Discurso durante a 163ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a prática de contigenciamento de recursos orçamentários e a necessidade de transformação da Lei Orçamentária em imperativa.

Autor
Freitas Neto (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PI)
Nome completo: Antonio de Almendra Freitas Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ORÇAMENTO.:
  • Considerações sobre a prática de contigenciamento de recursos orçamentários e a necessidade de transformação da Lei Orçamentária em imperativa.
Publicação
Publicação no DSF de 28/11/2001 - Página 29617
Assunto
Outros > ORÇAMENTO.
Indexação
  • AVALIAÇÃO, PREJUIZO, DEMOCRACIA, CONFLITO, LEGISLATIVO, EXECUTIVO, DESCUMPRIMENTO, ORÇAMENTO, REGISTRO, AUSENCIA, CONCLUSÃO, OBRA PUBLICA, HOSPITAL ESCOLA, UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUI (UFPI).
  • APOIO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, OBRIGATORIEDADE, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. FREITAS NETO (Bloco/PSDB - PI. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a todo final de ano, a mesma cena se repete. Desencadeia-se um jogo florentino de pressões e contrapressões para liberação de dotações orçamentárias, opondo Executivo e Legislativo. Trata-se de uma esgrima exótica, existente em poucos países do mundo. Sua lógica costuma fugir à compreensão da opinião pública, com prejuízos graves para a imagem das instituições republicanas.

            O processo de elaboração orçamentária costuma ser complexo em todos os países. Nos países democráticos, essa complexidade se acentua, uma vez que sempre se fará necessário algum tipo de negociação. Nada há a estranhar. A função original das Constituições, como se sabe, é autorizar receitas e disciplinar despesas.

            No caso brasileiro, ocorre algo de paradoxal. A guerra em torno do Orçamento ultrapassa o período de sua elaboração. Não seria exagero dizermos que a mais difícil e mais importante negociação ocorre muito após a conclusão do Orçamento e sua promulgação pelo Presidente da República.

            Observe-se o que ocorre nos Estados Unidos. Como aqui, há uma negociação dura em torno das dotações orçamentárias, entrando em jogo as aspirações regionais, doutrinárias, partidárias, normais de se encontrar nos parlamentos. O Executivo, igualmente como aqui, também participa de forma intensa dos debates em torno da arrecadação e distribuição de recursos.

            Uma vez concluída a peça orçamentária, porém, sua execução está definida na prática. Os recursos são liberados para as finalidades previstas de forma quase automática. Pode haver, eventualmente, discussões a respeito de cronogramas, mas se trata apenas de questões adjetivas. Inexiste, em períodos de normalidade, a hipótese de se descumprir uma disposição do Orçamento.

            Aqui se dá o contrário. Conclui-se o Orçamento e começa a encrenca. Com a figura do contingenciamento, algo que, na maioria dos países, existe apenas em momentos de crises gravíssimas, a verdadeira luta por verbas públicas se dá quando mais adiantada deveria estar a execução orçamentária. Ao se aproximar o final do exercício, começam as bancadas e partidos a lutar por aquilo que deveria ocorrer automaticamente: a aplicação dos recursos já definidos, autorizados e integrados em uma lei devidamente sancionada.

            Isso se deve a uma grave distorção da Constituição brasileira de 1988, que manteve o Orçamento como uma lei autorizativa, não como uma lei imperativa. É uma distorção que atinge a própria legitimidade do processo orçamentário. O Poder Executivo não é obrigado a liberar os recursos previstos na lei orçamentária. Arbitrariamente, deixa de fazê-lo ou não.

            Quando o Governo anuncia que vai contingenciar o Orçamento, na prática, está dizendo que um conjunto de despesas, embora previsto para ser realizado, será ignorado. Trata-se de uma prerrogativa estranha ao direito da maior parte das democracias.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, posso dar um exemplo do que significa essa prerrogativa. O Piauí é um dos poucos Estados a não contar com hospital universitário federal. As obras do hospital da Universidade Federal do Piauí começaram anos atrás. Poderiam estar concluídas, pois anualmente a Bancada do Estado consegue incluir no Orçamento Geral da União os recursos necessários para isso. No último Orçamento - que está em vigor neste ano de 2001 -, as verbas chegam a R$10 milhões, montante que, por si só, bastaria para terminar os trabalhos e concluir o hospital universitário.

            Entretanto, a liberação desses recursos é sistematicamente vedada ou ocorre de forma apenas parcial. Extingue-se o exercício orçamentário, as verbas não são aplicadas e fica tudo como está. A prejudicada, além da instituição universitária, é a população carente, que receberia atendimento especializado no hospital universitário.

            Já está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, desde o início deste ano, proposta de emenda constitucional de iniciativa do então Senador Antonio Carlos Magalhães que procura transformar o orçamento em lei imperativa, como ocorre nas grandes democracias. Nos termos dessa proposta de emenda, a programação constante da lei orçamentária anual passa a ser de execução obrigatória, salvo se aprovada, pelo Congresso Nacional, solicitação de iniciativa exclusiva do Presidente da República para cancelamento ou contingenciamento, total ou parcial, de dotação.

            Certa vez, disse-me o Presidente Fernando Henrique Cardoso que apóia a idéia de um Orçamento imperativo, desde que cumprida a condição essencial de que a receita contida na peça final do Orçamento seja também real e não superestimada, como pode ocorrer hoje. Na verdade, trata-se de um aperfeiçoamento, impedindo-se a manipulação dos dados da arrecadação, o que arriscaria transformar a previsão de receita numa peça de ficção. Podemos, portanto, proceder a essa dupla correção.

            Quem ganha com isso não é o Legislativo, nem o Executivo. São as instituições republicanas. O Estado será mais eficaz. Pouparemos o esforço absurdo de buscar o chamado descontingenciamento, desgastante luta de todo final de ano. E não teremos necessidade de explicar à opinião pública que essa aparente briga por recursos constitui apenas a execução de um Orçamento previamente definido por quem tem representatividade popular.

            Obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo112/2/2412:03



Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/11/2001 - Página 29617