Discurso durante a 162ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à política de juros do Governo Federal.

Autor
Iris Rezende (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Iris Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Críticas à política de juros do Governo Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 27/11/2001 - Página 29552
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, SUPERIORIDADE, TAXAS, JUROS, BRASIL, COMPARAÇÃO, MUNDO, VIABILIDADE, ESTABILIDADE, MOEDA, PREJUIZO, CRESCIMENTO ECONOMICO, FAVORECIMENTO, LUCRO, BANCOS, AUMENTO, DIVIDA PUBLICA, PERDA, ORÇAMENTO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
  • AVALIAÇÃO, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, PRIORIDADE, JUSTIÇA SOCIAL, CRESCIMENTO, PRODUÇÃO, EMPREGO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil, pelo quarto ano consecutivo, continua ostentando o título de país que pratica os juros mais altos do mundo. O Governo ainda apregoa o Plano Real como o mecanismo que permitiu a estabilização da moeda, mas parece esquecer o quanto agravou o problema dos juros, comprometendo a saúde financeira do País.

            O problema central é que os mecanismos que permitem a estabilidade da moeda exigem, em contrapartida, juros exorbitantes e inadmissíveis, que inibem o processo produtivo e prejudicam principalmente aqueles que ganham seu sustento no trabalho de sol a sol.

            Na semana passada, todos os jornais trouxeram com destaque a notícia sobre a classificação dos juros brasileiros como os mais altos dentre as quarenta principais economias do mundo. Estamos bem à frente de países como Argentina e Polônia, cuja situação sempre se caracterizou pela estabilidade e pela debilidade financeira se diretamente comparadas ao Brasil.

            Ao longo da história, não há país que não tenha sido obrigado a recorrer às altas taxas de juros, porém apenas em momentos de crise, como terapia de choque realmente temporária; nunca como política financeira permanente, anos e anos a fio, a exemplo do que ocorre no Brasil.

            Graças a essa alta extraordinária dos juros brasileiros, o sistema bancário tem-se mostrado recordista em matéria de lucros. Os jornais também estão divulgando o salto espetacular que as organizações financeiras conseguiram em matéria de lucratividade. São números assombrosos. Nos últimos seis anos, a lucratividade das trinta maiores instituições bancárias brasileiras mais do que quadruplicou.

            Em dezembro de 1994, logo após o lançamento do Plano Real, o lucro desses grupos financeiros foi de pouco mais de R$2 bilhões, pulando para quase R$9 bilhões em dezembro de 2000.

            O resultado dessa política, que combina juros altos com lucros exorbitantes dos bancos, é que a economia brasileira não consegue retomar, de forma sustentada, o caminho do desenvolvimento. As dívidas externa e a interna crescem assustadoramente, obrigando o Governo brasileiro a destinar a maior parte do dinheiro arrecadado com os impostos para o pagamento dos juros e serviços de débitos fantásticos.

            Ao mesmo tempo, essa política onera as empresas e o consumidor, inflando os encargos dos financiamentos, cartão de crédito, cheque especial, bem como de qualquer outra atividade no mercado financeiro. Apenas a título de comparação, no conjunto dos países desenvolvidos, a média da taxa de juros reais está hoje abaixo de 1,5%.

            Não tenho a menor dúvida de que, mais cedo ou mais tarde, o problema da dívida acabará explodindo, trazendo prejuízos incontornáveis para um país que precisa urgentemente despertar para a necessidade de investir em alternativas preventivas, capazes de impedir a eclosão de uma crise como a que vive hoje, por exemplo, a Argentina.

            Se a dívida pública doméstica continuar crescendo desse modo nos últimos anos, ninguém pode prever a situação que enfrentaremos. Em 1994, o Governo tinha um passivo interno de R$150 bilhões. Quatro anos depois, em 1998, já devia quase R$400 bilhões. Hoje, pelos números relativos ao mês de outubro, a soma já é astronômica: a dívida pública federal interna já é de R$637 bilhões. Muitos economistas acreditam que, no fim do ano, esse valor estará em torno de R$710 bilhões - ou mais de 50% do PIB nacional.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou falando exclusivamente da dívida interna. Sabe-se, entretanto, que a dívida externa também se encontra em patamares assustadores, superando US$200 bilhões.

            Ora, para o trabalhador e a sociedade em geral, esses dados são desalentadores. Utilizo o duro vocabulário pátrio: esses números são um desastre. A maior fatia do capital disponível no País acaba atraída pelo ganho fácil representado pelos escandalosos juros pagos pelo Tesouro Federal. Quase não sobra dinheiro para investir em produção, gerar empregos e provocar o crescimento da economia de maneira sólida e sustentável.

            O Governo, enquanto isso, continua comprometendo mais de 70% da receita dos impostos com o pagamento de juros, que, em última análise, servem para garantir lucros fabulosos para os bancos e perpetuar a concentração de renda no País.

            A cada aumento da taxa de juros, que hoje está em 19% ao ano, o Governo é obrigado a desembolsar mais dinheiro para pagar os investidores.

            Sr. Presidente, o Brasil precisa crescer para dar conta da enorme dívida social que tem para com a maioria do nosso povo. O País necessita urgentemente gerar oportunidades de trabalho, especialmente aos quase dois milhões de jovens que chegam anualmente ao mercado de trabalho, como também, muito importante, reabsorver os desempregados.

            É justamente por isso que se torna imprescindível mudar os rumos da economia. A armadilha dos juros altos tem de ser desarmada com urgência. O principal resultado dessa política é o incremento dos lucros dos bancos, que preferem aplicar seus recursos em títulos do Governo, deixando as sobras para emprestar ao mercado.

            Um estudo publicado pelo Jornal do Brasil revela que:

      O volume total de crédito no Brasil é muito pequeno, ficando em torno de 30% do PIB, enquanto que em outros países emergentes como o Chile, o México e até a Argentina, com as suas dificuldades, a média de empréstimos chega a 60% do PIB. No caso dos países desenvolvidos, como os Estados Unidos, a Inglaterra e a Itália, essa proporção é até maior do que toda a soma das riquezas dessas economias, chegando a 140% do PIB.

            Juros altos, portanto, servem para concentrar ainda mais riquezas e visam a assegurar ganhos extraordinários para quem já recebe muito.

            Em outras palavras, esses juros fabulosos engordam as receitas dos bancos sem nenhum tipo de risco. E acabam por drenar recursos da Educação, da Saúde, da Segurança Pública e de tantos outros setores onde as verbas governamentais são indispensáveis para promover o bem-estar da maioria da população.

            É preciso admitir que o Governo do Presidente Fernando Henrique obteve ganhos expressivos para o Brasil, dentre os quais a redução da inflação é o mais importante. Há também os seguidos saltos de produtividade obtidos pelo setor rural e pela indústria, bem como o rigoroso equilíbrio imposto às contas públicas. É preciso citar também a retomada do crescimento do Produto Interno Bruto, ainda que em níveis insatisfatórios para uma nação das dimensões do Brasil.

            No campo dos indicadores sociais, destaca-se o aumento da expectativa de vida do brasileiro, que cresceu dois anos, e a redução da mortalidade infantil em 22%, embora abaixo do que a ONU preconizou para o País.

            São avanços que fazem o Presidente da República merecedor do nosso aplauso e do nosso relacionamento.

            Os juros intensos, segundo o próprio Governo, seriam uma arma para conter a alta dos preços. Trata-se, na realidade, de um enorme sacrifício imposto aos brasileiros, que temem expandir os seus negócios num cenário aparentemente estável, mas que esconde incontáveis perigos.

            A distribuição de renda no Brasil também continua muito abaixo do aceitável. Ainda somos um país em que mais de 50 milhões de pessoas vivem em estado de pobreza, segundo levantamento insuspeito da Fundação Getúlio Vargas. Nos últimos 10 anos, os indicadores de concentração de renda mantiveram-se intocáveis, sem nenhuma alteração.

            Os pobres ficaram mais pobres, como os operários, empregados domésticos e trabalhadores rurais, que viram despencar seus rendimentos. Os ricos, mais ricos ainda, mantendo os privilégios de um sistema concentrador e injusto.

            Nesse quadro, a conservação dos juros nos patamares atuais arrasta o Brasil para o abismo da insolvência e da estagnação econômica. E mais: compromete o futuro do país, beneficiando uma minoria da sociedade brasileira, em detrimento da grande maioria, que sofre com a falta de perspectivas para uma vida melhor.

            O fim do regime de altas taxas de inflação em nada amenizou o quadro das desigualdades sociais, que permanece inaceitável porque o Governo não tem dinheiro para alavancar as políticas de saneamento, habitação, saúde e emprego. O País não pode investir porque os seus recursos são destinados ao pagamento dos juros das dívidas interna e externa.

            O endividamento do Governo brasileiro também não foi reduzido com a venda das estatais, como se dizia a princípio. Só no mandato do Presidente Fernando Henrique foram privatizadas 86 empresas públicas, mas os recursos gerados pela venda desse patrimônio foram engolidos pela escalada da dívida pública, alimentada pelos juros elevados.

            De nada adiantou privar a população das empresas estatais, que, pouco antes do início do primeiro Governo do Presidente Fernando Henrique, chegaram a ser orçadas em quase 80% do valor da dívida da União.

            O modelo econômico vigente encontra-se diante de um impasse, Sr. Presidente. Não há mais como prosseguir com a política de juros altos, que eleva o endividamento do Governo e faz com que os gastos sociais sejam cortados para garantir o pagamento da remuneração devida aos aplicadores, além de impedir o crescimento com justiça para todos.

            Quero repetir aqui a análise do respeitado economista Paulo Nogueira Batista Júnior, da Fundação Getúlio Vargas: “Ouvimos muito a conversa de que a queda da inflação seria a grande política social, abrindo-se a possibilidade de que, com a queda dos índices, o problema da desigualdade no Brasil ficaria ao menos amenizado. O que observamos, a pouco mais de um ano do final do mandato do atual Governo, é que o Brasil continua a ser um país com altos índices de concentração de riqueza. Os efeitos da queda da inflação sobre os indicadores de desigualdade foram muito pequenos. Se é que houve algum efeito”.

            O grau de cidadania alcançado pela sociedade brasileira não permite mais que o balanço da administração financeira do Governo continue mostrando distorções graves.

            Os gastos com o pagamento dos juros da dívida são bem superiores aos dispêndios com os programas que atendem diretamente a população e até mesmo com os salários do funcionalismo.

            É hora de colocar um ponto final nessa ciranda improdutiva!

            O Brasil só retomará a trilha do crescimento com juros mais baixos, que facilitarão o saneamento das finanças públicas e o início de uma política efetiva de distribuição de renda.

            O agravamento das desigualdades não beneficia ninguém, nem mesmo os que se enriquecem com os juros mais altos do mundo.

            Se não houver maior eqüidade e justiça social, não haverá também estabilidade política. E, sem estabilidade política, a sociedade mergulhará no caos, tornando-se presa fácil dos radicalismos e dos extremismos, que se nutrem do desespero e da desesperança do povo.

            É hora de mudar a rota dos acontecimentos, Sr. Presidente. É hora de apostar na produção e na retomada do crescimento econômico como as grandes armas para vencer a fome e assegurar a felicidade de nosso povo. É preciso acreditar na força do trabalho, que tudo transforma.

            Somos um país de um povo generoso, que não tem preguiça. O que esta Nação precisa é apenas de oportunidades para que seus filhos possam crescer e prosperar.

            Com esses juros exorbitantes, não iremos a lugar nenhum. É imprescindível eliminá-los com ousadia e coragem e desarmar a atual estratégia da equipe econômica, que, na realidade, só faz agravar o drama social.

            O Brasil precisa voltar-se para o mercado interno, fomentar as suas próprias potencialidades, preocupar-se com a elevação da qualidade de vida de seu povo e fortalecer-se diante da trajetória globalizante que pressiona e inquieta os países em desenvolvimento.

            Com juros aceitáveis, o País tem tudo para crescer. Sr. Presidente, a justificativa de juros altos é que eles inibem o consumo e, conseqüentemente, os preços não se elevam e contêm a inflação. Por outro lado, há a justificativa de que a importação dos produtos necessários ao abastecimento local é também um meio para conter a inflação. Com isso, as portas do Brasil se escancararam aos mercados exportadores externos. Não discuto, não seria capaz de discutir que os juros altos, inibindo o consumo, conteriam a inflação. No entanto, temos outro meio para conter a elevação dos preços: produzir mais. Quanto maior for o estoque de bens produzidos no Brasil, menores serão os preços pagos pelo povo, principalmente na produção agrícola. São esses os produtos que, de uma hora para a outra, impulsionam os preços para o alto, fazendo com que retorne a inflação.

            Ora, o Brasil já mostrou que somos capazes de produzir, eficientemente, sem quaisquer intempestividades, o suficiente para manter o mercado consumidor interno e exportar o excedente. Entretanto, não se pode elevar a produção do País sem recursos suficientes, e precisamos de muito mais do que aquilo que se destaca para a produção rural. Bem, então continuaremos importando, o que é um desastre para o País.

            Sr. Presidente, entendemos por bem, não sei se pela décima ou vigésima vez, trazer à apreciação desta Casa a questão dos juros altos. Estamos no Estado de Goiás, responsável por considerável parcela da produção de alimentos deste País, e ali, então, recebemos o impacto das queixas dos agricultores. Mas não, não é simplesmente por estarmos juntos no meio deles; é porque é uma verdade inatacável esta de que juros altos não são o caminho exclusivo para conter a inflação. Com juros baixos, vamos aumentar a nossa produção, viver em um país de abundância e, inclusive, garantindo a alimentação de outros povos.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo15/5/242:27



Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/11/2001 - Página 29552