Discurso durante a 161ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

REGISTRO DO TRANSCURSO DO DIA MUNDIAL CONTRA A VIOLENCIA A MULHER.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. FEMINISMO.:
  • REGISTRO DO TRANSCURSO DO DIA MUNDIAL CONTRA A VIOLENCIA A MULHER.
Publicação
Publicação no DSF de 24/11/2001 - Página 29482
Assunto
Outros > HOMENAGEM. FEMINISMO.
Indexação
  • REGISTRO, COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, VIOLENCIA, MULHER, LUTA, DIREITO A IGUALDADE, HOMEM.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JEFFERSON DREZETT, MEDICO, ANALISE, VIOLENCIA, TENTATIVA, CONTROLE, MULHER, AUMENTO, EXECUÇÃO, ESTUPRO.
  • COMENTARIO, DESPREPARO, DELEGACIA DE POLICIA, ATENDIMENTO, PROBLEMA, VIOLENCIA, MULHER.
  • IMPORTANCIA, CRIAÇÃO, DELEGACIA, ATENDIMENTO, MULHER, COMBATE, IMPUNIDADE, CRIMINOSO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, COMPORTAMENTO, SOCIEDADE, APERFEIÇOAMENTO, JUSTIÇA, POLICIA, ASSISTENCIA MEDICA, MULHER.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, na oportunidade do Dia Mundial Contra a Violência à Mulher, realizado no dia 25 de novembro, quero solidarizar-me com as vítimas femininas da violência, no mundo e no Brasil, juntando-me a todos os que, por seus atos e por suas palavras, somam-se ao esforço mundial em favor da paz. Pois é no contexto maior da luta pela paz que se insere o repúdio à violência contra a mulher; no contexto daquela velha utopia, que sempre guiará os homens e a mulheres justos, a qual acena na direção de relações pacíficas e ordeiras entre homens e mulheres, considerados iguais pela lei e pelos valores sociais.

            Quando se diz violência contra a mulher está, naturalmente, subentendido que a vítima da violência o é em razão do gênero, por sua condição de mulher. Por isso, no outro pólo da relação violenta, no pólo de quem agride, geralmente, está situado a figura masculina. Quando o homem não é diretamente o agressor, quando quem agride é outra mulher, mesmo assim a agressão se faz em nome de valores masculinos característicos de sociedades patriarcais.

            Dou como exemplo deste caso, a infibulação, que é realizada em algumas sociedades muçulmanas. Como sabemos, a infibulação é a introdução de anel ou mecanismo no aparelho sexual feminino de modo a impedir o coito ou, na forma que é mais divulgada, a mutilação do clitóris para que a mulher não sinta prazer no ato sexual. Ora, apesar de a infibulação costumar ser realizada pelos próprios familiares femininos da mulher infibulada, a operação faz-se em razão de valores sociais masculinos, os quais têm por objetivo negar à mulher o direito ao prazer sexual. Não quero, porém, entrar no mérito dos argumentos daqueles que, mais dados ao relativismo cultural, dizem não ser a infibulação uma violência, uma vez que está dentro do contexto cultural legítimo das sociedades em que ocorre e que, em geral, é consentida pela mulher infibulada.

            O que quis deixar claro, ao fazer a distinção teórica que fiz, é que não é qualquer violência cometida contra um ser do sexo feminino que é considerada violência contra a mulher, nos termos desse dia mundial sob cuja motivação estamos aqui hoje reunidos. Há uma especificidade desse tipo de violência, que é o ser cometido contra a mulher em razão de sua condição feminina, o que, por sua vez, é inseparável dos valores sociais vigentes, pois, no fundo, são eles que apóiam e justificam a violência.

            Portanto, -- e é justamente aqui onde queria chegar, -- a luta contra a violência à mulher é inseparável da luta pela modificação dos valores patriarcais da sociedade, luta em favor de relações sociais igualitárias entre as pessoas; no caso, entre o homem e a mulher. Em outras palavras, trata-se, no fundo, de uma luta por igualdade.

            É em tal entendimento que se baseou uma boa definição de violência contra a mulher, que li num artigo assinado pelo ginecologista Jefferson Drezett, do Hospital Pérola Byington, de São Paulo; no entendimento de que, num pólo da relação violenta, está a mulher, a vítima, e que, no outro pólo, está o homem, ser do sexo masculino, direta ou indiretamente. Diz o doutor Drezett:

      A violência contra a mulher pode ser definida como uma relação de forças que converte as diferenças entre os sexos em desigualdade. Consiste na maneira pela qual os homens exercem controle sobre as mulheres, castigando-as e socializando-as dentro de uma categoria subordinada. O abuso sexual é considerado uma forma de violência de gênero que corporifica a sexualidade que é exercida como forma de poder.1

            São variadas as formas concretas que assume a violência contra a mulher. Há estudos que estimam que, no universo mais restrito e supostamente menos violento dos países industrializados, uma em cada 4 mulheres sofre algum tipo de violência, o que dá uma idéia da magnitude mundial do problema.2

            No mundo, a violência contra a mulher está presente, por exemplo, em situações de conflito armado, como no caso recente da guerra nos Bálcãs, ocasião em que o estupro se converteu em arma e instrumento de violência racial e étnica. Está presente também em contextos culturais nos quais a mulher é vista como propriedade de seu pai e de seu marido; ou quando é objeto de casamentos arranjados por interesses econômicos e sociais do clã a que pertence, o que, não faz tanto tempo assim, também era prática corrente nos países ocidentais. E tantas formas existem de violência contra a mulher, muitas delas matizadas por contextos culturais específicos e tradicionais, que seria praticamente impossível listá-las todas.

            No Brasil, entre todas as formas de violência diariamente praticadas contra a mulher, ressalta, pela freqüência com que é cometida e pelo alto grau de violência, o estupro. Segundo pesquisa recente realizada pela revista feminina Marie Claire, no intervalo de um ano, foram registrados, em doze grandes cidades brasileiras, 11 mil estupros! Tal número seria equivalente a dizer que, a cada 4 minutos, ocorre 1 estupro nessas cidades!3

            Lamentável é saber que o estupro não somente é cometido por pessoas estranhas à vítima, mas também ocorre sob o teto de sua própria casa, cometido por familiares, conhecidos da família, padrastos e até pais! Quando ocorrem dentro da própria família, tais casos não costumam chegar às delegacias e, assim, não figuram nas ocorrências policiais.

            Para acabar com o medo de denunciar e para quebrar o círculo da violência contra a mulher, um dos recursos mais importantes, -- se não o mais importante!, -- é a criação de delegacias especializadas, as Delegacias de Atendimento à Mulher. Pois é muito comum o despreparo das delegacias comuns para lidar com o problema da violência contra a mulher. Isso, quando a vítima não é simplesmente motivo de preconceito e de chacota por parte dos policiais e escreventes de plantão numa delegacia comum, o que não estimula que ela preste queixa. Além do mais, concorre para a subnotificação a mentalidade, que ainda grassa em nossa sociedade, de que a violência contra a mulher, quando ocorre no próprio lar da vítima, é um problema privado. Mais ou menos na linha do adágio popular que reza que em briga de marido e mulher não se mete a colher.

            Quanto às Delegacias de Atendimento à Mulher, elas ainda são poucas no Brasil, mas têm proliferado muito nos últimos anos, sendo uma realidade cada vez mais presente, pelo menos, nas grandes cidades brasileiras. Hoje, em todo o Brasil, são 330.4 Em geral chefiadas por uma delegada, as Delegacias de Atendimento à Mulher estão ajudando a mudar o quadro de impunidade que beneficia os agressores, que, por sua vez, se apóia no medo e na vergonha da vítima.

            No Dia Mundial Contra a Violência à Mulher, compartilho a esperança dos que acreditam que, cada vez mais, e de modo irreversível, o preconceito, a covardia, a insensibilidade cederão terreno à justiça, à gentileza, ao companheirismo.

            É essa mudança difícil, porque, no fundo, é uma mudança cultural, uma mudança de atitude, de comportamento. Entretanto pode-se avançar, -- e muito!, -- no aperfeiçoamento institucional em direção ao combate à violência e à impunidade. Aqui há uma via de mão dupla. O comportamento social provoca mudanças nas instituições, -- e me refiro especificamente às instituições do aparelho de Estado: a justiça, a polícia, o hospital público, -- mas, por sua vez, as instituições ajudam a mudar o comportamento social.

            É meu papel, como parlamentar eleito pelo voto popular e representante da sociedade, estar atento para o aperfeiçoamento das instituições ao qual acabo de me reportar. Certamente estou e estarei; e assumo esse compromisso! Vamos todos envidar esforços para que, no futuro, não precisemos dedicar um dia do ano para fazer ver a todos o quanto a mulher, na sociedade brasileira e no mundo, ainda é vítima de violência por sua condição feminina!

            Era o que tinha a dizer.

 

            

            NOTAS:

           i DREZETT, Jefferson. “Aspectos biopsicossociais da violência sexual” in Jornal da Rede Saúde, n.º 22, novembro de 2000, sito da Rede Saúde na internet (www.redesaude.org.br).

           ii CAMARGO, Márcia. “Violência e saúde: ampliando políticas públicas” in Jornal da Rede Saúde, n.º 22, novembro de 2000, sito da Rede Saúde na internet (www.redesaude.org.br).

           iii Idem.

           iv VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES, O Estado de Minas, 12.04.01 apud Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, sítio do Ministério da Justiça (www.mj.gov.br/sedh/cndm)


           1


           2


           3


           4



            Modelo16/1/2411:21



Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/11/2001 - Página 29482