Discurso durante a 165ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Saudações ao centenário de nascimento da escritora Cecília Meireles. (como lider)

Autor
Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Saudações ao centenário de nascimento da escritora Cecília Meireles. (como lider)
Publicação
Publicação no DSF de 30/11/2001 - Página 29918
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, CECILIA MEIRELES, ESCRITOR, POETA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ELOGIO, IMPORTANCIA, OBRA LITERARIA.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, transcorre neste mês de novembro, o centenário de nascimento da grande poetisa brasileira Cecília Meireles.

Em nome do Governo brasileiro saúdo, da tribuna do Senado, esse centenário.

Cecília Meireles não está a ter o seu centenário talvez reconhecido e comemorado relativamente à importância da sua obra.

Ela nasceu no dia 7 de novembro de 1901, no Rio de Janeiro.

Seus pais eram açorianos.

A avó, D. Jacinta, que a criou, cantou-lhe os cânticos que embalaram uma infância feliz e que a prepararam, ao mesmo tempo, para as dificuldades de uma vida com muitas perdas, perdas compensadas pela qualidade da veia poética.

Cecília Meireles dizia sobre a sua própria infância:

Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que, apesar de parecerem negativas, foram positivas para mim: o silêncio e a solidão. A infância sempre foi a área mágica da minha vida. Área em que os caleidoscópios inventavam fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelavam o segredo dos seus mecanismos, e as bonecas o jogo do seu olhar.

Isso se justifica porque Cecília Meireles nasceu já depois da morte do pai. Não conheceu o pai e perdeu a mãe aos três anos. Portanto, perdeu os pais antes dos três anos de idade, o que lhe criou, ao mesmo tempo que uma infância solitária, o caldo de cultura e de sentimento que só a morte precoce de pai e mãe cria em muitos daqueles que depois se dedicam às formas artísticas.

Ela dizia, no poema Motivo, “Eu canto porque o instante existe/ e a minha vida está completa/ não sou alegre, nem triste - sou poeta”.

Completou os estudos primários em 1910. Recebeu, naquela ocasião, de Olavo Bilac, uma pequena medalha dourada, que guardou por toda a vida. Foi uma aluna distinguida.

Formou-se professora em 1917. Concluiu o magistério e ingressou no conservatório de música. Ela sempre sonhou escrever uma ópera; embora fosse poetisa, faria o libreto e a música.

Nessa época, mocinha, casou-se com um pintor e artista plástico português chamado Fernando Correia Dias. Desse casamento, nasceram três filhas: Maria Matilde, Maria Elvira e Maria Fernanda, sendo que a última é hoje uma atriz conhecida e consagrada do teatro brasileiro.

Maria Fernanda diz sobre a mãe, Cecília Meireles, o seguinte: Seu encontro com a poesia sempre esteve selado”.

Era coisa comum Cecília, enquanto trabalhava, escrevendo seus versos, ao corrigi-los avidamente, como cabe a quem escreve, jogar as folhas pela janela - janela de uma casa no Cosme Velho, onde, aliás, tive a oportunidade de conhecê-la em vida. Essas folhas que caíam da janela de Cecília era uma maneira que ela tinha de manter as filhas a brincar, porque elas aproveitavam as folhas para os seus desenhos, e, ao mesmo tempo, aperfeiçoar a sua poesia.

Maria Fernanda, portanto, lembra, com muita emoção, como filha, deste modo: “Era coisa comum que Cecília, enquanto trabalhasse, fizesse voar pela janela da biblioteca folhas de papel em branco - “confetes gigantes” para que nós, crianças, desenhássemos. Só assim lhe daríamos o sossego de que precisava para criar.”

Cecília foi jornalista. Entre os anos 30 e 60 - por 30 anos, portanto - escreveu mais de 1.200 artigos sobre educação, literatura e folclore para jornais como a Folha de S.Paulo, o Correio Paulistano e o Diário de Notícias.

Foi uma das mulheres pioneiras na defesa do voto feminino. Foi contra a ditadura de Getúlio Vargas, ao tempo da mesma, e defendeu, ao lado de Anísio Teixeira e outros mestres, a “escola nova” no Brasil.

Quem abriu o caminho para a entrada da mulher na Academia Brasileira de Letras foi Cecília, que nunca foi acadêmica - a esse tempo a Academia estava fechada. Mas foi a primeira mulher a receber um prêmio da Academia Brasileira de Letras pelo seu livro Viagem.

Em 1940, Cecília tem outro baque no sentido de perdas: o seu primeiro marido, angustiado e enfermo, comete o suicídio. Mais uma vez, Cecília - que, aliás, era uma mulher belíssima - sofre mais uma perda: o pai, antes de nascer; a mãe, com menos de três anos; e o marido por essa forma trágica de sair da vida, que é o suicídio.

No livro Viagem, ela fala:

feito para não ser feliz,

querendo sempre mais que a vida,

sem termo, limite, medida,

como poucas vezes se quis.

E assim Cecília, surgida para a literatura em 1922, trabalha na sua poesia, participa do Movimento Modernista sem ser completamente presa a ele. Ela constrói, como o Movimento Modernista desejava, versos livres, sim, mas mantém o intimismo da poesia. Eu diria que a poesia de Cecília é como uma harpa: sonora, cheia de transparências, em que a alma feminina, que já é rica exatamente em facetas e em transferências, ela se manifesta de uma maneira plena, esta sensibilidade especial da alma feminina.

Carlos Drummond de Andrade dizia de Cecília:

            Cecília, não é, por excelência, rotulável. Nem modernista, nem simbolista, nem intimista. Cecília é livre, é poeta. Seus versos tocam os limites da música abstrata. Ela é a própria poesia.

Manuel Bandeira dizia:

Poucas obras, como a de Cecília, podem ser consideradas como um claro enigma.

Como se sabe, este é o nome de um dos livros de Carlos Drummond de Andrade. Mas Bandeira acrescenta:

A autora dá impressão de explicar tudo, desfazendo os emaranhados dos sentidos, mas a música de seus versos tende para o translúcido que dissolve a nitidez dos contornos sugeridos pelas palavras dispostas em metros diversos ou em versos livres”.

Manuel Bandeira resumiu-a, brilhantemente. Diz de Cecília:

Ela é libérrima e exata.

Uma perfeita definição de poeta, aliás. Assim é Cecília Meireles.

O tempo e o final da sessão não me permitirão dizer tudo aquilo que, em nome do Governo brasileiro, eu desejaria nesta homenagem a Cecília Meireles.

Vou dar o restante da minha fala como lida, porque o tempo da sessão nos alcança. Desejo concluir esta homenagem a Cecília Meireles, lendo um de seus mais belos poemas, o poema “Retrato”, que tem tanto mais sentido e valor numa mulher que, ademais de grande beleza interior, em seus suaves olhos verdes, foi uma mulher lindíssima, ao longo da vida, padecendo, como toda mulher muito bela, todas as dores e dificuldades que a beleza ao lado de algumas alegrias sempre traz às mulheres.

            Vejam a delicadeza do poema “Retrato” e a questão existencial como releva, e assim concluo a minha fala. Gostaria de fazê-la maior, mais específica, porém, para efeito de publicação, estará em nosso Diário. Farei uma separata de um modo mais completo.

            Diz Cecília, no poema “Retrato”:

“Eu não tinha este rosto de hoje,

Assim calmo, assim triste, assim magro,

Nem estes olhos tão vazios,

Nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,

Tão paradas e frias e mortas;

Eu não tinha este coração

Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,

Tão simples, tão certa, tão fácil:

Em que espelho ficou perdida a minha face?”

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Agradeço às Srªs e aos Srs. Senadores pela atenção.

 

*****************************************************************************

DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ARTUR DA TÁVOLA EM SEU PRONUNCIAMENTO:

(A ser publicado na forma do art. 210 do Regimento Interno.)

*********************************************************************************

Senador ARTUR DA TÁVOLA

            CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE CECÍLIA MEIRELES

       A VIDA E A OBRA DA POETISA

     Homenagear Cecília Meireles neste novembro - centenário de seu nascimento - equivale a que brindemos à própria poesia - de que foi e é um verdadeiro símbolo. Mulher admirada por todos - endeusada por muitos, entendida por poucos - deixou-nos obras literárias esplêndidas, inclusive infantis.

     Suas palavras tinham verve, ritmo, cadência. Escrevia música em forma de poema - ou poesia em moldes musicais?

     As constantes perdas de entes queridos marcaram a vida dessa notável escritora desde a infância. Mas ninguém provou o sabor da eternidade e da não permanência com tanta intensidade quanto Cecília. Ninguém viveu tão profícua e intensamente a tragédia e a criação.

     Em 7 de novembro de 1901, os olhos verdes de Cecília Meireles abriram-se para o mundo. Nasceu no Rio de Janeiro. Filha de açorianos, nasceu órfã de pai e perdeu a mãe aos três anos de idade. Foi criada pela avó materna, D. Jacinta Benevides Garcia, também açoriana, da ilha de São Miguel.

     D. Jacinta cantava-lhe romances e ensinava-lhe parlendas - enquanto a pagem lhe contava histórias do Saci e da Mula-sem-cabeça que, ela, a pagem, dizia “conhecer pessoalmente”.

   Da própria Cecília sobre sua infância solitária e silenciosa:

            “Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que, apesar de parecerem negativas, foram positivas para mim: o silêncio e a solidão. A infância sempre foi a área mágica da minha vida. Área em que os caleidoscópios inventavam fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelavam o segredo dos seus mecanismos, e a bonecas o jogo do seu olhar.”

  Cecília Meireles, em Motivo, disse mais: “Eu canto porque o instante existe/ e a minha vida está completa/ não sou alegre, nem triste - sou poeta”.

     Em 1910, completou os estudos primários com distinção e louvor. E recebeu do poeta OLAVO BILAC, inspetor de ensino de sua escola, uma pequenina medalha dourada - uma espécie de amuleto - que teria consigo por toda a vida.

     Formou-se normalista em 1917, pelo Instituto de Educação do Rio de Janeiro, quando passou a dar aulas e a defender teses de conteúdo nitidamente pedagógico.

     Concluído o magistério, a futura poetisa ingressou no Conservatório de música do Rio de Janeiro. Sonhava escrever uma ópera sobre o Apóstolo São Paulo. A música, o canto e a literatura disputavam a vocação da adolescente, que, rapidamente se decidiu pela última.

     Casou-se - nessa época lecionava - com o pintor, artista plástico português, Fernando Correia Dias. Teve três filhas: Maria Matilde, Maria Elvira e Maria Fernanda.

     De Maria Fernanda sobre Cecília: “Seu encontro com a poesia sempre esteve selado.” “Era coisa comum que Cecília, enquanto trabalhasse, fizesse voar pela janela da biblioteca folhas de papel em branco - “confetes gigantes” para que nós, crianças, desenhássemos. Só assim lhe daríamos o sossego de que precisava para criar”.

     Jornalista, escreveu, entre as décadas de 30 e 60, mais de 1200 artigos sobre educação, literatura e folclore, para jornais como Folha de S. Paulo, Correio Paulistano, Diário de notícias. Combativa, participante, vanguardista, defendeu o direito ao voto feminino; atacou a ditadura de Getúlio Vargas; defendeu a chamada “escola nova” - democrática, sem divisão de sexo, raça, religião e classe, conforme era proposta por Anísio Teixeira.

     Em 1939, foi a primeira mulher a receber um prêmio da Academia Brasileira de Letras - pelo livro “Viagem”.

     Em 1940, outro desfalque na vida: seu marido, Fernando, doente e angustiado, cometeu suicídio. Maria Elvira teria dito: “ele era um ser humano maravilhoso. Mas, doente, atormentado, não suportou mais estar aqui”. 

     Todavia, o espírito da poetisa de lindos olhos verdes - Mário de Andrade costumava dizer que todos os mares e oceanos repousavam nos seus olhos - já estava calejado. Respondeu, com firmeza ao destino: viajou, naquele mesmo ano, para os Estados Unidos, para lecionar literatura brasileira e folclore na Universidade do Texas. Percorre a América Latina, a Europa e a Ásia. Na Índia, solidificou sua paixão pelos princípios de Gandhi. Lá, recebeu da Universidade de Nova Delhi o título de Doutor Honoris Causa.

CECÍLIA fala do coração - em “Viagem”:

“feito para não ser feliz,

querendo sempre mais que a vida,

sem termo, limite, medida,

como poucas vezes se quis”.

     Cecília Meireles tornou-se, sem dúvida, uma das maiores expressões poéticas da Literatura brasileira - tendo surgido para o universo literário em 1922, apresentada pelo grupo católico de escritores que, entre 1919 e 1927, defendia a renovação das nossas letras, baseada no equilíbrio e no pensamento filosófico. Estréia, então, Cecília, com “Espectros”. 

     Obras didáticas de excelência sobre o gênero catalogam-na - hesitantes - como egressa do simbolismo da década de 20, para o chamado modernismo heróico, em sua segunda fase, pós-guerra - nos anos posteriores a 1945. No entanto, a independência de Cecília enleva e confunde a todos - admiradores, estudiosos, críticos: não se queda totalmente ao modernismo. Embora passasse a construir - também - versos livres, neles mantém a lírica, o intimismo, e o ritmo do simbolismo e a influência da poética européia - mais nitidamente a portuguesa.

     Carlos Drummond de Andrade parecia ter razão quando dizia: “Cecília, não é, por excelência, rotulável. Nem modernista, nem simbolista, nem intimista. Cecília é livre, é poeta. Seus versos tocam os limites das música abstrata. Ela é a própria poesia”.

 Mário de Andrade, grande amigo de Cecília, com quem ela usualmente se correspondia, imputava-lhe um “sábio ecletismo” que, segundo ele, “fê-la preferir algumas vezes o verso livre, manejando-o, todavia, em consonância com a musicalidade, com o tom fundamental de fuga e de sonho que acompanha toda a sua lírica”.

     Manuel Bandeira, em depoimento a um jornal de época, teria dito que “poucas obras, como a de Cecília, podem ser consideradas como um claro enigma”.

     Bandeira disse mais: “A autora dá impressão de explicar tudo, desfazendo os emaranhados dos sentidos, mas a música de seus versos tende para o translúcido que dissolve a nitidez dos contornos sugeridos pelas palavras dispostas em metros diversos ou em versos livres. Manuel Bandeira resumiu-a, brilhantemente, como poeta: “É libérrima e exata”.

   Ainda, de Manuel Bandeira, para Cecília, em “Improviso”, no livro “Belo, Belo”:

“ Cecília, és tão forte e tão frágil. Como a onda ao termo da luta. Mas a onda é água que afoga: Tu, não, és enxuta”.

-     Vejamos um dos seus poemas preferidos por Manuel Bandeira, “A Bailarina”, em que Cecília, de fato, se mostra “libérrima e exata”:

-     Esta menina

tão pequenina

quer ser bailarina.

Não conhece nem dó nem ré,

Mas sabe ficar na ponta do pé.

Não conhece nem lá nem si,

Mas fecha os olhos e sorri.

........................................

Põe no cabelo uma estrela e um véu

E diz que caiu do céu.

Esta menina

Tão pequenina

Quer ser bailarina.

Mas, depois, esquece todas as danças,

E também quer dormir como as outras crianças.”

     Casou-se, em 2º matrimônio, com o engenheiro Heitor Grillo, que lhe foi companheiro até a passagem de Cecília para a outra dimensão.

     O acervo deixado pela escritora inclui muitas crônicas, inúmeras obras em verso e prosa, inclusive para crianças:

-     Em Versos: Espectros (1919); Nunca Mais e Poemas dos Poemas (1923); Baladas Para El-Rei (1925); Viagem (1939), Vaga Música (1942); Mar Absoluto (1945), Retrato Natural (1949); Amor em Leonoreta (1952); Doze Noturnos da Holanda e O Aeronauta (1952); Romanceiro da Inconfidência (1953); Pequeno Oratório de Santa Clara (1955); Pistóia (1955); Canções (1956); Romance de Santa Cecília (1957); Metal Rosicler (1960); Poemas Escritos na Índia (1961); Antologia Poética (1963); Solombra (1963); Ou Isto ou Aquilo (1965).

-     Em Prosa - Criança meu Amor (1929) - Notícia da Poesia Brasileira (1935); O Espírito Vitorioso (1949); Rui (1949); Problemas de Literatura Infantil (1951); Giroflê, Giroflá (1956); Panorama Folclórico dos Açores (1958); A Bíblia na Poesia Brasileira (1958);Escolha o seu Sonho (1966).

-     Criou a primeira biblioteca brasileira infantil no Rio de janeiro em 1929.

     CECÍLIA MEIRELES, conforme depoimentos daqueles que tiveram o privilégio de com ela conviver mais de perto, era tímida, doce, porém firme. Intensa e profunda. Por temperamento, era reclusa. Não ia a festas, não gostava de homenagens, sentia-se desconfortável quando recebia elogios, mas era generosa e sincera ao fazê-los. Viveu para a criação. “Parecia livre de necessidades e de tentações”.

“Todas as pessoas têm um quê de frágil e de mortal, Cecília Meireles, não. Havia, nos seus mais delicados gestos, uma firmeza, uma decisão, uma força que nunca houve quem visse ameaçada. Força de quem sempre escolheu viver num outro plano, força de quem nunca se esquivou àquele imperativo de renúncia que há na construção de uma obra, de modo que sua figura, bela e tranqüila, onde se espraiavam vagas ondas nuns olhos muito verdes, tinha a consistência de uma fortaleza” (sua amiga - profissional das letras e jornalista Marly de Oliveira).

A resposta de Cecília a essa apreciação, era de anos atrás:

            “RETRATO

Eu não tinha este rosto de hoje,

Assim calmo, assim triste, assim magro,

Nem estes olhos tão vazios,

Nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,

Tão paradas e frias e mortas;

Eu não tinha este coração

Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,

Tão simples, tão certa, tão fácil:

Em que espelho ficou perdida a minha face?”

    MORRE CECÍLIA MEIRELES aos 63 anos - em 09 de novembro de 1964, às 15 horas, no Rio de Janeiro, deixando uma das mais uniformes e delicadas obras poéticas do panorama brasileiro, traduzida em várias línguas, do italiano ao húngaro, do alemão ao hindu. Fecham-se os olhos verdes da literatura brasileira para o mundo. Foram-se abrir em outra dimensão.

      No hospital, no seu leito de morte, uma confissão, em forma de poesia:

             “Meus olhos não têm ilusão nenhuma. E, no entanto, possuo uma fé inexplicável na perfeição secreta da vida.”

  A ÚLTIMA CRÔNICA DE CECÍLIA MEIRELES, já em agonia, no hospital - Falava de um pássaro que tentava conversar com os outros, que não lhe davam atenção. Trecho inicial:

“Ah! Volto para o hospital. O navio já foi levado para o lugar adequado. Ao longe, a serra dos Órgãos, toda azul e o Dedo de Deus apontando para o céu. Que todos pensem nessas alturas para além das nuvens, dos planetas, das estrelas, para além do sol, para a vastidão que nós, modestos humanos, não sabemos como é, o que é, como devemos imaginar.”

 PERDEMOS CECÍLIA, mas ela própria, triste com a morte de Nerhu, escrevendo ao amigo Alphonsus Guimarães Filho, teria dito:

 “NÓS, POETAS, NÃO MORREMOS. CAÍMOS POR AÍ, COMO ANDORINHAS SUFOCADAS DE TANTO AMOR, DE TANTA DOR.”

 De fato, não morre quem, como Cecília Meireles, deixa aos quatro cantos do mundo um testamento literário tão valioso.

 Para os que ainda estão a desvendar a seara dos sonhos e da poética: convém encaminhá-los ao encontro da obra dessa grande escritora. Pois, para se gostar de Cecília, assim como dizia ela dos espelhos: basta que se fique olhando, mudo, sem piscar, uma gotinha d’água nascendo da testa do espelho (onde se mira você), descendo, devagar, devagar. “De tanto vagar” por essa superfície, que é você por inteiro - a gotinha forma um mar de prata. Quando ela chegar lá embaixo, uma pausa. “E a prata do espelho é tão esse seu rosto cansado”, que vai dar “vontade de chorar”. “E aí, você é dois”, e aí - digo eu- você vai gostar muito de Cecília Meireles, porque, junto ao seu rosto, o dela também estará lá.

 O Decreto nº 3.748/2001, do Presidente Fernando Henrique, normatiza que 2001 é o ANO DA LITERATURA BRASILEIRA. 

             Não desmerecendo as demais figuras ilustres do campo literário, por tudo que ela representa no mundo das letras, por todas as homenagens a essa grande poetisa que campeiam neste novembro, por todo o Brasil, somos tentados a considerar que este é, prioritariamente, o ANO DE CECÍLIA MEIRELES.

             Muito obrigado.

                   Era o que tinha a dizer.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/11/2001 - Página 29918