Discurso durante a 158ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao Dia Nacional da Consciência Negra.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Homenagem ao Dia Nacional da Consciência Negra.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/2001 - Página 28953
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, RAÇA, NEGRO, HOMENAGEM, VULTO HISTORICO, LUTA, LIBERDADE, ESCRAVO, REGISTRO, HISTORIA, BRASIL, AUMENTO, MOBILIZAÇÃO, ATUALIDADE, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • COMENTARIO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), INFERIORIDADE, SITUAÇÃO, NEGRO, BRASIL, CITAÇÃO, MILTON SANTOS, GEOGRAFO, NECESSIDADE, COMBATE, INJUSTIÇA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, quero também compartilhar do sentimento expresso pelos Senadores Geraldo Cândido e Heloísa Helena, em homenagem a Zumbi dos Palmares hoje, 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.

            Zumbi foi um dos muitos escravos que viveram no Brasil. Graças a sua coragem e determinação, ele se tornou o símbolo da libertação dos escravos. Sua liderança junto aos milhares de negros fugidos propiciou que se associassem e fundassem uma comunidade em Palmares, Estado de Alagoas, que ficou conhecida como o “Quilombo dos Palmares”. Lá, criaram um Estado Negro dentro de um mundo escravista. Os negros fugidos souberam fazer suas alianças políticas, seus tratados de alforria, souberam infundir respeito e medo. Travaram batalhas abolicionistas e criaram para si próprios uma sociedade justa e igualitária.

            Os quilombos passaram a ser, a partir do século passado, identificados com os movimentos progressistas no Brasil, porque eram formações com características solidárias, que relembram os ideais socialistas, baseadas em uma atividade econômica de agricultura de sobrevivência, extrativismo, caça, pesca, assim como o comércio de seus excedentes. Seus participantes desenvolviam táticas guerrilheiras nas matas e construíram uma prática de ocupação, como hoje o fazem os movimentos dos sem-terra. Escreveram uma história de libertação. Ali muitas vezes se constituíam microeconomias prósperas e sistemas políticos bem estruturados. Além disso, ali se acolhiam as minorias étnicas, como judeus e mouros, ou indígenas, e gente perseguida pela Justiça ou pela Inquisição. Mesmo não sendo organizações criadas especificamente para combater a escravidão, os quilombos eram o maior desafio ao poder senhorial, e o mais efetivo ataque à ordem escravista. Representavam uma séria ameaça à grande obra da colonização portuguesa, ao sistema colonial, como um todo. Eles provam que existiu uma consciência negra rebelde, que lutava contra a exploração e a destruição de seu maior bem: a verdadeira liberdade.

            Nem mesmo a abolição das leis escravistas significou para os negros uma libertação. Lançados num mercado despreparado para receber essa imensa força de trabalho remunerado, passaram a ser ainda mais desassistidos. Até hoje continuam sendo a grande população que habita as favelas, os viadutos, as filas por emprego, as portas dos hospitais públicos, os presídios, e sofrem de questões ligadas a um profundo preconceito racial, enfrentadas por um movimento negro contemporâneo cada vez mais forte e consciente, como por exemplo, o Movimento Negro Unificado, (que não se restringia ao combate à discriminação racial, mas pregava a luta por uma sociedade mais justa e igualitária, “por uma autêntica democracia racial”. Palmares tornou-se um símbolo da sociedade ideal brasileira, porque ali viveram negros, índios e brancos, em condições de igualdade.

            Vinte de novembro, o dia da morte de Zumbi, foi proclamado como o Dia Nacional da Consciência Negra. No Brasil foram criados, por todo o País, diversos movimentos que lutam pela igualdade entre as raças como a Frente Negra de Ação Política de Oposição, a União e Consciência Negra, a Unegro (União dos Negros pela Igualdade), dentre outros.

            O exame mais recente das desigualdades no Brasil, incluindo seus aspectos raciais, denotam com clareza que a sociedade e os governos pouco fizeram desde a abolição da escravidão, em 1888, para corrigir os efeitos de mais de três séculos de escravidão.

            De acordo com os estudos organizados pelo IPEA, com base nas informações da PNAD/IBGE de 1999, os afro-descententes têm uma presença proporcionalmente muito maior dentre os mais pobres no Brasil do que na sua participação na população. Assim, em 1999, dos 160 milhões de brasileiros, cerca de 34% viviam em famílias com renda inferior à linha de pobreza e 14% em famílias com renda inferior à linha de indigência, correspondendo, respectivamente, a 54 milhões de pobres e 22 milhões de indigentes. Os negros, incluindo os pretos e os pardos, representavam 45% da população, mas correspondiam a 64% da população pobre e 69% da população indigente; enquanto os brancos correspondiam a 54% da população total, dentre os pobres eles eram 36% e dentre os indigentes, 31%.

            Dos 54 milhões de brasileiros pobres, 19 milhões eram brancos, 30,1 milhões pardos, 3,6 milhões pretos, 140 mil indígenas e 76 mil amarelos. Entre os 22 milhões de indigentes havia 6,8 milhões brancos, 13,6 milhões pardos, 1,5 milhões pretos, 56 mil indígenas e 37 mil amarelos. Conforme ressalta Ricardo Henriques, pesquisador do IPEA, no estudo Desigualdade Racial no Brasil: Evolução na Década de 90, nascer de cor parda ou de cor preta aumenta de forma significativa a probabilidade de um brasileiro ser pobre.

            O geógrafo Milton Santos, um dos expoentes da Geografia em todo o mundo, realizou algumas das mais originais e engajadas reflexões sobre a nossa realidade, sobre os problemas da globalização em seus mais de 40 livros. É sua uma frase bastante inspiradora: “Opor à crença de que se é pequeno, diante da enormidade do processo globalitário, a certeza de que podemos produzir as idéias que permitem mudar o mundo.” Tendo percebido que a sua ciência, a Geografia, perdera o monopólio da descrição, despertou para a possibilidade de interpretar o mundo a partir da atualidade, atuando de maneira crítica e bastante fértil. 

            Neste primeiro ano do milênio, creio que devemos romper nosso imobilismo e, tomando Zumbi como exemplo, lutarmos para implantar, o mais cedo possível, uma sociedade em que, efetivamente, haja justiça e o racismo seja uma página virada de nossa história.


            Modelo13/28/247:56



Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/2001 - Página 28953