A pregação é uma; a prática, outra.

            A política européia está em total contradição com o que os europeus pregam em relação à abertura econômica, à competição leal e à livre concorrência não somente com relação ao subsídio. Se os europeus entendem que devem subsidiar a agricultura, temos de admitir ser uma questão interna dos países europeus. O condenável, no entanto, é barrar a competição de fora, tanto na Europa como nos países onde eles vendem os seus produtos.

            Como diz Paulo Roberto de Almeida, o governo francês pode até hospedar os seus agricultores nos melhores hotéis da avenida Champs Elysées e pagar para que se divirtam. Isso é problemas deles. Essas mordomias sairiam mais baratas que a atual política agrícola européia. Os europeus gastam por ano US$60 bilhões, subsidiando a agricultura. É uma questão de prioridade deles, não podemos condená-los por isso. O problema, no entanto, começa quando eles usam mecanismos francamente condenáveis para barrar a competição externa.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo brasileiro deve insistir na eliminação desses subsídios, mas deve especialmente trabalhar para a eliminação dessas condenáveis barreiras que tornam desigual a competição entre países em desenvolvimento e países desenvolvidos. A competição externa permitiria baixar pela metade o preço das comidas típicas dos europeus. Portanto, o discurso europeu é um, a prática é outra. O discurso, podemos defender; a prática, devemos condenar.

            Deve interessar ao Brasil que o mercado mundial funcione com regras leais de competição. Entende-se como lealdade uma situação em que os produtos brasileiros recebam na Europa o mesmo tratamento que os produtos europeus recebem no Brasil. Porém, há deslealdade absoluta.

            Sr. Presidente, estaria o Governo brasileiro agindo com rigor? O Governo brasileiro precisa negociar, sem dúvida. Há muito tempo, o Brasil vem insistindo na abertura dos mercados agrícolas, assim como os americanos e os europeus insistem em regras para a proteção da propriedade intelectual. Cada país tem seu interesse, mas, lamentavelmente, os nossos interesses estão ficando em segundo plano - e não é de hoje, Sr. Presidente.

            O Brasil é competitivo na área agrícola, assim como os americanos o são em tecnologia e propriedade intelectual. Queremos que essas áreas sejam negociadas da mesma forma.

            A abertura precisa ser recíproca. O papel dos países ricos no comércio mundial tem de sofrer mudança radical e não basta para tal o discurso competente do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que arrancou aplausos no Parlamento francês, por exemplo.

            Que não se alegue que uma maior abertura da Europa aos produtos agrícolas importados arruinará sua economia. Está provado por uma série de evidências recentes que abertura comercial não tem relação direta e causal com problemas econômicos internos. Os Estados Unidos, por exemplo, ostentam um déficit comercial de 400 bilhões e são a economia mais aberta do mundo. Poucos relacionam os problemas atuais da economia americana com o grau de abertura de seu mercado. Outras duas das economias mais abertas, Cingapura e Holanda, são também altamente desenvolvidas. Os países podem ter problemas internos em quaisquer circunstâncias, com ou sem abertura. A idéia de que praticar o livre comércio de duas vias pode fazer as economias entrarem em colapso é retrógrada. Essa visão corresponde a uma concepção mercantilista do comércio e da economia internacional que não tem mais razão de ser.

            A União Européia, nosso mais importante parceiro econômico, é protecionista e desleal. Agindo assim, a Europa provoca efeitos econômicos danosos a si própria e ao bom funcionamento do comércio mundial.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o comércio internacional funciona de uma maneira que não é exatamente a esperada pelo senso comum. Não pode ser uma via de mão única. A visão mercantilista segundo a qual exportar é bom e importar é ruim não cabe mais nos tempos de hoje. Isso não corresponde à realidade econômica dos países em geral, nem do Brasil. Quando o país importa, ele moderniza a sua economia e passa a estar qualificado também para exportar mais e melhor. Precisamos exportar mais, mas isso não significa que precisamos voltar a ter saltos superavitários estrondosos, como nos anos oitenta, quando chegávamos a 12 bilhões ao ano.

            O Brasil é competitivo em alguns setores e perde feio, evidentemente, em outros. Mas diferenciais de competitividade e de produtividade não podem ser invocados como justificativas para o protecionismo, sobretudo quando levados às raias do absurdo comercial e do irracionalismo econômico, como ocorre com a política agrícola européia. Nossa competitividade agrícola não deixa nada a desejar. Confronta com a Europa, com os Estados Unidos, com exceção de setores de notória especialização e alta intensidade tecnológica. É justamente por ser competitivo que o Brasil está sendo penalizado no acesso ao mercado europeu de alimentos e de insumos processados.

            O Brasil precisa criar uma cultura exportadora. Ele, como todo grande país, está voltado para dentro. Isso acontece também com os Estados Unidos. O comércio exterior ocupa um pedaço pequeno na nossa economia, algo como 10% do Produto Nacional Bruto. Para o desenvolvimento do Brasil e a melhoria da qualidade de vida da população, dependemos de uma inserção bem-sucedida no comércio internacional.

            Para que o mundo seja mais fraterno, mais solidário e para que se possa proclamar a paz no mundo, é preciso que as grandes nações, as nações avançadas, desenvolvidas economicamente, atuem com maior sensibilidade, estabelecendo uma prática de relação comercial mais adequada, para evitar essa competição desigual, que compromete, sobretudo, países em desenvolvimento como o Brasil.

            Sem dúvida, nós, que temos como vocação a agricultura que é a alavanca fundamental do nosso desenvolvimento econômico - já que responde por 30% do Produto Interno Bruto e é responsável por 25% dos empregos gerados no País -, se o Governo conseguir êxito alterando essa relação perversa de competição desigual do Brasil com os países desenvolvidos do mundo, teremos avanços consideráveis na agricultura. A agricultura brasileira será mais forte - pois competente já é - e contribuirá de forma ainda mais eficaz no projeto de desenvolvimento econômico e social do nosso País.

            É bom que o Governo brasileiro entenda que a agricultura é prioridade indiscutível. E governo que não tem essa visão não é digno de ser governo num País como o nosso.

            Muito obrigado.


            Modelo14/25/246:05



Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/2001 - Página 28946