Discurso durante a 165ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a devastação dos manguezais no Nordeste. Empenho do Ibama no combate à pesca predatória de crustáceos.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Preocupação com a devastação dos manguezais no Nordeste. Empenho do Ibama no combate à pesca predatória de crustáceos.
Publicação
Publicação no DSF de 30/11/2001 - Página 29881
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • ELOGIO, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), LEVANTAMENTO, DESTRUIÇÃO, MANGUE, REGIÃO NORDESTE, PUNIÇÃO, EMPRESA MULTINACIONAL, DESCUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, MEIO AMBIENTE, CRIAÇÃO, CAMARÃO.
  • NECESSIDADE, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), RESISTENCIA, LOBBY, CONTINUAÇÃO, FISCALIZAÇÃO, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL, CRIAÇÃO, CAMARÃO, DESTRUIÇÃO, MANGUE, BENEFICIO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE.
  • ELOGIO, PRODUTOR RURAL, ESTADO DO PARA (PA), INSTALAÇÃO, RESERVA EXTRATIVISTA, CRIAÇÃO, CAMARÃO, RESPEITO, LEGISLAÇÃO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT -AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - São apenas esses, Sr. Presidente. Não se iluda.

Sr. Presidente, eu havia falado anteriormente, desta tribuna, a respeito de um problema que vem sendo motivo de preocupação dos extrativistas, pescadores, ambientalistas e, sobretudo, daquelas pessoas que pensam, estrategicamente, como devem ser utilizados os nossos recursos naturais, principalmente os que têm repercussão relevante tanto do ponto de vista ambiental quanto do ponto de vista social.

Refiro-me aos manguezais do Nordeste do nosso País, que, lamentavelmente, vêm sendo devastados e têm sido motivo de preocupação, tanto de minha parte quanto da do Deputado Luiz Alberto, do PT da Bahia.

Eu havia me pronunciado contra a intensa devastação que se vem dando sobre o que resta dos manguezais no litoral nordestino e o seu dramático efeito sobre as comunidades extrativistas tradicionais ali instaladas secularmente.

Nos últimos dois anos, temos recebido e encaminhado às autoridades competentes inúmeras denúncias provenientes especialmente da Bahia e do Rio Grande do Norte com referência à expansão desordenada e predatória da carcinicultura em áreas de manguezal -- denúncias essas sempre associadas à negligência e à conivência dos agentes locais de proteção ambiental.

Cheguei a tratar desse assunto por intermédio de minha assessoria e também pessoalmente, em audiência com o Presidente do Ibama, Dr. Hamilton Casara. Em todas as oportunidades, o Dr. Casara nos recebeu, ouviu-nos com atenção e comprometeu-se a tomar providências.

Felizmente, desta vez, Sr. Presidente, quero usar esta tribuna para registrar e louvar a atuação do Ibama e o desempenho da sua equipe técnica em Brasília, que foi pelo Dr. Casara designada para efetuar um levantamento da situação em toda a Região Nordeste, a começar pelo Rio Grande do Norte - principal produtor nacional de camarões.

Os resultados preliminares desse levantamento surpreendem os técnicos enviados de Brasília pelas grandes dimensões de áreas degradadas, bem como no que se refere aos indícios de irregularidades de ordem político-administrativa envolvendo a gerência local do Ibama, setores do governo estadual e grandes empresas asiáticas de produção e exportação de camarão. Como se não bastasse o fato de as empresas asiáticas operarem na Amazônia com altíssimo grau de devastação para os nossos recursos florestais, essas empresas agora operam também nos manguezais, com a criação de camarão, por meio da carcinicultura.

Na avaliação da equipe, as extensões de áreas devastadas são de tal ordem e tão grande o número de viveiros de camarões instalados no manguezal potiguar que serão necessários pelo menos quatro meses de trabalho contínuo para que se quantifique basicamente esse problema no Rio Grande do Norte.

Até o momento, no entanto, dezenas de autos de infração já foram lavrados e estão sendo punidos empreendedores que não respeitam o embargo impetrado pela autoridade ambiental competente. Aqueles que pleiteiam licenciamento para novos projetos estão sendo orientados para se estabelecerem em áreas fora dos manguezais. A equipe do Ibama, com sede em Brasília, utiliza helicóptero disponibilizado especialmente para essa operação e conta com o apoio de policiais federais.

Nos últimos dias, todos os grandes veículos de comunicação do Estado dedicam diariamente grandes espaços para noticiar o que hoje se chama de megaoperação do Ibama no Rio Grande do Norte. Louvamos que a sociedade potiguar possa ter esse tipo de notícia positiva num espaço onde até bem recentemente se denunciavam omissão e negligência dos órgãos ambientais competentes. Nesse aspecto, aliás, segundo a equipe do Dr. Casara, destaque-se especialmente o empenho e a dedicação exemplares dos diversos técnicos do Ibama em Natal, independentemente das críticas que fazem à sua gerência local.

Sabemos, inclusive, que uma operação dessa ordem esbarrará na resistência de grupos instalados na estrutura local de poder econômico e político, que têm-se beneficiado dos grandes negócios com a produção de camarões em viveiros nos nossos manguezais.

Abro aqui um parêntese para dizer que não temos nenhuma resistência ou preconceito em relação aos investidores e empreendedores que querem instalar negócios que possam ser rentáveis do ponto de vista de suas atividades produtivas. No entanto, não podemos ceder a nenhum tipo de pressão, de qualquer segmento, se esses empreendimentos não estiverem de acordo com aquilo que deva ser praticado e que está estabelecido na legislação ambiental do nosso País.

Lamentavelmente, esses grupos de pressão, tanto do ponto de vista político quanto do dos empreendedores, têm agido de forma a inibir a ação da autoridade competente quando esta está no cumprimento de suas atribuições, qual seja, a de fazer cumprir a lei que aprovamos nesta Casa e no Congresso Nacional no que diz respeito aos crimes ambientais. De sorte que reconheço o esforço que o Ministério do Meio Ambiente, por intermédio do Ibama, está realizando. E, ao mesmo tempo, quero admoestar a todos os Parlamentares e ao próprio Presidente da República que não podemos ceder a pressões de investidores ou de políticos ligados a esses investidores que querem extrapolar o que está na nossa legislação ambiental e fazer os seus investimentos sem a observância da lei. Todo e qualquer investimento deve ser feito com o cumprimento daquilo que prescreve a Constituição de 1988 e a Lei dos Crimes Ambientais, de que temos que analisar a repercussão da atividade produtiva em cima de ecossistemas frágeis, como é o caso dos manguezais.

Portanto, neste momento, é de fundamental importância que se garanta a continuidade dos procedimentos adotados pelo Dr. Casara, e que esse conjunto de medidas possa se dar também em toda a extensão de nosso litoral - tendo em vista frear a devastação pela carcinicultura desordenada, substituindo-a, quando for o caso, por reservas extrativistas marinhas junto às comunidades extrativistas tradicionalmente instaladas nas áreas de manguezal.

No domingo passado, por exemplo, a pequena comunidade de Encarnação, no litoral da Bahia, reuniu-se durante todo o dia para discutir estratégias de defesa de seus mangues e a opção de desenvolvimento sustentável por via da criação de uma reserva extrativista marinha. Para tanto, contou com a participação de técnicos do Ministério Público, de organizações socioambientalistas e alguns apoiadores políticos.

Há outros eventos se realizando em outros pontos do litoral brasileiro, sempre apontando para as mesmas aspirações. No próximo dia 6 de dezembro estarão simultaneamente se realizando uma audiência pública na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte e um seminário em Santo Amaro, na Bahia. Ambos os eventos discutem caminhos não predatórios para a carcinicultura no País e outras possibilidades de desenvolvimento sustentável a partir da grande diversidade biológica dos nossos biomas costeiros.

Hoje, pela manhã, fomos informados que acaba de ser criada, pelo Conselho Nacional de Populações Tradicionais (CNPT/Ibama), mais uma reserva extrativista marinha em área de manguezal, desta vez no litoral do Pará (a primeira Resex marinha em manguezal fica num trecho de litoral do Maranhão e do Piauí).

Nesta primeira fase da Resex marinha paraense, estão diretamente envolvidas mais de 500 famílias, que integram as dez comunidades de pescadores distribuídas numa área de quase 28 mil hectares do litoral paraense - num projeto modelar de desenvolvimento sustentável e proteção ambiental, baseado no extrativismo marinho diversificado em litoral amazônico.

Certamente a carcinicultura é muito bem-vinda à economia nacional - e aos Estados nordestinos em particular. Como são bem-vindos o espírito empreendedor, a objetividade e a obstinação realizadora dos carcinicultores brasileiros. Seguramente, os últimos quinze anos da experiência com a carcinicultura no litoral brasileiro, associados à observação dos resultados obtidos em outros países que se aventuraram nessa atividade antes de nós e à evolução técnico-científica, produziram valioso acúmulo capaz de orientar uma produção camaroneira não predatória e ainda mais lucrativa em nosso País - uma carcinicultura que poderá gerar benefícios ambientais e sociais em lugar do que hoje são drásticos prejuízos, tanto do ponto de vista social quanto do ambiental e, agora, também político.

Quero, aqui, fazer um reconhecimento, portanto, a todos que estão sensíveis e empenhados nessa luta em defesa de uma relação mais saudável com nossos recursos naturais, em favor do desenvolvimento ambientalmente equilibrado, economicamente sustentável e socialmente justo.

Mais uma vez, reconheço o trabalho da equipe do Ibama, por intermédio da pessoa do Dr. Casara. Tão logo o colocamos a par dessa problemática, ele se comprometeu a fazer um levantamento, a atuar de acordo com o que prescreve a legislação ambiental do País, e, sobretudo, com o espírito do diálogo e da negociação com todos aqueles segmentos que, de boa-fé, estão querendo fazer os seus empreendimentos, sem que esses venham a acontecer em prejuízo desse ecossistema tão importante para as nossas áreas marinhas e, sobretudo, para as populações tradicionais, que vivem da pesca do camarão, de mariscos e outros que fazem parte de sua economia local.

De sorte, Sr. Presidente, que faço um apelo, porque tenho conhecimento de que muitas são as pressões, porque interesses estão sendo contrariados, mas gostaria que pensássemos essa operação que o Ibama está realizando numa perspectiva de longo prazo, para que essa atividade não venha a comprometer, pela avidez do lucro, pela visão imediatista, não estratégica, aqueles recursos naturais que podem ser manejados por milhares e milhares de anos.

Parabenizo a ação de mobilização realizada pelas entidades ambientalistas, pelos pescadores artesanais, por todas as pessoas que me passaram as informações e entraram em contato comigo. Para algumas dessas regiões, mandei pessoas da minha assessoria. Parabenizo também os políticos locais, que, de boa-fé, estão agindo para dar uma solução para essa problemática; e o Ministério Público, que tem atuado de forma exemplar.

Enfim, alerto as autoridades competentes para que não tenhamos de ceder a nenhum tipo de pressão em função do envolvimento de grandes investimentos que estão sendo realizados, sobretudo por empresas asiáticas, que têm um poder de pressão muito grande na Amazônia e, com certeza, vão querer usar o mesmo poder de pressão em relação aos nossos manguezais.

Mas tenho absoluta certeza de que a sociedade brasileira, da mesma forma que tem acompanhado com interesse a problemática do desflorestamento na Amazônia, na Mata Atlântica, no cerrado e assim por diante, também irá agir à altura daquilo que necessita a preservação dos nossos manguezais.

Faço este registro, Sr. Presidente, porque, claro, embora não tenha nenhuma participação mais efetiva na realidade do Nordeste, compreendo que esse ecossistema deve ser preservado e respeitado, sobretudo as populações tradicionais que vivem da pesca do camarão e de outras espécies. Uma das alternativas é a criação de reservas extrativistas marinhas, a exemplo do que fazemos com as reservas extrativistas em algumas regiões da Amazônia, quer na floresta, quer em alguns lagos, manejados por pescadores, com altíssimo grau de resposta tanto do ponto de vista econômico quanto social e ambiental.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/11/2001 - Página 29881