Discurso durante a 165ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Avaliação do Plano Real, destacando o excessivo lucro dos bancos privados. Críticas ao Presidente da República pela crise relacionada à greve dos professores universitários.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Avaliação do Plano Real, destacando o excessivo lucro dos bancos privados. Críticas ao Presidente da República pela crise relacionada à greve dos professores universitários.
Publicação
Publicação no DSF de 30/11/2001 - Página 29874
Assunto
Outros > BANCOS. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, EFEITO, PLANO DE GOVERNO, REAL, APRESENTAÇÃO, DADOS, AUMENTO, LUCRO, BANCOS, AMPLIAÇÃO, JUROS, PREJUIZO, ECONOMIA NACIONAL, POLITICA SOCIAL.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, SUBSIDIOS, INCENTIVO, EMPRESARIO, AUMENTO, TRIBUTOS, RESULTADO, DESEMPREGO, CRISE, ECONOMIA.
  • CRITICA, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DE SERGIPE (SE), ANTECIPAÇÃO, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), RESULTADO, FECHAMENTO, EMPRESA, REDUÇÃO, ARRECADAÇÃO, AUMENTO, DESEMPREGO.
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, COMPARAÇÃO, PROFESSOR, INSUCESSO, PROFISSÃO, CIENTISTA.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, DEMORA, SOLUÇÃO, GREVE, FUNCIONARIO PUBLICO, UNIVERSIDADE FEDERAL, PREJUIZO, ESTUDANTE, EXAME VESTIBULAR, PESQUISA TECNOLOGICA.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a propaganda oficial, como a preparar, desde sempre, o terreno à campanha eleitoral visando à Presidência da República, a ocorrer no próximo ano, aprecia trombetear como principal conquista da atual administração o controle da inflação, de há muito esperado. O Plano Real é assim apresentado como uma espécie de nova Lei Áurea, que teria libertado os brasileiros, sobretudo os de renda baixa, da escravidão à insegurança econômica, resultante da rápida evaporação do dinheiro de seus bolsos tão logo recebiam seus salários ao final de cada mês.

Antes obrigado a acompanhar a sucessão de padrões monetários voláteis que não resolviam o caos da alta generalizada dos preços, o povo brasileiro teria agora a segurança de saber quanto valem as cédulas e moedas - conquanto minguadas - que tem em seu bolso. Mais ainda, apresenta-se, na propaganda, o Plano Real como grande redistribuidor de renda, ou, pelo menos, como o início concreto de encaminhamento da solução deste que é o maior problema social do Brasil: a desigualdade. Nesse campo, o Brasil é o campeão.

A espiral inflacionária foi realmente detida - mérito do Plano Real que ninguém contesta. Porém, os custos dessa freada nem sempre são devidamente examinados ou divulgados.

Se, de fato, a corrosão dos ganhos dos assalariados pela inflação foi contida ou mais ou menos contida, e se as instituições financeiras deixaram de ter, com o fim da correção monetária, uma fonte inesgotável de ganhos sem esforço, a verdade é que o Plano Real nada mudou em termos da distribuição da renda nacional. E aqui abro um parêntese para dizer que a correção monetária acabou apenas para alguns setores: para os financiamentos rurais, por exemplo, de 1995 até 1998, o que prevaleceu foi a correção denominada TJLP.

Pois bem, se houve transferência de renda, ela se deu dos setores produtivos em direção ao setor financeiro, aos bancos, de acordo com reportagens e mais reportagens publicadas pela imprensa nacional, inclusive comentários das jornalistas Vera Batista, Sônia Araripe e Kátia Aluane, do Jornal do Brasil, em reportagem publicada no dia 21 de novembro.

Não se trata, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, de divulgação de repórteres de oposição à cata de escândalos ou fofocas. Nada disso: a conclusão é de um estudo feito especialmente para o tradicional diário carioca, o Jornal do Brasil, pela insuspeita empresa de consultoria de balanços Austin Asis. Segundo seu relatório, os grandes bancos teriam acumulado, na era FHC, uma montanha de lucros que monta a R$21 bilhões, o equivalente à receita tributária de um ano da União, aí incluída a Contribuição dita Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF).

V. Exªs poderiam pensar ser esse lucro proveniente da atividade de empréstimos ao setor produtivo, função precípua dos bancos, mas, se pensassem assim, estariam redondamente enganados. Em sua maior parte, esse lucro veio das operações cambiais e do abatimento do imposto de renda dos custos com a compra dos bancos falidos, facilitada pelo Governo. Ou seja, ganharam com especulação pura e simples, sem contribuir em nada para a economia real, para a produção ou para o bem-estar da população.

Esses R$21 bilhões lucrados pelos grandes bancos constituem, segundo o relatório da Austin Asis, um crescimento de 313% de dezembro de 1994 a dezembro de 2000. Quer dizer, o lucro das instituições financeiras mais que quadruplicou, ao passo que a economia nacional, medida pelo Produto Interno Bruto, andou a passo de cágado. Mais grave ainda, aquilo que parecia impossível: os dados preliminares referentes a 2001 indicam que este deverá ser, para os bancos, o melhor ano do Governo FHC, com resultados ainda mais favoráveis.

Para se ter uma idéia do absurdo a que chegamos, basta dizer que o anúncio do lucro líquido do Banco do Brasil, ao longo dos nove primeiros meses deste ano, provocou comentários irônicos de pessoas ligadas aos grandes bancos privados. Isso porque o lucro de R$750 milhões do banco oficial, embora reconhecido como excepcional em relação ao patrimônio líquido da empresa, segundo os padrões internacionais, foi nada menos que três vezes menor que o do Itaú ou do Bradesco, os maiores bancos privados nacionais.

Até mesmo uma comentarista como Míriam Leitão, em geral muito compreensiva com a política econômica do Governo, em seu comentário na manhã de quarta-feira, na rádio CBN, disse que esses lucros são exorbitantes e demonstram uma distorção grave da economia nacional.

Sr. Presidente, gostaria de finalizar este pronunciamento com a imagem concreta do que se poderia fazer com os R$21 bilhões empossados pelos donos dos 30 maiores bancos privados do País, favorecidos pela política econômica do Senhor Fernando Henrique Cardoso e do Sr. Pedro Malan, Ministro da Fazenda. Pelos cálculos da Consultoria Austin Asis, mais de um milhão de casas populares poderiam ser construídas, retirando da condição de sem-teto algo como cinco milhões e duzentos mil brasileiros, o equivalente à população de um Estado como Santa Catarina.

Há casas que não foram construídas, como sabemos, apesar de a propaganda pintar um retrato de uma administração voltada para as questões sociais. Resta ainda a curiosidade da constatação de que esse lucro é igual à soma dos recursos empregados pelo Governo para socorrer os bancos falidos, pelo famigerado Proer.

Sr. Presidente, de forma breve, gostaria de falar sobre o término da greve dos professores, após acordo feito entre o Governo e a classe do magistério das universidades federais do Brasil.

Para conceder um aumento de 13%, o Governo demorou 100 dias, mesmo sabendo que a falta de negociação implicaria em prejuízo irreparável para os universitários, para as escolas de segundo grau mantidas pelo Poder Público Federal, enfim, para o ensino de um modo geral. A demora na solução do problema chegou ao ponto de prejudicar o próprio vestibular e a pesquisa universitária, tão necessária e imprescindível no momento em que o Brasil disputa um lugar no mercado internacional, colocando produtos confiáveis, que possam competir em condições de igualdade com o que é produzido pelas nações desenvolvidas.

Enquanto o nosso País retira subsídios, prejudicando a geração de emprego e renda dos nossos trabalhadores, e impõe taxas absurdas de juros sobre os nossos pequenos e microempresários e a famigerada TJLP - Taxa de Juros de Longo Prazo -, que é um assalto ao bolso do pequeno e do médio trabalhador brasileiro que quer produzir, mas não encontra estímulo por parte do Governo, os países desenvolvidos apoiam cada vez mais seus empresários com subsídios e outros incentivos.

Sr. Presidente, também é sabido que alguns Estados, por mais absurdo que pareça, em uma época de crise como a que estamos vivendo, estão antecipando pelo menos 30% do ICMS, um valor astronômico para alguém que abre uma loja e adquire uma determinada mercadoria para depois revendê-la. Antes de a mercadoria chegar à loja, o Governo já cobra 30% de ICMS. Isso está acontecendo em Sergipe e em vários outros Estados brasileiros.

Por causa dessa apropriação do Governo do Estado de Sergipe, do Governo Albano Franco, na fronteira entre a Bahia e Sergipe, na cidade de Tobias Barreto, perdemos 70 empresas, o que significa perda de arrecadação, já que as empresas deixam de existir, e desemprego generalizado em um Município como o de Tobias Barreto, tão pobre, tão carente de mão-de-obra, que se vê prejudicado porque o Governo insiste em fazer a cobrança antecipada do ICMS, causando insatisfação e revolta não só naquele Município, mas em todo o Estado de Sergipe.

Conheço vários empresários de Aracaju que estão se instalando em Alagoas, onde não há antecipação do ICMS, e na Bahia, onde são oferecidos benefícios aos empresários, como, por exemplo, a diminuição da alíquota do ICMS na medida em que mais empregos são gerados. Enquanto isso, no Estado de Sergipe, há um desejo voraz de aumento da arrecadação, gerando desemprego e uma quebradeira generalizada das empresas do nosso Estado.

Mas, voltando ao assunto da greve dos professores, gostaria de falar sobre a infeliz citação do Presidente da República Fernando Henrique Cardoso a respeito dos professores, referindo-se, no seu pronunciamento feito anteontem e publicado nos jornais de ontem, a uma palestra feita nos Estados Unidos, quando Sua Excelência era considerado um socialista vitorioso e revolucionário, que estava em pleno exílio voluntário. Sua Excelência havia dito no seu pronunciamento que aqueles que se dedicavam à ciência na universidade ou em qualquer ramo de atividade, quando não podiam produzir nada, dedicavam-se à carreira de professor.

Veja que infelicidade, Sr. Presidente. Se um homem que foi professor durante grande parte de sua vida - inclusive, saiu do Brasil espontaneamente, tendo ido morar no Chile e lá se tornado professor universitário - refere-se aos professores de forma tão depreciativa é porque se considera um homem não produtivo, o que penso ser verdade. O Senhor Fernando Henrique Cardoso vive em aviões, é bom de discurso, bom de papo, bom de blablablá, como poucos nascidos neste País. Talvez, Jânio Quadros e Collor tenham sido bons nesse aspecto, mas o atual Presidente da República bateu todos os recordes de blablablá, de fala mansa, impressionando, com sua fala, até os franceses. Sua Excelência recebeu homenagens que nenhum Presidente da República jamais recebeu na França.

            O nosso Presidente da República diz que quem não produz tem que ser professor. Há quem produza mais do que o professor? Se estou falando aqui, estou produzindo algo. Se apresento projetos ou protestos desta tribuna, estou produzindo algo para este País. E quem me ensinou? O professor. Se concluí o curso de Direito no Estado de Sergipe e fui Governador do Estado - é lógico que devo muito ao esforço dos meus pais, Pedro Valadares e Dona Caçula, e ao meu próprio esforço -, devo isso aos professores. Se não fossem os professores, eu teria me formado? Se eles não estivessem produzindo na universidade, como eu poderia ter recebido o diploma de advogado? Isso só foi possível graças aos professores.

Portanto, venho a esta tribuna dizer ao Presidente da República, um homem cordial e bem-educado, que não faça mais isso com os professores, porque eles não merecem. Inclusive, se fala isso, Sua Excelência está desmerecendo sua própria classe. Que classe desunida! Suponhamos que eu dissesse nesta Casa que alguém que não quisesse fazer nada deveria ser Senador da República. Com que incoerência eu me estaria portando! Eu estaria atingindo a minha própria Casa, o Senado Federal. Pelo contrário, quem quiser produzir para o povo brasileiro venha para o Senado Federal! Elogio a Casa a que pertenço, porque sei o valor que têm os Senadores para este País.

Ontem mesmo, foi votada uma medida provisória de autoria do Presidente da República. O Senado Federal portou-se com a maior dignidade e com espírito de visão social. Praticamente seria proibido o fundo de aval para os pequenos e microempresários. Doceiras, costureiras e agricultores seriam prejudicados pela medida provisória segundo a qual o Governo aplicaria R$100 milhões no setor e, ao mesmo tempo, proibiria o acesso ao financiamento dos pequenos e microempresários de todo o Brasil, inclusive do campo. Se não fosse o Senado Federal, essa medida provisória não valeria nada para o pequeno empresariado nacional. Esse é um exemplo do que o Senado Federal produz. O Senado Federal trabalha.

Os universitários sabem o valor do professor. Tenho certeza de que o Presidente Fernando Henrique Cardoso cometeu um equívoco ao fazer tal declaração. Mas um homem que exerce o cargo de Presidente da República não pode cometer tal tipo de equívoco, de erro, de injustiça, fazendo acusações indevidas a uma classe que tanto contribui para o desenvolvimento do nosso País. Aliás, se os brasileiros ouvissem o que dizem os professores, o Brasil seria muito diferente e estaria produzindo muito mais para a sua gente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/11/2001 - Página 29874