Discurso durante a 162ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem de pesar pelo falecimento do sindicalista Aldanir Carlos dos Santos, na cidade do Rio de Janeiro. Apreensão com as alterações propostas à Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT.

Autor
Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • Homenagem de pesar pelo falecimento do sindicalista Aldanir Carlos dos Santos, na cidade do Rio de Janeiro. Apreensão com as alterações propostas à Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT.
Publicação
Publicação no DSF de 27/11/2001 - Página 29559
Assunto
Outros > HOMENAGEM. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ALDANIR CARLOS DOS SANTOS, SINDICALISTA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DIRIGENTE, CENTRAL UNICA DOS TRABALHADORES (CUT), VITIMA, HOMICIDIO.
  • APREENSÃO, AUMENTO, VIOLENCIA, ZONA URBANA.
  • REGISTRO, OPOSIÇÃO, CENTRAL UNICA DOS TRABALHADORES (CUT), PROJETO DE LEI, INICIATIVA, GOVERNO FEDERAL, ALTERAÇÃO, CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT), REDUÇÃO, DIREITOS, TRABALHADOR, FLEXIBILIDADE, NEGOCIAÇÃO, PREJUIZO, ARRECADAÇÃO.
  • INEXATIDÃO, DECLARAÇÃO, GOVERNO, JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, ALEGAÇÕES, INCENTIVO, CRIAÇÃO, EMPREGO, MODERNIZAÇÃO, RELAÇÃO DE EMPREGO, REFORÇO, SINDICATO, PREJUIZO, DIREITOS E GARANTIAS TRABALHISTAS.
  • DEFESA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, EDIFICIO SEDE, CONGRESSO NACIONAL, INTERESSE, TRABALHADOR.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na quinta-feira passada, falei desta tribuna da situação do Estado do Rio de Janeiro. Comentei que, na Cidade do Rio de Janeiro, há problemas muito sérios e de toda ordem, como a falta de emprego - como ocorre em todo o Brasil -, de moradia e de transporte, além da violência. Nos últimos dias, em virtude da poluição da água, a população estava usando água mineral, porque não suportava beber água da Cedae. Além do mais, há a violência constante que atinge a população, principalmente à noite, nos sinais de trânsito, quando, muitas vezes, as pessoas são abordadas por marginais, que acabam, inclusive, assassinando os motoristas para tomar-lhes o veículo.

            Por infelicidade, no sábado último, mais um companheiro nosso foi assassinado de forma brutal e covarde. Falo do sindicalista, companheiro Aldanir Carlos dos Santos, que esteve conosco na Vila Kennedy na Zona Oeste, no Bairro do Bangu, num ato em homenagem à semana da Consciência Negra. Depois de se retirar do ato, dirigiu-se à sua casa e foi abordado por dois indivíduos que o assassinaram. O sindicalista de 39 anos de idade, casado, pai de dois filhos adolescentes, tem vida sindical destacada. É ativista dos direitos sociais, dirigente da Central Única dos Trabalhadores, Presidente do Sindicato da Sinergia no Rio de Janeiro e membro destacado do grupo anti-racismo da CUT.

            Tudo nos leva a crer que esse crime tenha conotações políticas, mas o fato é que o companheiro foi mais uma vítima da violência que se abate sobre o nosso País, principalmente sobre as grandes cidades brasileiras.

            Conversando com o sindicalista sábado à noite, pouco antes de ele ser assassinado , mencionei o Projeto de Lei n.º 5.483, que o Governo encaminhou ao Congresso Nacional, o qual trata da revogação do art. 618 da CLT. Ele disse-me que organizaria uma caravana de trabalhadores a Brasília, a fim de dialogar com os Parlamentares e pressioná-los, a fim de que não votassem a favor do projeto oriundo do Poder Executivo, que propõe a revogação do art. 618 da CLT.

            O Projeto de Lei n.º 5.483, de 2001, em tramitação na Câmara em caráter de urgência, submete o legislado ao negociado e tem como objetivo principal reduzir o patrimônio jurídico do trabalhador estritamente ao que está disposto na Constituição Federal. Na verdade, seu intento principal é a revogação do art. 618 da CLT. Isso significa que a CLT será ignorada quando os dispositivos que a compõem não estiverem explicitados em convenção ou acordo coletivo. Em suma, é mais um golpe que o Presidente Fernando Henrique Cardoso tenta dar na classe trabalhadora.

            Para o Governo Federal o Direito do Trabalho estaria resumido aos “direitos mínimos” do trabalhador. Considerando-se que parte significativa dos direitos trabalhistas constitucionais não estão regulamentados e, por essa razão, ainda não têm eficácia plena, esses “direitos mínimos” são bem menos significativos do que parecem, o que revela estudo da Assessoria Técnica da Bancada do PT na Câmara, o qual utilizaremos a seguir.

            O art. 7º da Constituição Federal, que dispõe sobre os direitos sociais, garantiria, hoje, independente de lei, apenas:

-     princípio da irredutibilidade do salário, inciso VI;

-     a jornada máxima de trabalho de 44 horas semanais e de seis horas em turnos ininterruptos, inciso XIII e XIV;

-     descanso semanal remunerado, inciso XV;

-     a remuneração da hora extra em, no mínimo, 50% da hora normal, inciso XVI;

-     as férias anuais acompanhadas de abono no valor de um terço, inciso XVII;

-     aviso prévio de 30 dias, inciso XXI;

-     ajuizamento da ação judicial, inciso XXIX;

-     a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil, inciso XXX;

-     proibição de discriminação salarial e contratual para o portador de deficiência, inciso XXXI;

-     proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual, inciso XXXII;

-     proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos, inciso XXXIII;

-     e igualdade entre empregado e trabalhador avulso, inciso XXXIV.

-     Para os trabalhadores domésticos, dos direitos acima valem apenas o princípio da irredutibilidade do salário, inciso VI; o de descanso semanal remunerado, inciso XV; as férias anuais acompanhadas de abono no valor de um terço, (XVII); e o aviso prévio de 30 dias, (XXI).

            Outros direitos constitucionais dependem da lei para terem eficácia e, por essa razão, suas condições de eficácia estariam em risco na nova regra proposta pelo Governo Federal. São eles:

-     proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, inciso I;

-     FGTS, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, inciso III;

-     piso salarial, inciso V;

-     13º salário, inciso VIII;

-     remuneração de trabalho noturno superior à do diurno, inciso IX;

-     proteção do salário, inciso X;

-     participação nos lucros, inciso XI;

-     salário-família, inciso XII;

-     remuneração da hora extra superior a 50% do valor da hora normal, inciso XVI;

-     abono de férias superior a 1/3 do valor do salário, inciso XVII;

-     licença à gestante;

-     licença-paternidade;

-     proteção do mercado de trabalho da mulher;

-     aviso-prévio proporcional;

-     adicionais de remuneração para atividades penosas, insalubres ou periculosas; e

-     proteção em face da automação.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aprovado o projeto do Governo Federal, o depósito do FGTS, que hoje é de 8% ao mês, poderá ser reduzido para 0,5%, por exemplo, se assim for acordado em negociação coletiva.

            Também pelo projeto o 13º salário, sempre pago no final do ano, poderia ser fragmentado e repartido em 12 parcelas mensais, o que definharia o seu significado e valor. O mesmo poderia ocorrer com as férias, se assim determinasse a convenção ou o acordo coletivo de trabalho. Enfim, caso patrões e empregados resolvessem seguir a sugestão do Ministro Francisco Dornelles, além dos direitos previstos na convenção ou no acordo coletivo, os “direitos mínimos” poderiam estar reduzidos a: aviso prévio de 30 dias; férias anuais ou abono de 1/3; remuneração da hora-extra a 50% da hora normal; descanso semanal remunerado; jornada de 44 horas semanais. Quanto às condições de pagamento do 13º salário, do FGTS, dos adicionais noturno, de insalubridade, de periculosidade e de penosidade, restaria uma absoluta indefinição.

            A proposta do Governo Federal excepciona a CLT e as normas trabalhistas em geral, o que afronta o disposto no caput do art. 7º da Constituição Federal que diz: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social (...).” Pelo projeto do Governo, faz o mesmo não só com a CLT, mas com a lei que trata do FGTS e outras tantas que regulamentam os direitos trabalhistas, sejam eles relacionados na Constituição ou não.

            A redução e a extinção de direitos trabalhistas, incluindo aqueles regularmente previstos em leis, caracterizam-se como precarização do trabalho. Tal como as mudanças promovidas na legislação desde 1995, esse projeto abre a possibilidade para a legalização de uma relação de trabalho absolutamente mal remunerada, desde que prevista em negociação coletiva.

            E sobre o suposto fortalecimento das entidades sindicais e do instituto da negociação com a adoção da proposta do Governo, alardeado pelo Ministro do Trabalho e Emprego, temos a observar o seguinte:

1)     O PL em questão configura-se como mais uma interferência do Poder Público nas negociações sindicais;

2)     cabem aos próprios sindicatos exercer a autonomia e a liberdade sindicais;

3)     o contexto das relações de trabalho caracteriza-se pela desestruturação do mercado de trabalho, com a prática contínua de medidas precarizantes como a terceirização;

4)     é público e notório que o Governo Federal não defende a livre negociação sindical. Como exemplo, podemos lembrar os petroleiros, em 1995, e os servidores públicos federais, nos últimos 7 anos.

            Ao dispor que o contratado coletivamente se sobreponha ao legislado, a proposta impõe interesses privados localizados sobre interesses públicos. Isso porque, ao criar regras para um contrato com direitos reduzidos, abre a possibilidade não só de a remuneração ser menor, como também as contribuições legais. E com isso, recursos deixam de ser recolhidos aos cofres públicos. O INSS, por exemplo, certamente arrecadará menos, tal como o próprio FGTS, que financia políticas públicas nas áreas de saneamento e habitação popular.

            Enfim, o projeto de lei não apenas ofende a Constituição, mas também se caracteriza como injurídico por ser incoerente com os princípios do Direito do Trabalho que predominam no ordenamento jurídico nacional, além de trazer prejuízo aos cofres públicos.

            Como se vê, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a proposta do Poder Executivo afetará diretamente a vida de milhões de brasileiros e brasileiras. Com ele, os direitos trabalhistas, inclusive aqueles previstos na Constituição, poderão ser sumariamente sacrificados.

            Além disso, podem ser revogados direitos e princípios básicos, como a proibição de alteração unilateral no contrato de trabalho (art. 468 da CLT), o contrato de trabalho por tempo indeterminado (art. 443 da CLT), as licenças justificadas do trabalhador ao serviço (art. 473 da CLT) e a assinatura na carteira de trabalho (art. 29 da CLT), dentre outros.

            Devemos ainda denunciar ao povo brasileiro o cinismo do Governo, segundo o qual o projeto é fundamental para a geração de emprego, a modernização das relações de trabalho e o fortalecimento dos sindicatos. Mas está claro que o Governo vende gato por lebre com o objetivo de desonerar o capital, em detrimento, mais uma vez, de direitos e garantias da classe trabalhadora. Por isso mesmo, os trabalhadores em todo o País se mobilizam contra esse projeto.

            Por último, Sr. Presidente, lembrando os fatos lamentáveis da última semana, em que foi montado pesado esquema de segurança de modo a manter o povo afastado das dependências do Congresso, quero dizer que é justo que a classe trabalhadora pressione os Parlamentares contra uma proposta que de tal maneira afeta a sua vida. Aliás, não me consta que a Câmara ou o Senado tenham feito barreiras para impedir a entrada de grandes lobistas do capital financeiro, dos grandes empresários e latifundiários que aqui estão todos os dias defendendo seus interesses. Aqui é a Casa do lobby. Os lobistas chegam à vontade, sentam nas salas dos Senadores, tomam café e andam por qualquer lugar, mas os trabalhadores ficam impedidos de entrar aqui. É preciso nossa intervenção, porque senão eles vão ser expulsos e até espancados.

            São esses absurdos que estou cobrando da tribuna. Afinal, se o Governo e a base governista no Congresso têm convicção de que estão do lado dos trabalhadores, não há o que temer.

            Muito obrigado.


            Modelo112/1/241:35



Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/11/2001 - Página 29559