Discurso durante a 167ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre os aspectos da concentração urbana no país. Necessidade de uma política nacional de reforma urbana.

Autor
Paulo Hartung (PSB - Partido Socialista Brasileiro/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO.:
  • Considerações sobre os aspectos da concentração urbana no país. Necessidade de uma política nacional de reforma urbana.
Publicação
Publicação no DSF de 05/12/2001 - Página 30132
Assunto
Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO.
Indexação
  • COMENTARIO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), CRESCIMENTO, POPULAÇÃO, ZONA URBANA, GRAVIDADE, DESIGUALDADE SOCIAL, INFERIORIDADE, QUALIDADE DE VIDA, MAIORIA.
  • NECESSIDADE, DEBATE, ALTERNATIVA, GESTÃO, REGIÃO METROPOLITANA.
  • DEFESA, APOIO, MUNICIPIOS, IMPLANTAÇÃO, ESTATUTO, CIDADE, PLANO DIRETOR, AUMENTO, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA.
  • COMENTARIO, GESTÃO, ORADOR, PREFEITO, MUNICIPIO, VITORIA, ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES), PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO URBANO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PAULO HARTUNG (PSB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, segundo o Censo 2000, 81,23% da população brasileira habita em áreas urbanas. É um índice comparável ao dos países desenvolvidos. A diferença é que, em nosso caso, o acelerado processo de urbanização das últimas quatro décadas veio de braços dados com a falta de planejamento e com a manutenção de uma estrutura social profundamente injusta. Daí resultaram cidades divididas, nas quais modernas estruturas urbanas convivem com a miséria, o abandono, a carência de serviços públicos essenciais, a violência, o desrespeito aos valores humanos. Ilhas de prosperidade cercadas por guetos pós-modernos, ligados ao mundo pelas antenas e cabos de TV, mas onde impera a lei do terror, onde a presença do Estado é precária e a má política - a de baixa qualidade - explora a miséria por meio de um novo coronelismo político, agora urbano.

            Há diferentes pontos de vista sobre os critérios para mensurar o tamanho da parcela urbana da população nacional. Representantes e estudiosos ligados ao campo consideram ser um equívoco classificar toda sede municipal como uma cidade. Argumentam - e não sem alguma razão - que, na maioria esmagadora dos pequenos Municípios do interior, a economia e a organização social de suas sedes são extensões do meio rural e que apenas 70% da população poderia ser considerada tipicamente urbana. No entanto, 70% é um percentual altíssimo, se imaginarmos como era a geografia humana em nosso País há 40 anos.

            O Censo 2000, Sr. Presidente, pesquisou dados em 5.507 Municípios, dos quais 88,59% estão compreendidos entre uma faixa de dois mil e 50 mil habitantes. No outro extremo, há 31 Municípios com mais de 500 mil habitantes, dos quais 13 já apresentam população superior a um milhão de habitantes.

            Os dados relativos às 19 regiões metropolitanas consideradas pelo IBGE revelam que nelas estão 40,04% da população do País. Repito: nas dezenove regiões metropolitanas, vivem, hoje, um pouco mais do que 40% da nossa população. Nos últimos nove anos, a taxa de crescimento populacional dessas regiões foi de 2,01% ao ano. No mesmo período, as áreas não-metropolitanas cresceram apenas 1,38%, e a taxa nacional foi de 1,63%. Ou seja, o raciocínio é muito simples: embora não se possa falar de uma explosão de crescimento nas regiões metropolitanas, estas ainda estão sendo sobrecarregadas por expansão territorial e pela ocupação de novas áreas sem infra-estrutura e serviços básicos.

            As grandes concentrações urbanas representam um desafio político de âmbito nacional. É pena que o Parlamento e o Executivo, principalmente, ainda não se deram conta disso.

            O Município de São Paulo tem, hoje, 10,5 milhões de habitantes. Na Grande São Paulo, são 17,8 milhões. As regiões metropolitanas de São Paulo, Rio e Belo Horizonte, juntas, correspondem a 20% da população brasileira. Eu me pergunto: será que o modelo de organização político-institucional dos grandes Municípios deve ser exatamente igual ao dos demais? Parece-me que não. Não seria o caso de partirmos de experiências já existentes no Brasil, como o orçamento participativo, para criarmos arranjos mais descentralizados na estrutura política municipal?

            O mesmo raciocínio serve para os serviços e problemas compartilhados nas áreas metropolitanas, tais como transporte, saneamento, segurança pública, saúde, meio ambiente, assistência social, planejamento econômico e urbano, que engloba o uso e a ocupação do solo. Até hoje, as regiões metropolitanas, lamentavelmente, não saíram do papel. Não seria o caso de iniciarmos um debate sobre a constituição de um novo nível de Governo que contemple o desenvolvimento recente das regiões metropolitanas? Não seria o caso de estudar outras experiências, para buscar um novo modelo nacional de gestão compartilhada das grandes concentrações urbanas?

            Essa, Sr. Presidente, é a primeira vertente do que considero hoje deva compor o esforço pela reforma urbana: a discussão sobre as estruturas de governo sub e supramunicipais.

            No âmbito da organização da gestão urbana, um importante passo foi dado com a entrada em vigor do Estatuto da Cidade. Fruto da mobilização popular durante a Constituinte de 1988 e de uma batalha legislativa que se arrastou por mais de dez anos, nele estão assegurados instrumentos fundamentais de gestão urbana para a democratização do uso e ocupação do solo urbano, entre os quais se destacam os destinados à regularização fundiária dos domicílios das áreas mais carentes da população: as favelas, as vilas, os alagados, as ocupações irregulares e assim por diante.

            Mas, para garantir a implantação da legislação - é importante que todos tenham consciência disto - será necessário apoiar os Municípios no estabelecimento dos instrumentos de gestão urbana. Segundo a Pesquisa de Informações Básicas Municipais de 1999, do IBGE, apenas 15% dos Municípios tinham Plano Diretor Urbano. O índice é mais baixo mesmo para Municípios maiores, sendo de apenas 48% nos de população entre 50 e 100 mil habitantes, e de 61% naqueles entre 100 e 200 mil habitantes. O Estatuto da Cidade estabeleceu que os Municípios acima de 20 mil habitantes, de regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas, que não tiveram o Plano Diretor Urbano, PDU, até a entrada em vigor da Lei, terão cinco anos de prazo para sua aprovação. Mas é importante que os Municípios sejam apoiados financeira e tecnicamente, para que possam implantar planos diretores urbanos efetivos, que ajudem na reorganização do caos urbano que temos pelo nosso País afora.

            Por isso, Sr. Presidente, o fortalecimento e modernização dos instrumentos de gestão urbana, a promoção da participação da sociedade organizada e a regularização fundiária fazem parte de uma segunda vertente que considero da chamada reforma urbana que precisamos implementar no nosso País.

            Cito um exemplo para ilustrar.

            No início do século XX, o Governo Rodrigues Alves (1903-1906), tratou da reforma urbana da capital, a cidade do Rio de Janeiro, como uma questão nacional - que é o que defendo neste pronunciamento. Segundo o resumo histórico da Fundação Oswaldo Cruz, “No alvorecer do século XX, o Rio de Janeiro enfrentava graves problemas sociais, decorrentes, em larga medida, de seu crescimento rápido e desordenado. Com o declínio do trabalho escravo, a cidade passara a receber grandes contingentes de imigrantes europeus e de ex-escravos, atraídos pelas oportunidades que ali se abriam ao trabalho assalariado. Entre 1872 e 1890, sua população duplicou, passando de 274 mil para 522 mil habitantes. O incremento populacional e, particularmente, o aumento da pobreza agravaram a crise habitacional, traço constante da vida urbana no Rio desde meados do século XIX. O epicentro dessa crise era, ainda, e cada vez mais, o miolo do Rio - a Cidade Velha e as suas adjacências -, onde se multiplicavam as habitações coletivas e eclodiam as violentas epidemias de febre amarela, varíola, cólera-morbo, que conferiram à cidade fama internacional de porto sujo” - naquela época.

            Baseada no tripé saneamento, abertura de ruas e embelezamento, a modernização da infra-estrutura urbana tinha como um dos seus principais objetivos fazer da cidade do Rio de Janeiro um cartão de visitas capaz de ajudar o País a atrair capitais estrangeiros. Foi a passagem de algo mais próximo, Sr. Presidente, de uma vila colonial para uma cidade moderna.

            Os bons e maus resultados se fizeram sentir. O "bota-abaixo" que substituiu o velho núcleo colonial da cidade acabou empurrando os setores mais pobres da população, em sua maioria ex-escravos, para a periferia. A ocupação do Morro da Favela, atual Morro da Providência, por um agrupamento de casebres, tornou-se um ícone que passou a denominar esse tipo de ocupação das áreas não urbanizadas das cidades brasileiras. Ao mesmo tempo, os projetos de ampliação do porto, de abertura de avenidas e de embelezamento de logradouros públicos foram a base para que, num curto espaço de tempo, o Rio de Janeiro ganhasse fama internacional e passasse a ser conhecida como “a cidade maravilhosa”.

            No início do século XXI, o Brasil também precisa de uma reforma urbana, de um amplo projeto nacional de reforma urbana que resolva os graves problemas de crescimento urbano desordenado e que incorpore uma visão clara sobre o papel estratégico das cidades na rede da economia global, papel que têm hoje e que não tinham no passado. Na era pós industrial, da economia do conhecimento, o desenvolvimento urbano não pode mais ser visto como simples conseqüência, como mero elemento de atração e suporte econômico, pois passou a ser uma fonte propulsora essencial de desenvolvimento e promoção da troca de serviços, informações e conhecimento.

            Nos eixos de integração que norteiam a visão de planejamento do atual governo, não há definição explícita da dimensão urbana. E faço um pequeno comentário: o caos urbano é custo-Brasil, a ineficiência de nossas cidades dificulta a competição do nosso País neste mundo integrado e difícil de competir. Diversas questões que dizem respeito às cidades continuam sendo tratadas como elementos independentes. Habitação, transporte de massa, segurança pública, saneamento, meio ambiente, geração de renda, turismo, ação social e diversas outras funções fragmentam-se em centenas de iniciativas, repartições federais e dotações orçamentárias.

            Em minhas experiências como Prefeito de Vitória e na Diretoria da Área Social do BNDES, pude observar que apenas a ação integrada garante eficácia aos programas de urbanização, em particular nas intervenções feitas em áreas carentes como favelas, alagados, lixões e assim por diante.

            O Projeto São Pedro, Sr. Presidente, só para citar um exemplo, transformou a região mais pobre a cidade de Vitória e foi uma experiência premiada nacional e internacionalmente. Ocupações irregulares sobre o manguezal, lixões, palafitas, esgotos a céu aberto e dramáticos indicadores sociais foram substituídos por um conjunto de bairros urbanizados e integrados à cidade formal. Associando investimentos em infra-estrutura com programas sociais, ambientais, com a expansão da rede de serviços públicos, regularização fundiária e programas de geração de emprego e renda, de ocupação produtiva e renda, promoveu-se o assentamento sem expulsão e a transformação da paisagem urbana sem destruir os laços comunitários tão importantes.

            Os resultados são incontestáveis. Os índices de mortalidade infantil, por exemplo, caíram de mais de 30 mortos por 1000 nascidos para um patamar de 10 mortos por 1000 nascidos, abaixo mesmo da média atual da cidade de Vitória. Numa área que anteriormente era o lixão da cidade e conhecida como lugar de toda pobreza, floresceu, Sr. Presidente, o comércio, que agora é pólo de atração de investimentos privados.

            A atual administração de Vitória aplicou essa concepção, aperfeiçoando-a na criação e implantação de um novo projeto na cidade, conhecido localmente e, agora, nacionalmente, porque foi um projeto premiado recentemente, como Projeto Terra, que integra ações de cunho social, ambiental, urbanístico, tendo como foco não mais regiões como a da Grande São Pedro, que são regiões de manguezais, mas os morros da cidade de Vitória.

            Em 1996, seguindo as orientações da Rio 92, lançamos a iniciativa pioneira no Brasil de estabelecer uma Agenda 21 para a nossa cidade. Esse projeto foi denominado Vitória do Futuro e, hoje, é apontado pelo Ministério do Meio Ambiente como uma referência nacional. No próximo ano, será celebrada a conferência mundial Rio+10, em Joanesburgo. Essa, na minha visão, é uma excelente oportunidade para unir esforços e ampliar o número de cidades brasileiras que planejem o seu desenvolvimento sustentável nos moldes da Agenda 21.

            Por isso, a perspectiva de integração, na minha opinião, deve nortear a terceira vertente, o terceiro pilar do que considero a Reforma Urbana brasileira. E a Reforma Urbana brasileira precisa ser considerada questão prioritária no desenvolvimento nacional por tudo que disse e por tudo que vivenciamos, cada hora, cada momento, cada minuto, nas cidades brasileiras.

            Há a necessidade de estruturação de um Ministério da Reforma Urbana que incorpore, articule e formule as políticas setoriais, hoje, como disse anteriormente, absolutamente dispersas, quando não inexistentes. A criação desse Ministério, portanto, é importante para que se otimize os investimentos compartilhados e se promova a integração entre Municípios e regiões metropolitanas.

            Os complexos problemas das cidades brasileiras não podem ser respondidos somente pelos executivos municipais. Cidades sustentáveis devem ser tarefa conjunta de governadores, prefeitos, legislativos, sociedade, mas o Governo Federal, nesse quadro, assume um papel de relevância na medida em que deve liderar o movimento e, principalmente, estabelecer condições e recursos suficientes. Por isso defendo uma Reforma Urbana baseada na discussão de novos modelos de estruturas, de ações de fortalecimento da capacidade de gestão urbana dos Municípios, como iniciamos, timidamente, com o Estatuto das Cidades, e também com uma política urbana integrada no âmbito nacional.

            Em síntese, uma política nacional, mas pensada de baixo para cima, a partir das necessidades das próprias cidades, destinada a apoiar o poder local, na promoção do desenvolvimento sustentável, no fortalecimento da gestão participativa e na melhoria da qualidade de vida dos brasileiros.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.

 

            


            Modelo14/29/2412:07



Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/12/2001 - Página 30132