Discurso durante a 165ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre os equívocos da política de desenvolvimento do Estado do Ceará.

Autor
Sérgio Machado (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/CE)
Nome completo: José Sérgio de Oliveira Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Considerações sobre os equívocos da política de desenvolvimento do Estado do Ceará.
Publicação
Publicação no DSF de 30/11/2001 - Página 29942
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • CRITICA, ERRO, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, ESTADO DO CEARA (CE), PROVOCAÇÃO, REDUÇÃO, PRODUÇÃO, TRABALHO, AGROPECUARIA, PARALISAÇÃO, ECONOMIA, ZONA RURAL, EXCLUSIVIDADE, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, PREVIDENCIA SOCIAL, FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICIPIOS (FPM), FONTE, RENDA, POPULAÇÃO, EXODO RURAL.
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, PROGRESSO, DESENVOLVIMENTO, AREA INDUSTRIAL, REGIÃO METROPOLITANA, ESTADO DO CEARA (CE), ESPECIFICAÇÃO, MUNICIPIO, MARACANAU (CE), SIMULTANEIDADE, EXISTENCIA, PROBLEMA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, INSUFICIENCIA, SALARIO MINIMO, AUMENTO, VIOLENCIA, ZONA URBANA.
  • SOLICITAÇÃO, UNIÃO, POVO, CONSTRUÇÃO, SOCIEDADE, IGUALDADE, DIGNIDADE, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, POLITICA, INCENTIVO FISCAL, ATRAÇÃO, INDUSTRIA, OPORTUNIDADE, EMPREGO, AUMENTO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), PRODUTO NACIONAL BRUTO (PNB).

O SR. SÉRGIO MACHADO (PMDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, sou daquelas pessoas que têm orgulho da terra onde nasceu. Sou, por dizer, cearense de corpo de alma. Conheço cada recanto do meu estado como a palma da mão. Mas, recentemente, nas viagens freqüentes que tenho feito, deparei com fatos que não só me deixaram estupefato, mas também me fizeram parar para refletir sobre as razões que levaram o Ceará a padecer de dois males impiedosos.

Refiro-me a equívocos de um modelo de desenvolvimento que geraram, no interior, a ‘ECONOMIA SEM PRODUÇÃO’ e, paradoxalmente, na Região Metropolitana, uma ECONOMIA COM PRODUÇÃO, MAS SEM DISTRIBUIÇÃO.

Não é necessário ser “expert” para chegar a essa conclusão. No meu caso, basta puxar da memória lembranças da minha infância pelo interior do Ceará. E são muitas. E todas me remetem a cenários bem diferentes dos que presencio hoje.

Recordo-me, quando era menino em Crateús, andava pelas ruas do comércio e via nas calçadas: algodão, arroz, milho, feijão, farinha, banana, couro, alpargatas e muitas outras coisas. Havia fartura. E tudo era produção local ou de municípios vizinhos.

Mas esses tempos de fartura já não existem mais. Há poucas semanas estive na Ibiapaba e fui visitar a feira de Tianguá. Com exceção de algumas frutas e hortaliças, pouca coisa comercializa é produzida no próprio lugar. Quase tudo vem de fora. Até de fora do Ceará.

Menos de uma semana depois, visitei o açude Lima Campos, situado no município de Icó. Na mais tradicional parada gastronômica da redondeza, onde fui degustar o peixe de paladar mais apreciado da região, tive uma indigesta surpresa.

O tucunaré de sabor inigualável que eu degustava não fora pescado nas águas do Lima Campos. Nem mesmo nas do Orós, outro açude próximo, e que foi construído na década de 60 para ser a redenção do Ceará. O peixe fora fisgado em, Barra do Chapéu, Bahia.

Estamos diante, pois, de fatos que justificam o encolhimento da economia do interior. O interior do Ceará deixou de produzir. E se não há produção, não tem trabalho. E se não há trabalho, de que está vivendo a gente que reside na zona rural e que representa 42% da população?

A resposta é: está sobrevivendo da economia sem produção; da aposentadoria que sustenta 85 de cada 100 pessoas que moram na zona rural. Cada aposentado, segundo o IBGE, sustenta 3,5 pessoas: ele próprio e outras 2,5 pessoas.

A estagnação da economia no interior tem implicações sociais e econômicas muito graves. Primeiro, como nos alerta os versos entoados pelo cantor Fagner, meu conterrâneo, “sem o seu trabalho, o homem não tem honra”.

Segundo, o comércio só funciona duas vezes por mês: uma quando a previdência paga os benefícios - e na zona rural do Ceará eles totalizavam, em agosto, 378.420 benefícios que atinge um universo de 1.324.470 pessoas. O outro período que movimenta o comércio é quando a prefeitura paga os servidores.

Pelos números que acabei de citar, é fato inconteste que a previdência há muito deixou de ser uma renda que vem para melhorar a qualidade de vida do trabalhador aposentado e se transformou na principal - e às vezes única - fonte de renda familiar.

O Fundo de Participação dos Municípios (FPM) também desempenha um papel relevante na economia do semi-árido, notadamente no comércio, fixando o homem no campo e diminuindo o êxodo rural. Mas o peso dos recursos da Previdência no Ceará ainda é 2,80 vezes maior do que aqueles repassados pelo FPM. Entre todos os Estados catalogados no polígono das secas, essa proporção só é maior em Pernambuco.

Diante de uma economia sem produção, não é mera coincidência o fato de 77% dos pobres do Ceará residirem nas áreas rurais, contra, por exemplo, 20% em Fortaleza.

Outro motivo do alto índice de pobres nas zonas rurais é a baixa produtividade da agropecuária - 15,84% da produtividade média da economia como um todo e 10% da produtividade industrial. Um trabalhador rural em nosso Estado só consegue produzir, em média, 6% do que produz seu colega paulista. A gravidade é tamanha que não podemos sequer afirmar que se trata de uma atividade estagnada. Pior do que isso, está encolhendo.

A participação do setor agropecuário no PIB estadual caiu de 15%, em 1986, para 6%. Agora se anuncia uma perda recorde na colheita de grãos. 60,9% de tudo o que foi plantado não será colhido. Além de estar encolhendo, a agropecuária cearense ainda se mostra tão vulnerável ao fenômeno da seca quanto no passado.

Saindo do interior em direção à Região Metropolitana, o problema já não é a estagnação econômica, mas, sim, a não distribuição da riqueza produzida com a população local.

Maracanaú, localizada na Região Metropolitana de Fortaleza, é o segundo mais importante município do Ceará. Representa mais de 14% da economia do Estado, apesar de abrigar somente 2,35% da população. O distrito industrial construído no início dos anos 60 foi um divisor de águas na história de Maracanaú que se tornou um grande centro econômico. Vinte e nove por cento do PIB industrial do Ceará é gerado em Maracanaú. Com índices econômicos privilegiados em relação à realidade da maioria dos outros municípios, era de se esperar que a eles correspondessem elevados indicadores sociais.

Mas não é bem assim. A violência urbana tem sido o principal reflexo do equívoco da política de desenvolvimento que se preocupou excessivamente em aumentar o Produto Interno Bruto, PIB, do município, mas negligenciou o crescimento do seu Produto Nacional Bruto, o PNB.

A presença física das indústrias do Distrito Industrial- principal fator que coloca Maracanaú em 2o lugar no ranking de importância econômica depois da capital, Fortaleza - por si só não garante a performance positiva dos indicadores sociais. Isso porque uma coisa é o que se produz num lugar, o PIB. Outra, bem diferente, é o que fica nesse lugar, o PNB.

É claro que o lucro, os bons salários e, enfim, o grosso do valor agregado vai embora. O que fica no município são os salários mais baixos. Diante desse cenário não hesito em afirmar que estamos diante do segundo grande equívoco: uma economia com produção, mas sem distribuição.

A aspiração de construir uma sociedade mais justa e igualitária não permite a convivência com nenhum desses dois modelos que considero duplamente equivocado. O meu sonho - e o que venho propondo em sucessivos debates dos quais tenho participando - é o de construirmos uma nova estrada, erguida sobre novas bases para reparar esses dois erros.

Não podemos combater a economia sem produção que afeta o interior do Ceará - especialmente as zonas rurais -se não trabalharmos seriamente uma política de soerguimento da agropecuária.

Temos conhecimento para tanto - estão empoeirados nas prateleiras das universidades, basta que os resgatemos - e contamos também com a força e a criatividade do povo cearense. Quer seja na ovinocaprinocultura, quer seja na bovinocultura, na cajucultura, na apicultura ou na aquicultura, temos uma série de alternativas produtivas para colocarmos em prática.

Com isso, estaremos oferecendo ao homem do campo a oportunidade ao trabalho e a viver com dignidade, sem ter que sair de suas terras para sofrer nas periferias das grandes cidades atrás de uma oportunidade que, na maioria das vezes, nunca vem.

            Para enfrentarmos o equívoco número dois - o da economia com produção, mas sem distribuição, cujo melhor exemplo vem de Maracanaú - precisamos desenvolver o Ceará para os cearenses. Isso implica em alguns compromissos inadiáveis e dos quais um governante não pode arredar o pé.

A política de incentivos fiscais para atração de indústrias deve se pautar numa série de compromissos bem mais amplos do que os atuais, que, a grosso modo, resumem-se na abertura de postos de trabalho.

As empresas de fora que optarem por se instalar em solo cearense devem, também prestigiar o nosso mercado: empresas, indústrias e comércio, de forma que se estabeleça uma cadeia animadora do desenvolvimento local.

Dessa forma, além da preocupação com o crescimento do PIB do Estado, estaríamos, também, trabalhando para que cada empresa de fora que venha para o Ceará contribua com o crescimento do nosso PNB, ou seja, da renda que fica no Estado.

Esse ponto é fundamental porque o que muda a vida das pessoas não são indicadores de quanto o Estado produziu ou quanto o PIB cresceu. O que muda a vida das pessoas é quanto de renda esse crescimento do PIB gerou internamente.

Atuando nessas duas frentes acredito que estaremos dando os passos certos rumo à construção de um Ceará onde os privilégios e as oportunidades não se concentrem nas mãos de poucos. Ao contrário, onde todos sintam a luz do sol brilhar com a mesma intensidade.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/11/2001 - Página 29942