Discurso durante a 166ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre o resultado estratégico, para o Brasil, da reunião da Organização Mundial do Comércio, em Doha, no Catar.

Autor
Paulo Hartung (PSB - Partido Socialista Brasileiro/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMERCIO EXTERIOR. POLITICA EXTERNA.:
  • Reflexões sobre o resultado estratégico, para o Brasil, da reunião da Organização Mundial do Comércio, em Doha, no Catar.
Publicação
Publicação no DSF de 04/12/2001 - Página 30058
Assunto
Outros > COMERCIO EXTERIOR. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ANALISE, REUNIÃO, MINISTRO DE ESTADO, ESTADOS MEMBROS, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), REGISTRO, FAVORECIMENTO, POSIÇÃO, BRASIL, POSSIBILIDADE, REDUÇÃO, PROTECIONISMO, PAIS INDUSTRIALIZADO, AMPLIAÇÃO, DEMOCRACIA, PROCESSO, GLOBALIZAÇÃO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, VALOR ECONOMICO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, NEGOCIAÇÃO, COMERCIO EXTERIOR, AGRICULTURA.
  • SAUDAÇÃO, VITORIA, POLITICA EXTERNA, BRASIL, DISPENSA, PAGAMENTO, PATENTE DE REGISTRO, MEDICAMENTOS, SITUAÇÃO, AMEAÇA, SAUDE PUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).
  • ANUNCIO, NEGOCIAÇÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), UNIÃO EUROPEIA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), NECESSIDADE, PREPARAÇÃO, BRASIL, DEFESA, INTERESSE NACIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PAULO HARTUNG (PSB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os resultados da IV Reunião Ministerial da Organização Mundial do Comércio, realizada em Doha, Catar, soaram como um animador contraponto ao conflituoso cenário político internacional atual. Ao final do encontro, todos os 142 países participantes tinham motivos para comemorar. Para o Brasil, em particular, os resultados tiveram um importante e significado resultado estratégico, pois reforçaram nossa posição como interlocutor no processo de integração internacional, abalada com as dificuldades recentes do Mercosul, a crise na Argentina e pela exposição da nossa vulnerabilidade externa.

            Doha significou um duplo avanço. Em primeiro lugar, por ter conseguido lançar uma nova rodada de negociações sobre o comércio internacional que se desenvolverá de janeiro de 2002 ao fim de 2005. Uma iniciativa que parecia seriamente ameaçada até há alguns meses.

            O fantasma de uma recessão nas economias norte-americana e européia havia reforçado o protecionismo dos países desenvolvidos e criado um ambiente pouco favorável, no qual temia-se pela possibilidade de repetição do fracasso de Seattle, no fim de 1999, quando não houve consenso para lançar a “Rodada do Milênio”.

            Para a maioria dos analistas internacionais, os atentados de 11 de setembro e seus desdobramentos propiciaram um clima mais cooperativo em Doha. De um lado, os EUA, que adotaram uma postura mais flexível nas negociações, evitando o isolamento ou mesmo a responsabilidade pelo fracasso de um novo acordo internacional. De outro lado, as dúvidas quanto aos rumos da globalização ajudaram a fortalecer posições menos protecionistas, favorecendo a busca de um acordo que contemplasse antigas reivindicações dos países em desenvolvimento.

            Os resultados também indicaram que é possível sonhar com um rumo distinto para a globalização. A participação ampla e democrática da comunidade internacional pode ser capaz de valorizar aspectos mais positivos que a simples integração econômica e social para a humanidade.

            A amplitude dos itens que comporão a pauta de negociações da nova rodada também significaram um avanço. Foram, no entanto, soluções de compromisso. Na declaração do encontro não há garantia de que a inclusão de um item na agenda redundará em avanços reais no futuro. O Brasil não pode repetir erros anteriores e acomodar-se com uma primeira vitória. Em meu discurso do dia 19/06/2001, tive a oportunidade de comentar sobre as ilusões brasileiras em relação às negociações multilaterais: “Até a Rodada do Milênio da Organização Mundial do Comércio (OMC), havia a crença de que a Alca acabaria subordinada a um acordo mundial de liberação do comércio, o que determinou uma postura de empurrar o assunto com a barriga, uma espécie de visão cor-de-rosa do processo de globalização, que acabou no fracasso das negociações e de um encontro que entrou para a história principalmente pela pancadaria nas ruas de Seattle. Prevaleceu, de lá para cá, a estratégia de preparar o Brasil seriamente para as negociações da Alca e outras negociações internacionais”. Oxalá seja essa a postura após os sucessos de Doha. Que essas pequenas vitórias que citei sirvam para preparar ainda mais a nossa diplomacia, nosso empresariado e trabalhadores para as difíceis negociações que vamos continuar enfrentando internacionalmente.

            As negociações sobre o comércio internacional da agricultura ainda têm um longo caminho pela frente. Marcos Jank, consultor do BID, em artigo no jornal Valor Econômico do ultimo dia 29 de novembro, aponta três frentes de discussão: a redução dos subsídios locais à produção; os subsídios à exportação; e o acesso a mercados. Segundo ele, “Países como o Brasil deveriam centrar seu foco na substancial redução do apoio doméstico via preços administrados e demais pagamentos governamentais ligados à unidade de produto ou de área, mensurado nas chamadas caixas amarela e azul. O apoio total notificado pela OMC nessas duas caixas atinge quase US$125 bilhões anuais, divididos entre União Européia (63%), Estados Unidos (9%) e outros países europeus, Japão e Coréia (25%)”. A título de informação, as caixas e suas cores correspondem, na terminologia da OMC, a uma classificação dos subsídios de forma semelhante a um sinal de trânsito: os de cor verde são permitidos, os amarelos devem ser reduzidos e os vermelhos são proibidos. No Acordo da Agricultura, não existe a cor vermelha, que é substituída pela cor azul, específica para determinados produtos de países em desenvolvimento.

            A caixa verde corresponde a gastos com pesquisa, extensão, estoque de segurança, fundos de sinistro, ecologia, entre outros, que afetam minimamente o comércio internacional. A caixa azul significa despesas de exceção, como pagamento para redução de área, produção etc. E a caixa amarela, dispêndios com subsídios que distorcem a produção e o comércio.

            Ainda segundo Marcos Jank, o acesso a mercados é um tema que pode ser mais bem equacionado no âmbito das negociações bilaterais. Os subsídios às exportações agrícolas estão, em grande parte, concentrados na UEE e sua eliminação já faz parte dos planos da próxima etapa da Política Agrícola Comum.

            Outro avanço importante em Doha foi a admissão de negociações em torno das medidas antidumping. É apenas uma possibilidade. Um primeiro passo para que o Brasil possa questionar essa e outras formas de protecionismo, mas que poderá ser muito importante para o futuro das negociações da Alca. Mais de 60% das exportações brasileiras para os Estados Unidos sofrem algum tipo de restrição. A siderurgia brasileira, por exemplo, é competitiva no âmbito internacional, mas sofre condicionantes no mercado norte-americano. É o caso da CST - Companhia Siderúrgica de Tubarão -, líder mundial na produção de placas de aço, responsável por 20% da oferta global do produto. É uma organização que ostenta um dos mais baixos custos de produção de aço do mundo, com excelência operacional e localização estratégica, e apresenta indicadores entre os melhores do mundo nas áreas de meio ambiente e segurança no trabalho. As usinas norte-americanas, por não terem capacidade de competir com os produtores brasileiros, usam o seu poder de lobby, poderosíssimo no Congresso americano, para limitar as importações de aço do Brasil. A solução adotada em Doha não significa que os Estados Unidos abandonarão ou mesmo reverão as medidas antidumping, mas melhoram as condições de trabalho nesse tema a nosso favor.

            A retomada das negociações sobre o financiamento público ao comércio exterior possibilitará equilibrar as condições de competitividade em favor das exportações brasileiras. Na falta de regras internacionais, todas as nações - o Brasil sofreu com isso - estavam obrigadas a seguir os padrões da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que congrega os países mais ricos e industrializados. O caso mais recente do contencioso envolvendo a Embraer e a Bombardier exemplifica as nossas dificuldades. A classificação de risco nacional impõe taxas de juros mais elevadas no nosso e em outros países em desenvolvimento em relação ao crédito internacional que financia as nossas exportações. É preciso legitimar mecanismos equalizadores do preço do crédito, do preço do dinheiro pelo mundo a fora, para que o comércio internacional tenha um mínimo de equilíbrio e para que os países possam competir com alguma igualdade em relação aos seus produtos.

            A aceitação da quebra de patentes farmacêuticas, no caso de ameaça à saúde pública, foi a mais emblemática vitória brasileira em Doha - quero citá-la e pontuá-la. O Governo brasileiro foi pioneiro na luta pelo reconhecimento da prioridade da saúde e da vida sobre os acordos de propriedade intelectual - Trips.

            Os próximos anos, na minha opinião, serão decisivos para definir a inserção da nossa economia na economia mundial. Para 2005, também está prevista, como já disse no meu pronunciamento, a conclusão das negociações sobre a Alca. No mesmo período, estarão em andamento as negociações do Mercosul, que vive um momento de dificuldade, com a União Européia.

            Os resultados de Doha ajudam essas negociações, e é isso que quero pontuar com meu pronunciamento. Os temas de difícil solução em nível regional ou bilateral podem encontrar um paradigma no resultado do consenso multilateral. Mas há, Sr. Presidente, muito trabalho pela frente, muitas dificuldades, muitos obstáculos. Não podemos nos iludir, temos que nos preparar para essas negociações. Não tenho dúvida e não me iludo, o protecionismo das economias mais desenvolvidas persistirá, até porque é fruto, como já disse aqui, de poderosos lobbies junto aos Congressos desses países. Vozes descontentes com os avanços da OMC, nos países desenvolvidos, já iniciaram movimentos para reduzir o alcance de futuros entendimentos, o que exigirá de nós mais atenção e, mais do que isso, posições claras em relação aos nossos interesses, posições firmes em relação àquilo que queremos.

            O Brasil, Sr. Presidente, repito, precisa se preparar para negociar, porque negociar não é fácil. É difícil em todos os campos - no campo econômico, tendo em vista a realidade mundial, é muito mais complexo ainda. Para isso precisamos saber em que somos fortes, em que somos competitivos; precisamos saber também em que somos imbatíveis, como é o caso da produção de placa de aço. Precisamos localizar também aqueles setores em que precisamos melhorar e também aqueles setores em que não temos alternativas. Precisamos verificar onde podemos criar novas oportunidades de negócios, de atividades empresariais de geração de emprego, de geração de renda e assim por diante. Necessitamos de uma posição sobre os interesses nacionais, acima de vantagens setoriais e de interesses privados e que, por outro lado, seja fruto de uma posição madura e não mais de um nacionalismo que teve o seu tempo mas que hoje significa uma oposição muitas vezes retrógrada e ultrapassada.

            As discussões sobre a nova rodada de negociações da Organização Nacional do Comércio, da Alca, assim como a relação com a União Européia, na minha opinião, são complementares e se desenvolverão, ao longo do mesmo período - é importante entendermos isso -, praticamente dentro do mesmo calendário. A coordenação e a integração delas darão sentido e clareza a uma política de defesa dos interesses nacionais, que são importantes, precisam ser defendidos e não podem ser abandonados, mas devem ser adequados, evidentemente, aos padrões de inserção da nossa economia, na economia mundial. Ao mesmo tempo, podemos fazer um esforço e economizar formulação e tempo em decorrência dos aspectos complementares dessas iniciativas. É uma excelente oportunidade, quero situar aqui, para construirmos um projeto para o nosso País que contemple toda a sociedade, que contemple a nossa inserção nessa economia complexa com tantas ameaças e com algumas oportunidades e que contemple, acima de tudo, o nosso povo, aquilo que chamo de Brasil de “carne e osso”, que precisa viver, que precisa ter qualidade de vida, que precisa ter os direitos básicos. Entre tais direitos está o de conseguir o seu sustento e o sustento dos seus familiares mediante um ato que dignifica o homem: o trabalho.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo111/27/241:46



Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/12/2001 - Página 30058