Discurso durante a 165ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre o movimento sindical brasileiro.

Autor
Emília Fernandes (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • Reflexões sobre o movimento sindical brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 30/11/2001 - Página 29934
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • REALIZAÇÃO, REUNIÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, CENTRAL SINDICAL, LANÇAMENTO, PERIODICO, DEFESA, UNIDADE, SINDICATO, BENEFICIO, EQUIDADE, REPRESENTAÇÃO, TRATAMENTO, TRABALHADOR, IGUALDADE, PROFISSÃO.
  • CRITICA, PROJETO DE LEI, GOVERNO FEDERAL, ALTERAÇÃO, DISPOSITIVOS, CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT), REDUÇÃO, DIREITOS, TRABALHADOR.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, INCENTIVO, PLURALIDADE, SINDICATO, REDUÇÃO, PODER, REPRESENTAÇÃO, FALTA, IGUALDADE, TRATAMENTO, TRABALHADOR.

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 21 de novembro último, o MOVIMENTO EM DEFESA DA UNICIDADE SINDICAL, reuniu no Auditório Petrônio Portella do Senado, para o lançamento de uma edição especial da Revista Debate Sindical, do Centro de Estudos Sindicais, expressiva representação de trabalhadores de vários sindicatos, federações, centrais sindicais e confederações tais como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários e Aéreos, na Pesca e nos Portos - CONTTMAF, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria - CNTI, a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio - CNTC, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Alimentação - CNTA, a Confederação Nacional dos Profissionais Liberais - CNPL, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino - CONTEE, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospedagem - CONTRATUH, mais de 150 Federações e Sindicatos filiados e as Centrais Sindicais CGT, CAT, CGTB e USI, e, ainda, Sindicatos ligados à Força Sindical, todas declaradamente defensoras da Unicidade Sindical.

Vale salientar que, no último Congresso da Força Sindical, 5 e 6 de julho passado, suas entidades de base, majoritariamente, defenderam a Unicidade Sindical.

A CUT, embora não tenha posição declaradamente favorável à Unicidade, fez-se presente na pessoa de seu presidente, Sr. João Felício, o qual, ponderadamente, registrou que a pluralidade encampada pelo Governo destroça o movimento sindical. A Corrente Sindical Classista, que integra a CUT, se manifesta pela Unicidade Sindical.

O evento, que ocorre no crucial momento em que se procede à votação do Projeto nº 5.843/2001, preparado pelo Ministro do Trabalho. Dr. Francisco Dorneles, para possibilitar acordos entre Sindicatos e Empregadores sem obedecer às condições mínimas estabelecidas pela CLT, coincidiu de cair no dia exato em que o Governo tentou a todo custo votá-lo, pela primeira vez nesta legislatura, no Plenário da Câmara, sem sucesso

Após inúmeros discursos de apoio ao Movimento, todos manifestaram suas indignações ante mais esta violência do Governo Fernando Henrique contra a classe trabalhadora.

Os trabalhadores têm bastante claro que a conjunção do projeto do Ministro Dorneles com a quebra da unicidade sindical, insistentemente tentada pelo Governo, irá possibilitar que sindicatos de aluguel sejam formados, com o apoio disfarçado dos empregadores, para celebrarem Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho em prejuízo dos trabalhadores e da luta dos Sindicatos, que verdadeiramente defendam os interesses de seus representados.

Mantenho minha coerência no apoio à Unicidade Sindical que convive muito bem e se insere na liberdade de atuação dos sindicatos. Chamo à reflexão os companheiros que no primeiro momento se inclinaram pela pluralidade sindical por entendê-la mais consentânea com a liberdade plena dos sindicatos.

O tema Unicidade em contraposição com Pluralidade tem provocado debates acirrados desde a elaboração da Carta de 1988. A favor da pluralidade têm se esgrimado o texto da Convenção 87 da OIT com a falsa alegação de que o sistema consagrado pela Constituição do Brasil não atende à Liberdade Sindical.

Esta, contudo, me parece uma visão reducionista. Temo qualquer interpretação literal, que não leve em consideração as condições históricas, passadas e vigentes, ou o texto global de uma legislação ou sistema.

Um professor de Direito, no Rio de Janeiro, ligado ao movimento sindical, ao explicar os efeitos danosos da interpretação ao pé da letra, cita o caput do art. 5 ° da Constituição do Brasil:

Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes

Isto para explicar que uma interpretação dogmática e simplista levaria a crer que o turista em trânsito estaria desprovido de direitos humanos enquanto transitasse em nosso solo.

Assim, malgrado a Convenção OIT 87, aprovada em 1948, na 31ª Conferência Intersindical do Trabalho, realizada em São Francisco, na Califórnia, veiculasse conceitos bastante avançados para a época, não deixava de se inserir em um contexto individualista e patrimonialista de exacerbação da livre iniciativa .

No mesmo diapasão se expressam o eminente Professor Washington Coelho das conceituada PUC do Rio de Janeiro e da Fundação Getúlio Vargas e os eminentes professores Orlando Gomes , internacionalmente conhecido como lume das letras jurídicas sul-americanas e do brilhante Professor Elson Gottschalk, dentre outros.

Fato é que o ordenamento constitucional brasileiro consagra devida proteção ao exercício das liberdades sindicais de maneira até mais eficiente que em países de maior tradição democrática.

Não me parece mera coincidência que o mesmo Governo que promoveu a denúncia da Convenção da OIT 158 deixando o trabalhador sem proteção contra demissões imotivadas é o mesmo Governo que quer desmontar o artigo 7° da Constituição

São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social

e deste modo, labora para desmontar o texto constitucional visando cassar os direitos dos trabalhadores e mesmo dos empresários nacionais, transferindo mais divisas aos exterior: é este o mesmíssimo Governo interessado em demolir a organização dos trabalhadores.

É este Governo que quer acabar com a CLT e promover a flexibilização dos direitos , deixando , num contexto de recessão e desemprego, que os trabalhadores negociem direitos fundamentais com seus patrões, não raro multinacionais poderosíssimas, invertendo a própria razão de ser do Direito e em especial do Direito do Trabalho, que é a da proteção do hipossuficiente e o restabelecimento da correlação de forças, impedindo o massacre do mais fraco pelo mais forte à guisa de um modernismo tão atual quanto à lei da selva.

Nada disto me causa espécie : o que me surpreende é o apoio de certas entidades honestas e que têm meu afeto - e se digo certas é porque outras há que não merecem minha consideração nem respeito - pois bem ,certas entidades que , sem perceber, estão formando ao lado destes algozes do trabalhadores acreditando que terão alguma chance em organizar e fortalecer o movimento sindical num clima de cada um por si, num clima de individualismo , de barbárie e desigualdade.

Causa-me espécie ouvir alguns profissionais do Direito defenderem o pluralismo sindical, sabendo que a OAB é mantida com contribuições compulsórias e, justamente por isto, só é forte e nos defende por ser una e indivisível; do contrário o Governo e os capitalistas vesgos financiariam outras OABs mais palatáveis a seus objetivos.

Causa-me espécie estas entidades formarem ao lado dos que conhecem o destroçado sindicalismo ianque, que ignoram os depoimentos oficiais e demonstram os dados do Comitê da Liberdade Sindical da OIT que asseguram que "milhares de trabalhadores nos Estados Unidos perdiam anualmente seus empregos ao exercer seus direitos garantidos pela Legislação Federal. Uma Pesquisa de opinião levada a cabo em 1994 mostrou que quase 80% dos cidadãos norte-americanos pensavam que os trabalhadores que tentavam formar um sindicato em seu local de trabalho podiam perder seu emprego."

Causa-me espécie a inadvertência destes companheiros para estabelecerem a analogia com o processo argentino que implantou a pluralidade sindical e minou a força do movimento operário levando o país irmão à lamentável situação em que se encontra :tudo isto em nome da "modernidade".

Causa-me espécie a ingenuidade dos que acreditam que o pluralismo sindical vem só, deixando intacta a estabilidade dos dirigentes sindicais, mantendo a legitimação de todos os sindicatos, a mesma ingenuidade que permitiu a alguns criarem centenas de cargos de diretores sindicais crendo poderem ,deste modo , manter a estabilidade no emprego, por vias oblíquas.

Causa-me espécie acreditar que a capacidade e competência dos dirigentes , no atual momento da história será bastante para evitar a cooptação e a fundação de sindicatos amarelos, um em cada esquina a dividir, até de modo inconsciente, a luta dos trabalhadores.

Causa-me espécie a insensibilidade quanto ao fato de que o Sindicato dependerá dos favores do Governo, dos FATs, etc. justamente quando não mais dispuserem de fontes autônomas de subsistência, que seja provida nos moldes da OAB, CREA, CRM, CRC etc., i.e., por contribuições compulsórias recolhidas exclusivamente às entidades sindicais reconhecidas, ao lado das contribuições associativas, mais fartas quanto forem as condições econômicas dos trabalhadores e geo-econômicas da base de representação.

Por isto, conclamo os trabalhadores e as trabalhadoras à profunda reflexão sobre o tema, registrando , com alegria, que muitos sindicatos e entidades que antes apoiavam a pluralidade, reformaram sua posição, considerando que a luta pela representatividade deve ser travada no seio da categoria, dentro da entidade e não aos olhos do Governo e dos Patrões que decerto intercederão para decidir com qual entidade querem negociar.

Por fim, é necessário que reflitamos que quando os conservadores e entreguistas demonstrarem concordar com uma idéia de algum segmento dos trabalhadores, noventa e nove porcento das vezes ,um dos dois lados estará errado: portanto quando este Governo quer a pluralidade sindical, certamente não há de ser para defender os trabalhadores nem as causas populares; é para facilitar o desmonte do país e a escravização do povo.

Justo como vêm conseguindo fazer até agora...


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/11/2001 - Página 29934