Pronunciamento de Carlos Patrocínio em 29/11/2001
Discurso durante a 165ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Preocupação com os riscos da clonagem de seres humanos.
- Autor
- Carlos Patrocínio (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/TO)
- Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
- Preocupação com os riscos da clonagem de seres humanos.
- Aparteantes
- Leomar Quintanilha.
- Publicação
- Publicação no DSF de 30/11/2001 - Página 29908
- Assunto
- Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
- Indexação
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- MANIFESTAÇÃO, DISCORDANCIA, CLONE, REPRODUÇÃO HUMANA, NECESSIDADE, ATENÇÃO, APREENSÃO, RISCOS, UTILIZAÇÃO, PROCESSO, VALOR TERAPEUTICO, INSUFICIENCIA, CONHECIMENTO, GENETICA, BIOTECNOLOGIA, RELEVANCIA, GARANTIA, ETICA, PRESERVAÇÃO, DIGNIDADE, VIDA HUMANA, DESENVOLVIMENTO, MEDICINA.
- CITAÇÃO, OPINIÃO, MARCO ANTONIO ZAGO, DIRETOR, CENTRO DE PESQUISA, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), DESNECESSIDADE, EXECUÇÃO, CLONE, IMPORTANCIA, DEBATE, ASSUNTO.
O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PTB - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo a tribuna do Senado Federal para tratar da clonagem humana, um dos mais graves assuntos da atualidade em todo o mundo e que preocupa não apenas nós, que temos responsabilidade política, mas, igualmente, todos os que têm consciência da importância da vida humana, em seus aspectos físico, mental, espiritual, moral e ético.
Após a clonagem da ovelha Dolly, surgiu uma onda de exibicionismo e de falsa ciência, em que pesquisadores que dispõem de determinados conhecimentos técnicos estão tentando reproduzir em seres humanos as experiências que foram realizadas com animais, desprezando os aspectos éticos e morais inerentes à pessoa humana.
Em 1998, pesquisadores da Advanced Cell Technology (ACT) anunciaram o desenvolvimento de um embrião híbrido de homem e vaca, uma espécie de “Minotauro de proveta”. Em seguida, a mesma empresa clonou um boi selvagem da Índia, o gauro, que nasceu selvagem e morreu com apenas dois dias de vida, vítima de uma infecção.
Posteriormente, um pesquisador italiano e um cipriota radicado nos Estados Unidos anunciaram a clonagem de um bebê para o próximo ano. O Dr. Severino Antinori tem anunciado para no máximo até dezembro do ano que vem a clonagem de um bebê.
A grande surpresa surgiu neste dia 25 de novembro de 2001, o acontecimento que mais chamou a atenção do mundo após os atentados terroristas de 11 de setembro.
O mundo despertou neste 25 de novembro, assustado com a notícia de que uma pequena empresa norte-americana de biotecnologia, a mesma Advanced Cell Technology, teria clonado o primeiro embrião humano e criado embriões por meio de partenogênese.
Conforme anunciado pela empresa, o objetivo desses processos é a chamada clonagem terapêutica: a obtenção de células-tronco embrionárias para a cura de doenças, o que acabaria com a necessidade de realização de transplantes de órgãos e possibilitando a cura de doenças graves como a paralisia, Mal de Parkinson, Mal de Alzheimer, diabetes, cardiopatias, entre outras.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como médico, cidadão e político, desejo deixar aqui de maneira bem clara a minha posição contrária à clonagem humana para fins reprodutivos e reafirmar minha posição de extrema cautela, mesmo em relação aos processos da chamada clonagem terapêutica, em decorrência dos enormes riscos envolvidos nesses processos e do pouco conhecimento que a ciência ainda tem em relação à genética e à biotecnologia.
O Sr. Leomar Quintanilha (PFL - TO) - Senador Carlos Patrocínio, V. Exª me permite um aparte?
O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PTB - TO) - Com muita honra, eminente Senador Leomar Quintanilha, concedo o aparte a V. Exª.
O Sr. Leomar Quintanilha (PFL - TO) - Senador Carlos Patrocínio, a preocupação que V. Exª expressa nas considerações que traz a esta Casa, nesta manhã, reflete uma discussão que toma conta não só da comunidade científica ou dos segmentos interessados no Brasil, mas, fora do Brasil, diversos países já discutem à larga a questão da clonagem humana. Aliás, isso não é novo. Há cerca de dois anos, já preocupados com o aprofundamento dessa discussão, realizamos, com o patrocínio da Comissão de Assuntos Sociais do Senado, um seminário que se propunha a discutir, não só sob o aspecto científico, mas sob o aspecto ético e moral, a questão da clonagem e do transgênico. Na verdade, o seminário teve uma forte conotação e uma derivação de forma mais acentuada para o transgênico, que parecia ser, à época, o assunto mais momentoso e mais interessante, deixando, num plano secundário, a questão da clonagem humana, que, agora, aflora com muita força, sendo discutida principalmente pela comunidade científica. Verificamos que vários laboratórios no mundo inteiro já revelam o interesse e até o desenvolvimento de ações com vistas à clonagem de seres humanos. Realmente é extremamente preocupante. Há uma lei nacional da biossegurança que trata da matéria. Sou Relator de um projeto de autoria do eminente Senador Sebastião Rocha sobre essa questão, que traduz seguramente a preocupação desta Casa, como a preocupação que V. Exª traz agora e a preocupação também do País, hoje refletida na manifestação de diversas autoridades, no mundo inteiro, inclusive do Presidente George Bush, manifestando-se contrário ao apoio e ao desenvolvimento da clonagem de seres humanos. Portanto, o pronunciamento de V. Exª seguramente ampliará e enriquecerá a discussão levantada pelo eminente Senador em projeto que já tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Solidarizo-me, portanto, com V. Exª, pois preocupa-me muito também a questão e, como V. Exª, posiciono-me contrário à clonagem de seres humanos.
O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PTB - TO) - Agradeço a participação de V. Exª. A minha convicção, eminente Senador Leomar Quintanilha, sempre foi essa. V. Exª, que tem defendido pontos de vista importantes, jamais poderia ter uma opinião diversa sobre o assunto. V. Exª conduziu muito bem o seminário sobre transgênicos, ocasião em que foi efetivamente abordado o tema de clonagem humana. Comungo com a preocupação de V. Exª e incorporo suas sábias observações ao meu pronunciamento.
Como médico, Sr. Presidente, jamais poderia defender o obscurantismo nem defender uma posição contra o desenvolvimento da ciência e da medicina. No entanto, jamais admitiria separar a ética da medicina, pois a medicina é uma ciência e uma atividade eminentemente ética.
A dignidade da pessoa humana deve ser o objetivo da medicina; não se pode considerar o ser humano como um simples objeto das pesquisas médica e científica.
A pessoa humana não pode ter sua dignidade rebaixada, passando à condição de experimento de laboratório. Os homens não são cobaias nem podem perder sua prerrogativa de seres criados por Deus à sua imagem e semelhança.
Precisamos ser muito cuidadosos em relação à clonagem humana, pois nesse processo estão envolvidos muitos interesses, como o direito de propriedade de processos e patentes.
Assim como os grandes laboratórios farmacêuticos, muitas empresas de biotecnologia estão preocupadas, antes de tudo, em obter grandes lucros com suas pesquisas e, na perseguição desses lucros, os princípios éticos muitas vezes são desprezados e até mesmo negados.
Não há como deixar de considerar a possibilidade de fraude e de má utilização desses processos que envolvem a vida humana e podem ser manipulados na obtenção de grandes lucros, na produção de medicamentos de elevado valor, assim como na garantia de muita publicidade para cientistas e pesquisadores, preocupados em obter recursos para pesquisas e outras vantagens pessoais, nem sempre legítimas e éticas.
Ainda sabemos muito pouco sobre os detalhes, os pormenores científicos desses experimentos.
Sabemos, sim, que a clonagem humana é proibida na Inglaterra e que a Câmara dos Deputados dos Estados Unidos também proibiu qualquer desses procedimentos, seja para fins reprodutivos, seja para fins terapêuticos.
Provavelmente, a empresa Advanced Cell Technology (ACT) tenha se aproveitado de uma situação legal dúbia, pois o Senado norte-americano ainda não deliberou sobre o projeto, já aprovado na Câmara, proibindo a clonagem humana.
Não tenho dúvidas de que fazer cópias de pessoas humanas é algo terrível, perigoso e repugnante, pois não existe o determinismo genético na formação de um ser humano.
A clonagem humana apresenta o risco de criação de seres humanos com graves deformações, com doenças incuráveis, para não falarmos da possibilidade do surgimento de aberrações e monstros, em decorrência desse tipo de experimento condenável.
O Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, já divulgou uma nota condenando essa experiência, afirmando que “a clonagem humana é moralmente indefensável e cientificamente pouco sólida”. Ainda bem que o Presidente dos Estados Unidos está posicionando-se frontalmente contra a clonagem de seres humanos porque sabemos da influência desse senhor nas decisões do mundo todo.
O líder da maioria democrata no Senado americano, Senador Tom Daschle, afirmou que “esses embriões são fruto de uma experiência grotesca”.
Todos nós, que exercemos responsabilidade política, temos o compromisso e o desejo de salvar vidas humanas e desejamos extirpar doenças degenerativas e outras formas graves de enfermidades.
No entanto, não podemos aceitar o desenvolvimento da medicina em detrimento da ética e da dignidade da pessoa humana, condenando o indivíduo a mero objeto de experiências de laboratório.
Queremos, sim, o desenvolvimento da ciência, da medicina, da tecnologia, com respeito aos valores da pessoa humana, em que o lucro não seja o objetivo do processo, em que a vida humana seja a principal meta.
Gostaria aqui de citar a opinião do Diretor do Centro de Terapia Celular da Universidade de São Paulo - USP, professor Marco Antônio Zago, publicada no jornal O Globo on line, do dia 26 de novembro corrente:
A notícia não me entusiasma; acho essa experiência sensacionalista. Do ponto de vista ético, é certamente, discutível, uma vez, que a prática ainda não foi suficientemente debatida. Por outro lado, para fazer experiências com células-tronco, pode-se usar linhas celulares embrionárias já existentes, não é necessário clonar. Até porque ainda há muitas etapas a serem concluídas antes do uso terapêutico. Parece-me apenas uma forma de as empresas garantirem patentes. Há outras atividades mais importantes e úteis para a Humanidade. “
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é grande a minha preocupação pessoal com assunto de tanta relevância para todos os seres humanos.
Meu compromisso de vida, como médico - compromisso pessoal e moral que implica a defesa intransigente da vida de todo ser humano - me obriga a não me omitir, a não me calar neste momento tão importante da história da humanidade.
Gostaria de aqui relembrar as sábias palavras do Cardeal Dom Lucas Moreira Neves:
É forte o risco de se deixar em mãos de homens o dom da vida, que só a Deus pertence...Uma proeza científica deve ser proporcional ao bem que faz à humanidade. Não deve medir-se pelos simples capricho do cientista.
Solicito a todos os eminentes Membros desta Casa do Congresso nacional que reflitam, com profundidade, sobre a clonagem humana. O assunto é tão grave quanto à produção de bombas, armas químicas e bacteriológicas, podendo afetar e até comprometer o progresso e o futuro da humanidade.
Portanto, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, antes de qualquer legislação nesse sentido, acredito que o mundo todo, toda a comunidade científica mundial, deve reunir-se e debruçar-se sobre os aspectos que envolvem a clonagem humana, levando em consideração todos os setores interessados, de maneira especial a Igreja - pois o Sumo Pontífice, Papa João Paulo II, já posicionou-se - para que essa matéria possa ser, algum dia, autorizada em algum país.
É necessário, portanto, a reunião de toda a comunidade científica internacional.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.
Muito obrigado.