Discurso durante a 165ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações à intransigência do governo federal nas negociações com os docentes das universidades públicas.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL.:
  • Considerações à intransigência do governo federal nas negociações com os docentes das universidades públicas.
Publicação
Publicação no DSF de 30/11/2001 - Página 29928
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • CRITICA, FALTA, TOLERANCIA, GOVERNO FEDERAL, NEGOCIAÇÃO, PROFESSOR UNIVERSITARIO, MELHORIA, SALARIO.
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, PROFESSOR, UNIVERSIDADE FEDERAL, RECEBIMENTO, SALARIO BASE, INFERIORIDADE, SALARIO MINIMO.
  • ANALISE, CRITICA, POSIÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PAULO RENATO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), DESRESPEITO, CONDIÇÕES DE TRABALHO, CORPO DOCENTE, UNIVERSIDADE FEDERAL, REFERENCIA, SUPERIORIDADE, INFLAÇÃO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, DISCUSSÃO, LIMITAÇÃO, SALARIO, REDUÇÃO, DISPARIDADE, NATUREZA SALARIAL, AMBITO, EDUCAÇÃO.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, Senadora Marluce Pinto, quero trazer, em nome do meu Partido, o Partido Socialista Brasileiro, a minha preocupação com toda essa luta desenvolvida pelos docentes das universidades públicas brasileiras.

Manifesto minha alegria de ver que a greve está por terminar e que as aulas serão retomadas nas instituições públicas de ensino superior. Mas não posso deixar também de demonstrar a minha tristeza pela intransigência do Governo, pela posição irracional e irresponsável do Governo Fernando Henrique Cardoso.

Na verdade, os professores conseguiram muito pouco. E a minha grande preocupação reside no enorme sacrifício que vão ter que fazer, sacrifício esse que se estende a mais de quinhentos mil estudantes em todo o País: terão aula no período das férias e consecutivamente até o mês de julho do ano que vem, provavelmente. Isso representa sem dúvida custo e sacrifício para os estudantes e para as famílias que os mantêm fora de sua residência. É grande a quantidade de estudantes cujas famílias moram em cidades do interior e bancam sua estada nas capitais ou nas grandes cidades que têm universidades públicas de ensino superior. Os pais terão custo maior, porque mantiveram os filhos no período de greve e terão que mantê-los nas férias e ainda se privarão de maior convivência com seus filhos.

Diante de tanto esforço e luta dos professores brasileiros, o que eles conseguiram foi efetivamente muito pouco, quase nada, para falar a verdade. Tenho muito medo de que a pessoa que ganha pouco, que se sente injustiçada, que tem de trabalhar muito sinta-se desmotivada para o ensino, sem a força e a coragem necessárias num momento de enorme sacrifício como este.

Os professores não tiveram férias. Estavam mobilizados na luta para melhorar não apenas sua condição salarial, mas fundamentalmente para melhorar as condições do ensino público das nossas universidades, defendendo mais recursos para as universidades, a manutenção do PET e inúmeras causas do ensino público brasileiro.

No final das contas, o que eles conseguiram? Uma proposta muito mais racional e de desprendimento dos seus próprios interesses. Nessa vitória, o fundamental foi a maior distribuição dos recursos.

Os professores garantiram o fim da GID - Gratificação de Incentivo à Docência, criada para aqueles professores que, embora no mesmo nível de formação dos demais, ensinavam nas escolas técnicas e agrícolas públicas. Agora, todos passarão a receber a GED. Veja bem, Senador Eduardo Suplicy, o sacrifício dos professores. Eles pensaram muito mais no conjunto, em melhorar a situação daqueles que ganham menos do que no seu próprio interesse. A última proposta do Ministro da Educação oferecia aumento linear apenas sobre a GED, gratificação criada na greve de 1998.

Os professores foram tão desprendidos, que conseguiram uma proposta com nível de justiça social muito maior do que o aumento irracional e a proposta linear do Ministro Paulo Renato.

Dessa forma, congratulo-me com os professores brasileiros pela luta, mas lamento que tenham obtido tão pouco. O ganho de 13%, na verdade, Senadora Marluce Pinto, é um aumento sobre o principal, o salário-base, que é menos de um terço do total que o professor recebe.

É inacreditável - mas é bom que o povo brasileiro saiba - que existam, nas universidades públicas brasileiras, cerca de 4.500 professores que ganham como salário-base menos do que o salário mínimo. Eles recebem uma complementação para chegar ao miserável salário mínimo de R$180,00. É evidente que eles ganham as gratificações, mas têm como salário-base menos de um salário-mínimo. Praticamente 10% dos professores das universidades públicas brasileiras ganham menos de um salário-mínimo, o que deverá ser corrigido, agora, com esse aumento. Os 14% não incidirão sobre tudo que o professor ganha, apenas sobre seu salário-base, ou seja, no fim, o aumento será absolutamente inexpressivo, para um período de sete anos do Governo Fernando Henrique Cardoso, em que a inflação chegou a quase 90%. Os 14% valem, na verdade, 5% ou 6% .

Os professores, por seu desprendimento, merecem da sociedade brasileira a admiração, a compreensão. Esses 320 milhões que se vão acrescer às despesas das universidades servirão muito mais àqueles que ganham menos. Fez-se justiça aos professores que ensinam no nível médio, nas escolas técnicas e agrícolas; fez-se justiça aos aposentados dessas áreas, que não recebiam a gratificação e passarão a recebê-la. Quer dizer, os professores foram muito desprendidos porque buscaram fazer justiça aos que ganham menos nas universidades.

Quero lamentar as declarações do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o desprezo que demonstrou pelo professor, ao dizer que quando um cientista não consegue outra coisa importante vai ser professor e vai repetir aquilo que já foi criado, pensado e imaginado por outros. Não dá para imaginar que tal injustiça e incompreensão tenham saído da cabeça de um sociólogo, talvez de um sociólogo que chegou à Presidência da República muito mais vinculado às elites que exercem o poder no Brasil e fora dele do que à vida da população.

É preciso lembrar que o professor, mesmo repetindo um conhecimento já existente, mesmo não descobrindo nada, precisa ter a capacidade de se fazer compreender, de ser estimulador do desejo de aprendizado daqueles que, eventualmente, possam descobrir algo novo no Brasil e no mundo - e isso tem acontecido permanentemente. Mas o que seria dos cientistas, dos que descobrem, dos que avançam, dos que crescem, se não fossem os professores, que aprenderam aquilo que foi criado e têm que estar permanentemente repetindo para os alunos, tem que incentivá-los a estudar, fazê-los compreender. Se assim não fosse, não precisaria haver professores; bastaria entregar os livros, e cada um se viraria por conta própria. Para que o professor? Na avaliação de Fernando Henrique, o professor é um fracassado, alguém que não criou nada. Pelo que manifesta o sociólogo Fernando Henrique, o professor é a última das coisas.

Não adianta Sua Excelência querer, agora, desculpar-se, amenizar sua declaração, dizendo que se enquadra nela. Não, isso não resolve. Este, talvez, seja o seu real pensamento: de desprezo por aquele que dá a sua vida para fazer outros crescerem, melhorarem, criarem. A criação não está na possibilidade de todos, mas ser professor é uma missão absolutamente digna, que precisa ser prestigiada no nosso Brasil.

Para finalizar, devo dizer que talvez a razão de o Ministro Paulo Renato e o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso terem tratado essa greve com tanta dureza sejam os altos salários que recebem. Está na hora de o Presidente Fernando Henrique, juntamente com o Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, e o Presidente do Congresso Nacional, Senador Ramez Tebet, discutirem a questão do teto salarial.

Sabe V. Exª, Senador Suplicy, que o Ministro Paulo Renato, em vez de receber o salário de Ministro, de R$8 mil, preferiu optar por seu salário de professor universitário, que é de R$12 mil, ou seja, uma exceção à regra. S. Exª recebe mais do que nós, Senadores da República, e os Deputados Federais, e, pelo fato de ter sido reitor, recebe, permanentemente, uma gratificação, como os ex-Governadores e ex-Presidentes. Penso que é chegada a hora de se estabelecer o teto salarial neste País, de diminuir essa diferença tão astronômica entre os que ganham muito e os que continuam ganhando R$180,00.

Não nego que, dentro das universidades públicas brasileiras, há professores que ganham muito bem; tem procuradores de universidades, cargos extras e variados, que permitem que se ganhe muito mais do que um Ministro de Estado ou um Parlamentar Federal. Mas isso precisa ser corrigido. E os professores, com essa greve, conseguiram a redistribuição desse recurso; não houve um aumento linear e igual para todos, mas um aumento que atendeu o direito dos aposentados, dos professores que, embora universitários, estão ensinando no ensino médio. Enfim, foi uma greve com a qual se conseguiu justiça.

É lamentável, portanto, que o Presidente Fernando Henrique tenha manifestado desprezo pelo professor e pelo cidadão comum, porque, do modo como fala, cidadão só é o gênio, cidadão só é quem cresce, cidadão só é quem cria, e não quem dá a sua vida, quem quer ser uma pessoa normal, mesmo repetindo aquilo que já foi criado, mas dedicando a sua vida a uma causa nobre. Essa desastrosa declaração feita pelo Presidente Fernando Henrique mostra a sua personalidade e a sua maneira de pensar.

Lamento também que tenhamos tido 100 dias de paralisação, nas nossas universidades, para garantir aos professores universitários do Brasil um aumento que vai representar R$320 milhões por ano a mais na folha de pagamento, que é muito menos, Senador Eduardo Suplicy, do que o Governo Fernando Henrique gasta a cada dia do ano para pagar o serviço e o principal dessa dívida mal construída - e a grande parte dela em seu próprio Governo. O Governo gasta, diariamente, mais do que vai pagar a todos os 48 mil professores universitários do Brasil, mas levou tanto tempo para chegar a essa decisão e para as nossas universidades voltarem a funcionar.

Penso que deveríamos manter a discussão sobre o assunto, porque não sei como uma pessoa pode ter motivação ganhando tão pouco e se sacrificar em período de férias, em período de Natal, enfim, nesses períodos em que não deveriam estar trabalhando, mas que vão ter que fazê-lo.

Deixo, portanto, esta preocupação às várias Lideranças do Congresso Nacional. Devemos continuar com essa discussão para garantir aos professores universitários o que eles merecem e para acabarmos com as imensas distorções entre os que ganham uma fortuna e os que não ganham quase nada.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/11/2001 - Página 29928