Discurso durante a 161ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

ANALISE DOS ASPECTOS AUTORITARIOS DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.

Autor
Lauro Campos (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. POLITICA INTERNACIONAL. :
  • ANALISE DOS ASPECTOS AUTORITARIOS DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.
Publicação
Publicação no DSF de 24/11/2001 - Página 29457
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • CRITICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXPLORAÇÃO, TRABALHADOR, AUTORITARISMO, AUSENCIA, POLITICA SOCIAL, AUMENTO, VIOLENCIA, DESEMPREGO, EXCESSO, VIAGEM, PAIS ESTRANGEIRO.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), CRITICA, AUTORITARISMO, GEORGE W BUSH.
  • BUSH, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), POLITICA, COMBATE, TERRORISMO, PRISÃO, HOMICIDIO, ESTRANGEIRO.
  • COMPARAÇÃO, AUTORITARISMO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, GEORGE W BUSH.
  • BUSH, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DESOBEDIENCIA, DECISÃO, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ), PAGAMENTO, SALARIO, FUNCIONARIO PUBLICO, UNIVERSIDADE FEDERAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as insatisfações, as tensões da sociedade brasileira espoucam nas greves, que constituem um passo à frente na consciência e hombridade da sociedade sofredora, da sociedade que recebe o escárnio de um Governo cada vez mais despótico, autoritário e distante. Quando o Governo volta parece que ele se distancia ainda mais dos problemas reais, do sofrimento, da fome, do desemprego, do desprezo pela cidadania, pelas leis e pelo Judiciário, pelo escárnio que este Governo devota aos Srs. Senadores, que ele considera como venais, manipuláveis, títeres, que são acionados pelas mãos despóticas de um governo imperial.

            Não falarei mais, pretendo evitar dizer, repetir, aquilo que constitui um título de um livro, escrito por um cônsul inglês no Rio de Janeiro, que aqui viveu 40 anos: Sua Majestade, o Presidente da República. É o título desse livro. Eu, então, repito, inúmeras vezes, concordando com esse inteligente representante da Inglaterra, que estamos, obviamente, nesse segundo reinado, que foi conquistado, como sabemos, à custa de compra de votos, à custa de pressão, à custa de doação de empregos e à custa de ameaças. Esta é a nossa democracia! Mas temos muito o que fazer para reverter esse quadro. E quando esse despotismo - que o Professor Fernando Henrique Cardoso sabia que era o resultado justamente da necessidade que o capitalismo tem de oprimir, cada vez com mais violência, os trabalhadores, o proletariado brasileiro. De modo que, Sua Majestade dizia, em sua tese “Capitalismo e Escravidão”, que a escravidão no Brasil foi abolida porque não se conseguia explorar tanto os trabalhadores escravos quanto a democracia brasileira, o capitalismo brasileiro explora o proletariado. Está escrito, e ele, no Governo, comprova e torna realmente inquestionável essa sua determinação, essa sua colocação. Não se pode comparar o nível de vida dos trabalhadores escravos no Brasil com o nível de morte, de sofrimento e de padecimento das nossas populações, não apenas daquelas que vivem no interior, completamente desguarnecidas, ou daquelas que estão nas favelas, crescendo como cogumelos, mas também da classe média proletarizada, dos desempregados que as estatísticas escondem e daqueles que elas não podem esconder. A terceirização torna realmente impossível sabermos se existem, realmente, apenas 17% de desempregados ou se, como acontece em Brasília, o número de desempregados ultrapassou os 20%. Isso acontece também em outras grandes capitais, como Salvador e São Paulo, onde o desemprego alimenta a agressividade, o desespero, e coloca, em cada esquina, um irmão nosso transformado em agressor, uma criança em bandido. É natural, portanto, que principalmente seres dominados pelo espelho, que vivem como a Alice no mundo do espelho, esses narcisos tornem-se perigosos porque não enxergam o próximo, pois não o consideram não digno de atenção, uma vez que não tem a sua inteligência, o seu brilho, a sua capacidade e beleza. Narciso só enxerga o espelho.

            De modo que, nós, aqueles que não merecemos sequer um olhar humano do Governo que aí está; nós, há muito tempo, antes de chegarmos aqui e desde que estamos aqui, temos a consciência plena e perfeita de que este regime é ditatorial.

            Eu, quando criança, tendo um sobrinho do meu avô no Palácio da Liberdade, Governador Benito Valadares, e um outro sobrinho dele no Ministério da Justiça, o Francisco Campos, era contra aquele regime. Felizmente, algo em mim gostava tanto da liberdade que impossibilitou que, desde a infância e adolescência, compactuasse com isso. Por isso, aquele que fez a Constituição de 1937 e depois uma em 1942, que ninguém conhece, chamado Francisco Campos, o Chico Ciência, meu padrinho e primo, pessoa que só vim a conhecer quando tinha 27 anos de idade, porque não gosto dessas pessoas, pois algumas descambam, como Fernando Henrique Cardoso, para a ditadura, para o autoritarismo e para o mais cínico dos autoritarismos que é esse revestido com o cada vez mais roto manto legal que, a cada dia, é desprezado, vilipendiado.

            Eu gostaria de falar dos perigos que corremos quando financiamos essas viagens maravilhosas de Sua Majestade por este mundo afora. Ele tem essa pulsão pelas alturas e um paladar altamente refinado. De modo que é natural que ele se dê bem em Paris, enquanto se esquece de que estamos aqui numa situação que ele prefere não enxergar.

            Desde que chegou, Sua Excelência já estava pronto para outra viagem. Assim foi: viajou em seguida para os Estados Unidos. Essas viagens são muito perigosas porque Sua Majestade, o Presidente da República, tem o dom do mimetismo, gosta de imitar, de macaquear aqueles grandes. Esse é o perigo.

            Agora, por exemplo, nos Estados Unidos, não deve ter entendido que encontrou lá, nada mais nada menos, do que o “novo ditador”, como já falei aqui desta tribuna. Essa situação de crise, de greve revela apenas aquilo que existia de forma latente e disfarçada: o caráter ditatorial, despótico dos governos que se sucederam, principalmente durante e depois da II Guerra Mundial. O Presidente Fernando Henrique Cardoso já mostrou que o nosso autoritarismo, diz ele, vem de Portugal e da Espanha, da Península Ibérica, porque essas nossas instituições e esse nosso temperamento ditatorial não foram educados pela Revolução Francesa. Então, vieram aqui, trouxeram o autoritarismo autêntico ao qual ele soma o autoritarismo advindo de condições tensas e de uma crise que, segundo ele diz, agora em outro livro, “Autoritarismo e Acumulação”: “para entendermos o autoritarismo brasileiro, temos de olhar a acumulação de capital”. E respondemos a três perguntas: de quem se tira? Quanto se tira? E para quem se espolia? Em época de crise, a taxa de lucro e a massa de mais-valia caem e, portanto, o Governo tem que se tornar mais despótico para tentar manter ou aumentar essa taxa de lucro em queda. E aquilo que extraía dos trabalhadores e transferia para os industriais agora não vai mais para os industriais. Não vai sequer uma parte desse resultado do trabalho coletivo para os funcionários públicos; ao contrário, deles é retirado, com força despótica, e transferido para o capital estrangeiro, para os banqueiros estrangeiros e para os juros internos internacionais. A massa de mais-valia, ao ser mudada em seu destino final, exige mais poder, mais despotismo e mais ditadura, de acordo com a análise brilhantemente feita pelo Professor Fernando Henrique Cardoso.

            Concordo inteiramente com o que ele disse, mas o destino lhe reservava esta peça. O Presidente Fernando Henrique Cardoso praticou tudo aquilo que acoimava, acusava e demonstrava existir de perverso na sociedade brasileira. Incrementou e caprichou na perversidade que enxergava e acusava existir na sociedade brasileira.

            Sr. Presidente, passo a ler o artigo “Novo Ditador”, publicado pelo Correio Braziliense de 17 de outubro, referente ao Presidente George W. Bush:

      William Safire, do jornal The New York Times, é um dos colunistas mais conservadores dos Estados Unidos. Defensor ferrenho da política externa Republicana, atuou como consultor político nos dois governos da família Bush (George, pai, e George W., filho). Mas a nova medida antiterror anunciada pela Casa Branca jogou o antigo aliado dos republicanos contra a família do presidente, como mostra em um de seus últimos artigos.

            Vejam V. Exªs o que está acontecendo nos Estados Unidos: a crise e a guerra levam os resquícios de democracia para o lixo naquele grande país do norte. E segue o pronunciamento do articulista americano em relação à nova medida antiterror anunciada pela Casa Branca:

      Mal assessorado por um procurador-geral frustrado e tomado pelo pânico, um presidente dos Estados Unidos assumiu o equivalente a um poder ditatorial para prender ou executar estrangeiros.

            A direita norte-americana está dizendo que o Sr. Bush assumiu um poder ditatorial. O nosso Presidente vai lá e vem com a corda toda, vem moderno, quer ser mais ditador do que o ditador de lá, George W. Bush. Desse modo, nem seria preciso continuar a ler.

      Intimidados por terroristas e inflamados pelo clamor de uma justiça brutal, os americanos estão deixando Bush substituir o império da lei por tribunais militares irregulares.

            Apenas para comentar, dois militares americanos têm o poder de abater qualquer avião comercial que considerem suspeito. Como alguém pode ter coragem de entrar em qualquer avião nos Estados Unidos, se esse avião pode ser abatido, legitimamente, por dois militares que têm o poder de vida e de morte não apenas no Afeganistão, mas at home, em casa, contra aviões norte-americanos?

            Qualquer telefone, qualquer carta, qualquer correspondência podem ser objeto de quebra de sigilo. Agora, acabou a questão da jurisdição e da soberania. Os Estados Unidos podem prender e julgar suspeitos em 50 países do mundo.

            Assim, o que havia de resquício transformou-se no reino - de acordo com William Safire, esse jornalista conservador norte-americano - de um novo ditador: o Sr. Bush. E aqui, depois que o Presidente da República voltou dos Estados Unidos, parece que as suas pulsões ditatoriais exacerbaram-se.

            O que diz ele? Depois de decisões finais tomadas pelos Tribunais Superiores, depois de transitadas em julgado, as ordens do Poder Judiciário constituem nada, constituem absolutamente nada, diante da prepotência do Governo Federal, que não cumpre as ordens judiciais, praticando mais um crime de responsabilidade.

            E agora isso está virando molecagem: os professores e outras categorias, mas principalmente os professores, recorrendo à Justiça, conseguiram uma sentença que lhes garantia a reposição de parte de suas perdas acumuladas, que alcançaram 75%, Esse arrocho salarial atinge todas as categorias, desde o salário mínimo miserável de R$181, imposto pelo FMI. E a Dona Tereza Ter-Minassian, do FMI, foi a porta-voz que estabeleceu este limite ao Brasil, de R$181 miseráveis por mês. Enquanto isso, um cachorro japonês - como várias vezes já falei aqui - tem uma cesta de consumo mensal em torno de R$900. Essa cesta abrange alimentos, remédios, saunas relaxantes, treinamentos especiais. Segundo essa pesquisa, feita em 1995, um cachorro japonês gasta, em média, R$900 por mês. E o brasileiro tem que se contentar com esta benesse, com este favor: R$ 15,50 de Bolsa-Escola para complementar o miserável salário de R$181.

            Pois bem, agora estamos percebendo o seguinte: a ditadura incorporou, entre as suas coisas, a malandragem. Não apenas o desrespeito, mas a malandragem! Isso não é coisa séria! O Ministro da Educação, o Sr. Paulo Renato, disse que não é com ele, que ele não tem que cumprir a decisão do Tribunal.

            O SR. PRESIDENTE (Luiz Otávio) - Senador Lauro Campos, V. Exª já ultrapassou quatro minutos do seu tempo.

            O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PDT - DF) - Nesta sexta-feira, eu pensava que o tempo seria mais pródigo, mas percebo que o relógio é o mesmo e que tenho realmente de terminar, apesar de ter ficado calado a semana inteira, esperando esta sexta-feira. Como não sou Líder, não sou chefe de nada, não tenho os direitos especiais de falar, costumo falar às sextas-feiras, apesar das sessões despovoadas. Esta sessão, por exemplo, brevemente será encerrada, porque não há oradores.

            Agradeço a V. Exª a gentileza dessa lembrança e gostaria apenas de dizer isto: é uma ditadura moleca, isso é molecagem! O Ministro da Educação recebe a determinação judicial de pagar os professores, que estão reclamando um reajuste não pago, um desrespeito acumulado em sete anos: 75% de reajuste. E o mesmo Presidente, no mesmo dia, ameaça aqueles que são devedores do fisco, que devem à Receita; quer que eles cumpram, com dignidade, seus compromissos de pagar; Mas ele não paga, a não ser ao FMI. É assim que age o valentão, o ditador pela metade: em relação ao povo brasileiro, desguarnecido, desempregado, em relação à terceira idade e às crianças, ele tem a coragem fantástica de achatar, de não pagar, de reprimir, de pôr a polícia na rua; mas, em relação ao FMI, perde a sua coragem, paga tudo e reserva R$36 bilhões no Orçamento, de receitas arrecadadas de nossa fome, para pagar o FMI e seus asseclas, os bancos internacionais.

            Então, a molecagem agora é esta: o Sr. Ministro da Educação diz que não paga, porque se baixou um pacote e o Presidente da República - que pode tudo, que tem todos os poderes que o transformam em ditador - assumiu o poder de autorizar o pagamento dos funcionários públicos, principalmente daqueles em greve. O Sr. Paulo Renato, diante da ordem judicial, fala que não pode cumpri-la, que não tem poder para isso, que o poder está com o Presidente da República. Esse afirma que não é para pagar; manda uma ordem ao seu Ministro da Educação para que não pague, não cumpra a decisão judicial. O que fazer diante disto, se os professores em greve, os funcionários públicos, dilapidados, espoliados em seus direitos, recorrem à Justiça e nada acontece? Entra-se neste cinismo desrespeitoso: não se sabe quem é o responsável pelo pagamento. O Ministro da Educação diz que não é ele, e o Presidente da República manda que ele não pague os atrasados e os direitos dos professores em greve.

            Talvez a solução seja fazer uma greve cada dia mais violenta, mais radical ou agir como a Força Sindical. Se aqui não há governo, eles vão à Alemanha para negociar com a Volkswagen - afinal, são três mil demissões -, para que a multinacional aqui implantada resolva os problemas insolúveis dos trabalhadores brasileiros. É, portanto, da Alemanha que vem a ordem para solucionar em parte ou apaziguar o conflito entre trabalho e capital, trabalhadores e capitalistas, instaurado, desta vez, em São Paulo.

            O que vemos é que as torres do World Trade Center poderão ser reconstruídas. Até mesmo o pavor, o pânico que domina a sociedade norte-americana pode ser resolvido. Poderão ser determinados aqueles que estão produzindo a guerra biológica, que, de acordo com as últimas pesquisas feitas nos Estados Unidos, não teria sido produzida nem na Coréia do Norte, nem no Oriente Médio, mas nos Estados Unidos. No entanto, a ordem ferida, a ordem constitucional, a ordem legal, a democracia ferida vai demorar muito mais tempo para se restabelecer, reerguer-se, do que, por exemplo, as torres infelizmente derrubadas em Nova Iorque. Os danos imateriais, danos à cultura, à história, às conquistas sociais, esses são muito mais difíceis e perduram muito mais do que os danos materiais.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

            


            Modelo15/3/247:15



Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/11/2001 - Página 29457