Discurso durante a 162ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários à matéria publicada no jornal Folha de S.Paulo, edição de 16 de novembro, sobre a composição dos remédios comercializados pelos três maiores laboratórios do País e ao estudo intitulado "Medindo as desigualdades em saúde no Brasil: uma proposta de monitoramento".

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Comentários à matéria publicada no jornal Folha de S.Paulo, edição de 16 de novembro, sobre a composição dos remédios comercializados pelos três maiores laboratórios do País e ao estudo intitulado "Medindo as desigualdades em saúde no Brasil: uma proposta de monitoramento".
Publicação
Publicação no DSF de 27/11/2001 - Página 29587
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ASSUNTO, FISCALIZAÇÃO, AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA (ANVISA), IRREGULARIDADE, COMPOSIÇÃO, MEDICAMENTOS.
  • COMENTARIO, PESQUISA, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), ANALISE, DESIGUALDADE SOCIAL, SAUDE, BRASIL, AVALIAÇÃO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), REGISTRO, DADOS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, uma notícia publicada nos jornais dos últimos dias obrigou-me a incluí-la no tema de meu discurso de hoje. Não falaria desse assunto. Mas não posso me furtar e deixar de mencioná-lo. Primeiro, porque estarei centrado na mesma área, que é saúde. Segundo, porque a gravidade dos fatos divulgados torna obrigatória a discussão do assunto nesta Casa.

            Ouçam o que vou ler aos Senhores, que é a íntegra da chamada de primeira página da matéria publicada na Folha de S. Paulo de 16 de novembro de 2001.

      "A Agência Nacional de Vigilância Sanitária descobriu que 45% dos remédios dos três maiores laboratórios do país possuem composição diferente da autorizada pelo órgão.

      Em alguns casos, as discrepâncias detectadas nos exames podem resultar em sérios problemas à saúde dos consumidores. Os efeitos colaterais podem variar de hipertiroidismo e asma a sintomas menos perigosos como taquicardia, náuseas e vômitos."

            Vejam bem, o cidadão que necessita de atendimento de saúde vai ao médico, recebe a prescrição, dirige-se à farmácia, compra o medicamento indicado pelo médico e cai na doce ilusão de que vai resolver, ou ao menos minorar, seu problema de saúde. Mal sabe ele que está se expondo a ter mais problemas, devido aos efeitos colaterais de remédios que são verdadeiros engodos à fé pública e à prática comercial lícita e decente.

            Os casos considerados menos graves são comunicados às empresas para imediata correção. Quando detecta um caso mais sério, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária cancela sumariamente o registro da droga.

            Bem, Srªs. e Srs. Senadores, essa é a notícia que chamou minha atenção e que mereceu ser incorporada ao meu pronunciamento de hoje, dada a gravidade do acontecido. Feito tal registro, passo, a partir de agora, a tratar do tema que me trouxe a esta tribuna.

            Recebi - e devo confessar que li com muito gosto - um estudo que trata das desigualdades em saúde de nosso País. Intitula-se Medindo as desigualdades em saúde no Brasil: uma proposta de monitoramento. Seus autores são: André Nunes, James Richard Silva Santos, Rita Barradas Barata e Solon Magalhães Vianna. A publicação resultou de uma parceria entre a Organização Pan-Americana da Saúde - OPAS, Escritório Regional da Organização Mundial da Saúde - OPAS/OMS e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA.

            A pesquisa divulgada no livro citado foi desenvolvida no IPEA com, pelo menos, três grandes objetivos. Primeiro, desenvolver metodologia de monitoramento das desigualdades em saúde em diferentes dimensões e categorias de análise. Segundo, avaliar a evolução dessas desigualdades nos primeiros dez anos do processo de construção do Sistema Único de Saúde. Terceiro, estimular a realização de estudos similares nas esferas estaduais e municipais de governo.

            Trata-se de um trabalho alentado que traça - em mais de 220 páginas e quase uma centena de gráficos, tabelas e quadros - o perfil da desigualdade social em saúde. Faz mais do que isso, contudo, como se pôde verificar em seus objetivos. Apresenta uma metodologia adequada para se conhecer, mensurar e monitorar a eqüidade em saúde no País, mediante a construção de indicadores e de medidas de desigualdade.

            É preciso notar que o desenvolvimento de metodologias dessa natureza ficou, até pouco tempo, restrito a alguns grupos acadêmicos, o que, de certa forma, dificultava o acesso de gestores do sistema de saúde a um conhecimento mais objetivo da área em nosso País. Ora, a aferição quantitativa e qualitativa dos dados é um instrumento de capital importância para os gestores da área pública, envolvidos permanentemente com o estabelecimento de agendas de prioridades e com o estudo dos impactos das políticas adotadas.

            Portanto, além de apresentar o produto de uma análise, o estudo em questão apresenta também uma metodologia de aferição, capaz de monitorar de forma objetiva os efeitos distributivos das políticas públicas.

            O trabalho focaliza as desigualdades em seis dimensões. Vou tentar trazer, de forma bastante sumária, o resultado da análise de cada uma dessas dimensões, para que tenhamos, ao menos, uma idéia da diversidade dos parâmetros envolvidos na pesquisa.

            Uma das dimensões é a Oferta de Recursos Humanos e Capacidade Instalada. É, particularmente, na oferta de médicos que vamos encontrar as maiores desigualdades. A região Norte, por exemplo, tem seis vezes menos médicos que o Sudeste. Lembremos que os números são referentes ao ano de 1999. E o pior, é que a evolução temporal do indicador demonstra que ele não vem se reduzindo. Ao contrário, vem aumentando. Em 1990, essa relação estava em 3,7 vezes. Quanto à oferta de leitos, o estudo mostra que, entre 1992 e 1999, a taxa (por mil habitantes) caiu 17,5% no País como um todo, refletindo uma tendência que vem ocorrendo no mundo em geral, com a substituição de procedimentos antes realizados sob internação, por alternativas ambulatoriais de igual eficácia e menor custo.

            Passemos a outro parâmetro de análise, Acesso e Utilização dos Serviços. De acordo com a análise publicada, dezenove Estados apresentam cobertura hospitalar, ou seja, número de internações por 100 habitantes, acima da média nacional; oito estão abaixo dessa média. Essa variação tem pouco a ver com nível de desenvolvimento socioeconômico, já que acima da média estão Estados como Rio Grande do Sul e Alagoas, enquanto abaixo estão tanto São Paulo e Rio de Janeiro quanto Amapá e Rondônia. Esse fato está mais ligado a dois outros fatores, quais sejam: maior parte da população tornando-se usuária de planos e seguros de saúde e maior utilização e incorporação de outras modalidades de atendimento. É possível notar que as desigualdades entre os Estados diminuíram consideravelmente no caso das internações, mas ainda se mantêm presentes para as consultas. Os dados levam a perceber que a implantação do SUS tem contribuído para a redução nas desigualdades de acesso a serviços de saúde, enquanto o consumo de outras modalidades de assistência, mais vinculadas a renda, continuam, por isso, extremamente desiguais.

            Vamos a outra dimensão, o Financiamento. No âmbito federal, os autores da publicação reconhecem que a política alocativa do Ministério da Saúde ainda não alcançou o patamar necessário para tornar o sistema público mais eqüitativo. Assim, o financiamento federal sofre ainda muita influência da oferta, privilegiando Estados mais desenvolvidos em detrimento dos mais pobres. Mesmo assim, as desigualdades diminuíram entre 1989 e 1999, passando de 0,84 para 0,14. O gasto familiar, em todas as classes de renda, em valores absolutos, também diminuiu, o que alguns estudiosos atribuem ao "efeito SUS", ou seja, os usuários de menor renda estariam gastando menos com saúde do que antes da criação do Sistema.

            Outro parâmetro é a Qualidade da Atenção, que apresentou uma evolução positiva, na melhora no percentual de taxas de óbitos mal definidos nas regiões Norte e Nordeste. No entanto, iniqüidades ainda persistem em índices como câncer de mama e de colo de útero e cobertura pré-natal, com indicadores desfavoráveis às regiões Norte e Nordeste.

            No parâmetro Situação de Saúde, foram considerados indicadores como esperança de vida, taxa de mortalidade infantil, taxa de homicídio. A esperança de vida da população masculina brasileira varia de 59 anos em Alagoas a 67 anos no Rio Grande do Sul, com média de 64 anos. A média feminina é superior, ficando em torno de 72 anos. A taxa de mortalidade infantil no Brasil tem apresentado redução, embora mantenha diferenciais importantes entre os Estados. A região Nordeste é a mais afetada pelas altas taxas. A saúde dos adultos também é bastante desigual. Há déficits significativos nas regiões Norte, Centro-Oeste e Norte. Para que essa última região tenha taxa igual à média nacional, seria necessário evitar 22% das mortes que ocorrem antes dos 60 anos de idade.

            E chegamos ao último parâmetro, Saúde e Condições de Vida. Os indicadores envolvidos, como escolaridade e renda, tiveram, de modo geral, evolução favorável na última década, embora continuem altos em todas as unidades da Federação e muito ruins em Estados como Piauí, Maranhão e Alagoas. Nos Estados onde a população com menos de quatro anos de escolaridade é menor, também o são as taxas de óbitos por causas mal definidas. A taxa de pobreza, isto é, proporção de pessoas com renda familiar per capita de até meio salário mínimo, varia de 10% em São Paulo a 64% no Maranhão. Para que ocorresse um aumento de 5% na cobertura do pré-natal, seria necessária uma redução de 10% na taxa de pobreza. Para atingir a média nacional, a região Norte precisaria reduzir a taxa de pobreza em 21,4%; a região Nordeste, em 83,8%.

            Bem, Sr. Presidente, termino por aqui o que propus fazer de forma sumária, apresentando alguns resultados da análise empreendida pelos autores do livro Medindo as Desigualdades em Saúde no Brasil. Se não o fiz de forma sumária, creditem o acréscimo de tempo que tomei dos que me ouviram à riqueza do material contido no livro e ao entusiasmo que sempre me acomete quando trato das questões ligadas à saúde no Brasil.

            Minhas últimas palavras são de cumprimento caloroso aos quatro autores da obra referida - volto a repetir seus nomes: André Nunes, James Richard Silva Santos, Rita Barradas Barata e Solon Magalhães Vianna -, bem como aos parceiros que deram viabilidade a tão exitosa empreitada, a OPAS, a OMS e o IPEA. A todos, meus sinceros parabéns!

            Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.


            Modelo18/16/245:25



Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/11/2001 - Página 29587