Discurso durante a 166ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a política cambial brasileira e os acordos de renegociação da dívida externa.

Autor
Roberto Saturnino (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Reflexão sobre a política cambial brasileira e os acordos de renegociação da dívida externa.
Aparteantes
José Alencar, Lindberg Cury.
Publicação
Publicação no DSF de 04/12/2001 - Página 30062
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, INSOLVENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, CRITICA, POLITICA CAMBIAL, GOVERNO ESTRANGEIRO, VINCULAÇÃO, DOLAR.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, FRANCISCO LOPES, EX-DIRETOR, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), ALTERAÇÃO, POLITICA CAMBIAL, DESVALORIZAÇÃO, REAL, PREVENÇÃO, CRISE, SEMELHANÇA, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA.
  • ANALISE, DEPENDENCIA, ECONOMIA NACIONAL, CAPITAL ESTRANGEIRO, CAPITAL ESPECULATIVO, DEFESA, CONTROLE, EVASÃO DE DIVISAS, PREVENÇÃO, CRISE, NECESSIDADE, ATENÇÃO, POSSIBILIDADE, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), RENEGOCIAÇÃO, DIVIDA PUBLICA, CRITICA, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF).
  • APOIO, DECLARAÇÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), DEFESA, MERCADO INTERNO, PROTEÇÃO, ECONOMIA NACIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

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            O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Argentina, finalmente, atingiu seu já esperado ponto crítico, conclusão de um processo que vem se desenvolvendo por alguns anos e indicava exatamente o caminho da insolvência. O país não vai conseguir cumprir seus compromissos internacionais. Isso era esperado. O país enveredou por uma crise desde o momento em que, por uma decisão infeliz, adotou o câmbio fixo atrelado ao dólar, a chamada âncora cambial, também adotada no Brasil durante algum tempo com resultados desastrosos para a nossa economia e insolvência de muitas indústrias. Isso esteve a ponto de produzir a decisão de congelamento do câmbio atrelado ao dólar, como na Argentina, até que, em momento de inspiração, o Presidente da República, aconselhado pelo Sr. Francisco Lopes, que, na verdade, foi quem salvou o Brasil desse caminho de destruição da economia, acabou adotando o câmbio flexível. Houve a desvalorização, absolutamente necessária e que refletia a realidade. Não provocou impacto catastrófico na inflação, mas a economia retornou à sua condição real. Isso fez com que o Brasil prosseguisse no seu processo econômico sem chegar à beira do abismo em que chegou a Argentina, exatamente por não ter tido essa feliz inspiração e ter-se aferrado à disposição legal que prendia sua moeda ao dólar norte-americano.

            O resultado está diante do mundo, a revelar o potencial desastroso que esse tipo de política traz, evidenciando uma responsabilidade enorme do ex-Presidente Menem e do Ministro Domingos Cavallo, responsáveis pela destruição da economia argentina, que é próspera e cheia de potencialidades. A Argentina chegou a essa situação infeliz e hoje toma decisões drásticas de congelamento de ativos financeiros e controle de câmbio - este último absolutamente necessário. Ela ainda não tomou a decisão de reconstruir sua soberania, desvalorizando a moeda e enfrentando todas as conseqüências, como a insolvência de empresas e famílias, que serão extremamente calamitosas. Mas essa é a única solução, porque a outra alternativa seria dolarizar toda a economia oficial, o que não depende completamente da Nação argentina. Uma renúncia à soberania argentina vai depender da disposição dos Estados Unidos da América e do seu sistema bancário, do Federal Reserve, em emitir dólares em quantidade suficiente para alimentar também a economia argentina, que passará a ser inteiramente dependente dessa moeda.

            Não creio que essa seja uma solução. Isso dependeria de uma renúncia da soberania. Não acredito que a população argentina venha a aceitar uma decisão que significaria o fim da Nação argentina.

            Não sendo assim, terá de caminhar para a desvalorização, ainda que passando por etapas de grande sacrifício, como o que está ocorrendo com a população argentina, que enfrenta uma recessão de sua economia violenta e profunda, com a indisponibilidade de ativos financeiros por parte da população, com um desemprego calamitoso, com todas as administrações provinciais impossibilitadas de dar continuidade aos seus programas e projetos administrativos. Enfim, é uma calamidade resultante de uma decisão absolutamente errada e infeliz que, graças a Deus, no Brasil foi evitada pela interferência inspirada do Sr. Francisco Lopes, deixando de lado até a opinião do Sr. Pedro Malan, que era favorável à continuidade daquela âncora. Ele foi um dos responsáveis pelo sistema da âncora cambial, quando foi Presidente do Banco Central, mas acabou se rendendo à evidência de que o Brasil não poderia continuar naquele rumo, que seria desastrado e desastroso.

            Este, portanto, não é o caso do Brasil, que não está, evidentemente, na situação da Argentina. Contudo, também não é o caso de negar qualquer semelhança e qualquer possibilidade de ocorrência, no Brasil, de dificuldades que estão acontecendo em grau muito maior na Argentina. Por quê? Porque a economia brasileira, apesar de ter adotado o câmbio flutuante, pelo fato de ter incorrido em um erro gigantesco durante muito tempo, por quase todo o primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique, chegou a uma situação de vulnerabilidade e de dependência de capitais externos tão extrema que deixa o País quase que impossibilitado de tomar resoluções soberanas, sem o consentimento ou o acordo por parte das autoridades do mercado financeiro internacional.

            O Brasil é uma economia vulnerável. Para sair dessa situação, não terá outro caminho a não ser também estabelecer controle de pagamentos externos, de saída de capitais, de câmbio, à semelhança do que foi feito na Argentina, só que em uma situação que diferente à daquele País, porque será preventiva, isto é, para evitar que a situação do nosso País evolua em direção às calamidades que está vivendo a nação Argentina.

            Se não adotarmos medidas, se continuarmos imaginando que será possível cumprir todos os compromissos internacionais fundados em uma expansão das exportações brasileiras estratosféricas obviamente isso constituirá um engano, um erro, também de proporções gigantescas que podem prejudicar enormemente, imensamente, o futuro logo imediato do País.

            É óbvio que é necessário aumentar as exportações, mas o Brasil não está na situação de exportar ou morrer, se não já estaria morto. A verdade é que as exportações não vão crescer na proporção necessária, não vão crescer 10% ao ano, não vão adquirir o dinamismo que se procura para enganar a opinião pública e informar erradamente os mercados investidores financeiro e internacional. Todo mundo sabe, ninguém é ingênuo, que, neste quadro de recessão da economia americana, é muito difícil aumentar a exportação e que, com o grau de competitividade, de evolução tecnológica que a economia brasileira tem, é muito difícil aumentar significativamente as nossas exportações. Vamos aumentando paulatinamente com muito esforço, com investimentos em ciência e tecnologia que passarão a ser feitos em grande profundidade no ano que vem.

            A decisão mais promissora do Estado brasileiro, do Parlamento e do Governo brasileiro foi aprovar a Constituição dos Fundos de Ciência e Tecnologia, que vai gerar capacidade de competição no Brasil e de possibilidade de melhoria na sua receita de exportação. Isso não nos desobriga de uma atenção presente e constante sobre o câmbio e até o estabelecimento de controles nas saídas de capitais do Brasil, para evitarmos que a nossa economia chegue ao ponto de ruptura a que chegou a economia argentina.

            Temos, sim, de passar a encarar as hipóteses até de renegociação da nossa dívida. É óbvio! E é lamentável que a reação do Ministro Pedro Malan, no Canadá, há poucas semanas, tenha sido negativa e desfavorável, quando o próprio Ministro canadense sugeriu que era importante começar a pensar num processo de renegociação de dívida dos países muito endividados. O Ministro Pedro Malan reagiu fortemente, como se o Brasil fosse um País que estivesse acima de todas as eventualidades que pudessem levar a uma situação dessa natureza. A atitude de S. Exª contrariou os interesses da Nação brasileira. Foi uma reação infeliz, que pretendeu enganar, iludir a opinião pública internacional, pois todo o mundo interessado nos fluxos econômicos sabe da situação de vulnerabilidade do Brasil. Essa atitude de bravata contra a opinião do Ministro canadense, que sugeriu a possibilidade de renegociação é uma atitude antinacional.

            Sr. Presidente, abro um parêntesis. A nossa mídia, a nossa imprensa, há pouco tempo, maltratou muito o candidato à Presidência, do PT, o Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, porque ele fez ponderações absolutamente sensatas, como, por exemplo, que, se ele fosse francês, seria a favor da proteção da agricultura francesa, porque é de bom senso que os franceses sejam a favor da proteção. O que não é de bom senso, o que é contra-senso é que os brasileiros não tenham sido prudentes na defesa da sua indústria. Agora, que os franceses sejam prudentes na defesa da sua agricultura é absolutamente sensato. O Sr. Lula da Silva não disse outra coisa, senão isso. É uma opinião absolutamente sensata. Não quer dizer que ele, como brasileiro, não seja a favor da abertura da agricultura francesa às nossas exportações. Mas, ele compreende, eu compreendo e todo mundo compreende, de bom senso, que os franceses têm razões muito fortes para proteger a sua agricultura e evitar um destroçamento da sociedade brasileira.

            Imaginem V. Exªs os agricultores franceses, todos, acorrendo às grandes cidades sem emprego, em uma situação que, certamente, geraria uma ruptura social muito forte naquele País. Assim também, quando Lula disse que o projeto de desenvolvimento do País tem de se sustentar mais no mercado interno, na medida em que é aqui que está uma sustentação que somente depende de nós, é absolutamente estável, ou seja, não depende de conjunturas internacionais nem dos fatores de variação da economia internacional. É aqui também que estão instaladas as grandes carências do povo brasileiro em termos de alimentação, de vestuário, moradia. Dentro de um processo de redistribuição de renda, essas carências gerariam um mercado importante e básico para a sustentação de um projeto de desenvolvimento. Isso não quer dizer que não estejamos querendo exportar, não! Queremos exportar, sim! Exportação gera emprego e renda, dinamiza nossa indústria e nossa agricultura. Mas é claro que a base de sustentação é o mercado interno. Lula assim afirmou e a imprensa o criticou. E foi lamentável a manifestação do Sr. Pedro Malan, Ministro da Fazenda, no Canadá, ao dizer, de forma insensata, que o Brasil é contra toda possibilidade de se estudar internacionalmente a renegociação da dívida, para afirmar que o Brasil tem condições de fazer face aos seus compromissos sem nenhuma dificuldade, pretendendo enganar a opinião púbica, tanto quanto o foi a do Presidente da República, que disse “exportar ou morrer”, como se fosse o novo grito de independência da Nação brasileira.

            Sr. Presidente, é interessante refletir sobre o fato de que a manifestação do Ministro canadense tem ligações com o que está-se passando dentro do Fundo Monetário Internacional. O FMI começa a estudar mecanismos e sistemas de proteção dos países insolventes, como sistemas de concordata para os países que não podem cumprir seus compromissos internacionais. Essa consideração por parte do FMI - temos de reconhecer - traz uma boa dose de realismo e de bom senso. Isso foi anunciado pela Vice-Diretora Anne Krueger, que revelou ao mundo que o Ministro do Canadá sugerira a possibilidade de o mercado internacional adotar diretrizes que fazem face a uma realidade existente, o que irritou o Ministro Pedro Malan, como se ele não tivesse nada a ver com essas situações.

            É claro que esses mecanismos que o FMI está estudando não vão produzir efeitos a curto prazo. Essas negociações são sempre muito lentas. Se, por acaso, viesse a ser criado algum mecanismo imediato, a Argentina seria o primeiro caso. Mas quando isso, eventualmente, estiver acordado em termos internacionais, a Argentina já terá passado por sua crise mais profunda. Mas não quer dizer que não haja possibilidade de o Brasil vir a ser um dos países encarados por esse sistema internacional de ajuda. O fato é que temos de desenvolver um esforço de exportação - e mais até do que exportação -, de substituição de importações, sim, porque, na situação de recessão internacional, é mais fácil substituir importações. Por exemplo, na área de fretes marítimos, o Brasil está pagando uma barbaridade, quando já teve uma marinha mercante que transportava 40% do comércio internacional - hoje está reduzida a zero. O Brasil poderá criar grandes empresas de navegação marítima, recuperando essa fatia do mercado que leva quase US$8 bilhões por ano em fretes, desde que o Governo dê condições para isso.

            Sob o ponto de vista de dinamismo, das perspectivas de crescimento, há oportunidades mais auspiciosas do que o simples aumento das exportações. Em razão da atual conjuntura de recessão que a economia americana e o mundo estão vivendo, o crescimento das nossas exportações fica ainda mais difícil, não obstante todo o esforço de promoção que está sendo feito e que deve ser feito. Estou de pleno acordo com S. Exª, mas temos de ser realistas, buscando alternativas internas que dependam apenas da nossa vontade política e da nossa decisão soberana como Nação. Não devemos ater-nos, em linhas de atuação e de desenvolvimento, a decisões tomadas em outros países, ou seja, por outras economias.

            O Sr. José Alencar (PL - MG) - Concede-me V. Exª um aparte?

            O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB - RJ) - Ouço V. Exª com prazer.

            O Sr. José Alencar (PL - MG) - Eminente Senador Roberto Saturnino, sempre que assoma à tribuna para abordar aspectos da economia brasileira, V. Exª traz verdadeiros ensinamentos, pela dedicação, pela cultura e pelo conhecimento que possui sobre o assunto. Estamos assistindo, realmente, a um quadro difícil. Ao chegarmos às nossas bases, é muito comum ouvirmos alguns companheiros nossos perguntarem: “Senador, a situação do Brasil é realmente tão tranqüila como o Governo apregoa?” São pessoas simples, que estão apenas observando o quadro da economia brasileira e que estudaram um pouco de aritmética - não falo nem de matemática. Basta uma informação muito simples para se verificar o quanto a situação é delicada. Alcançamos um superávit primário da ordem de 3,5% do PIB, que significa um terço do déficit total. Portanto, um terço desse déficit é coberto com o superávit primário. Os dois terços restantes acoplam-se à dívida. Note-se que esses dois terços representam, no mínimo, 6% do PIB - para não dizer, em determinados casos, 7,2%, que se acoplam à dívida. Com relação à dívida pública, no momento em que há uma elevação da dívida da ordem de 7,2% do PIB apenas por força daqueles dois terços de que estamos falando, e se esse mesmo PIB cresce numa taxa de, no máximo, 2% ao ano, uma projeção dessa situação, obviamente, atingirá, em breve, 80% do PIB, representado pela nossa dívida - que atualmente já equivale a 55%. Com relação ao passivo externo líqüido, este hoje já representa mais de 80% do PIB, razão pela qual há o constrangimento cambial. Esse passivo externo elevado leva-nos a essa situação de fragilidade, que é despertada todas as vezes em que um país entra em crise aqui ou alhures. O que afeta o Brasil não é a crise da Argentina, da Coréia, da Rússia ou da Ásia, mas justamente o que V. Exª comentou: a vulnerabilidade da nossa economia. Então, devemos ter, no mínimo, uma dose de humildade para compreender que o Brasil terá de sentar-se à mesa para renegociar - o que não é pecado. Todas essas autoridades econômicas do mundo inteiro conhecem a situação do Brasil e sabem que nosso País terá de renegociar a sua dívida não só em termos de prazo, como também de taxas de juros. O Brasil não pode aceitar passivamente essa taxa de risco de aproximadamente 9%, superior àquelas vigentes nos países com os quais estamos competindo no mercado globalizado. Precisamos ser humildes e compreender que teremos de renegociar, sim, e oferecer condições para que o Brasil volte a crescer. É claro que esse crescimento advirá com as exportações, mas principalmente com o fortalecimento do mercado interno, até mesmo para que se incrementem as exportações. Congratulo-me com V. Exª, que, sempre que vai à tribuna, desperta-nos a preocupação com o quadro da economia brasileira, como brasileiro exemplar que tem sido em toda a sua vida pública.

            O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB - RJ) - Muito obrigado, Senador José Alencar. Orgulho-me das palavras de V. Exª e dos comentários concordantes, que acrescentam ao meu pronunciamento informações e aperfeiçoamentos extremamente oportunos. V. Exª lembra bem a questão do passivo externo. Geraram-se não apenas compromissos da dívida, mas também um passivo externo, com a venda de patrimônio nacional a capitais estrangeiros e de empresas de serviços públicos que não exportam, mas fazem remessas de lucros e dividendos. Esse passivo aumentou enormemente, e a perspectiva aponta para uma situação crítica. Temos um ponto crítico num horizonte que não está muito longínquo. Daí essa taxa de risco.

            O Ministro Pedro Malan teve a reação infeliz de repudiar a possibilidade de renegociação diante dos Ministros da Fazenda, no Canadá. No fundo, é uma ingenuidade pensar que se pode esconder a situação de perigo e de risco por que a economia brasileira está passando, situação essa representada pelo spread e pelas taxas e sobretaxas que o mercado financeiro cobra do Brasil, exatamente em decorrência desses riscos. E o Ministro Pedro Malan pensa que “tapa com a peneira” esse sol evidente que todo mundo já conhece.

            É essa a situação por que estamos passando e nós precisamos nos preparar para enfrentar a realidade e receber com alvíssaras essa nova visão do Fundo Monetário de encarar a posição dos países vulneráveis como o Brasil e, obviamente, como a Argentina. Renegociar não é nenhuma vergonha, mas uma necessidade e uma imposição do interesse nacional.

            O Sr. Lindberg Cury (PFL - DF) - Senador Roberto Saturnino, concede-me V. Exª um aparte?

            O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB - RJ) - Concedo o aparte ao Senador Lindberg Cury.

            O Sr. Lindberg Cury (PFL - DF) - Senador Roberto Saturnino, acompanhei com muita atenção a exposição de V. Exª principalmente no que se refere à situação da Argentina e ao reflexo da economia no Mercosul. Concordo com tudo o que disse o Senador José Alencar, por se tratar da visão ampla acerca da situação internacional de um homem que está no meio empresarial e que conhece bem de perto o quadro. Enfim, foi um acréscimo ao seu pronunciamento. Recebi, por parte do Presidente do Senado, uma das designações mais importantes da minha vida. Representei o Senado em Doha, Qatar, na IV Reunião Ministerial da Organização Mundial do Comércio, e acompanhei bem de perto a situação de nossa agricultura. Junto com os Ministros das áreas produtivas e econômicas, causou-me espanto, porque teríamos de sair de lá com um consenso com todos os 143 países que tinham representantes presentes. Foi difícil. Às vezes, não temos consenso nem na nossa casa. Imaginem com os 143 países participantes dessa quarta conferência! Felizmente ocorreu um consenso, por volta das três horas da madrugada, quando, por fim, os representantes dos países pobres e subdesenvolvidos, num apelo, até fortalecendo uma posição de nosso próprio País, entenderam que os subsídios direcionados pelas estatais aos países europeus, principalmente à França, traziam um prejuízo muito grande aos demais. A própria França, após contestar veementemente, aceitou que a redução gradativa dos subsídios pudesse criar uma incorporação na área de exportação de outros países, propiciando-lhes uma oportunidade. A agricultura francesa subsidiada é, na verdade, uma oponente aos outros países produtores. A partir desse princípio, sentimos que havia uma expectativa também do Brasil de ampliar as fronteiras agrícolas e trabalhar em suas indústrias não apenas exportando os grãos, mas beneficiando-os - não exportar apenas os grãos de café, por exemplo, mas o produto já industrializado -, o que traria um posicionamento mais firme do País na economia mundial. Na verdade, a exportação é importante para o Brasil e para os demais países. Sentimos que nossa agricultura mantém o preço do dólar estabilizado, porque, se não fosse a exportação e, conseqüentemente, a entrada de valores em dólares no nosso País, a cotação do dólar estaria bem mais alta. Faço essas colocações com a visão de quem acompanhou de perto a discussão. Não foi apenas o Brasil que contestou, mas quase todos os demais países presentes na reunião. Para nós brasileiros, creio que foi um affaire importantíssimo. Perdoe-me, mas fiz este registro até porque recebi essa designação e acompanhei as discussões de perto, como também V. Exªs acompanharam, ao longo desse período, pela mídia de uma maneira geral.

            O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB - RJ) - Senador Lindberg Cury, a sua informação e as suas considerações são muito bem-vindas. Manifesto a minha concordância plena com tudo o que disse V. Exª. Têm o meu reconhecimento a delegação brasileira, pelo seu desempenho, e o Ministro Pratini, que tem sido um batalhador. Os resultados conseguidos foram muito importantes e não foram nada de explosivos, porque esse é um processo gradativo mesmo. Vencer essa resistência foi essencial para o Brasil.

            Comentei apenas o que disse o Lula, compreendendo o ponto de vista dos franceses. Sob o ponto de vista estrito dos franceses, dos italianos ou dos espanhóis, proteger sua agricultura é importante. Esse comentário foi feito como contraponto à atitude do Governo brasileiro, que derrubou as nossa tarifas de proteção de uma só vez e expôs a nossa indústria à competição internacional, arrasando grande parte das nossas empresas. Foi esse bom senso que nos faltou, essa prudência de ceder com resistência, gradativamente, em um processo de negociação. Merece aplauso o esforço da nossa delegação, mostrando quão imprudentes foram as nossas autoridades econômicas em fazer uma abertura do mercado de produtos industriais brasileiros da maneira que foi feita, um mergulho no neoliberalismo indiscriminado, sem nenhuma atitude preventiva de guardar alguma coisa para os brasileiros.

            Sr. Presidente, vou encerrar, cumprindo aqui o meu compromisso. Quero agradecer os apartes dos Senadores Lindberg Cury e José Alencar e também a condescendência de V. Exª.

            Muito obrigado.


            Modelo15/24/247:36



Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/12/2001 - Página 30062