Discurso durante a 167ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas às declarações do candidato à Presidência da República, Sr. Ciro Gomes, aos políticos brasileiros. Transcrição, nos Anais do Senado, do artigo do jornal Estado de S.Paulo, edição de 12 de novembro, intitulado "Crise política não afeta a agenda do Legislativo".

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. LEGISLATIVO.:
  • Críticas às declarações do candidato à Presidência da República, Sr. Ciro Gomes, aos políticos brasileiros. Transcrição, nos Anais do Senado, do artigo do jornal Estado de S.Paulo, edição de 12 de novembro, intitulado "Crise política não afeta a agenda do Legislativo".
Publicação
Publicação no DSF de 05/12/2001 - Página 30180
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. LEGISLATIVO.
Indexação
  • COMENTARIO, DITADURA, AMBITO INTERNACIONAL, PROVOCAÇÃO, CRISE, OPINIÃO PUBLICA, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA.
  • REPUDIO, DECLARAÇÃO, CIRO GOMES, EX GOVERNADOR, ESTADO DO CEARA (CE), CANDIDATO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), INFERIORIDADE, POLITICO.
  • DEFESA, APROVAÇÃO, REFORMA JUDICIARIA, REFORMA POLITICA, BENEFICIO, JUSTIÇA SOCIAL, DEMOCRACIA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ELOGIO, CONTINUAÇÃO, TRABALHO, CONGRESSO NACIONAL, PERIODO, CRISE, LEGISLATIVO.

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            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a história contemporânea nos ensina que não há caminho mais curto e seguro para o surgimento de regimes autoritários do que o descrédito popular nas instituições democráticas. Quando não há mais ninguém disposto a levantar a voz a favor do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, dos Tribunais, do Ministério Público e, em última instância, da própria Constituição, então o caminho fica livre para que alguma personalidade ou algum grupo mais ousado e aventureiro resolva fazer as coisas a sua maneira.

            Por pior que sejam alguns dos nossos políticos - e certamente há bons e ruins -, o único regime em que políticos eleitos governam o Estado é a democracia liberal. Na ditadura mandam os generais, os burocratas, os tecnocratas, os clérigos, mas jamais os políticos!

            Hitler e os nazistas, por exemplo, chegaram ao poder - curiosamente por via legal - em 1933, num contexto em que as instituições democráticas da República de Weimar eram motivo de galhofa, sinônimo de fraqueza, de venalidade, de vacilação, de inoperância para reconduzir a Alemanha ao caminho da prosperidade.

            Lênin e os bolcheviques, por sua vez, em 1917, souberam tomar partido da falta de legitimidade da incipiente monarquia constitucional, bem como da ausência de apoio com que contava a Duma, o parlamento russo. Quando se viram em minoria na Assembléia Constituinte, eleita em novembro de 1917, simplesmente a dissolveram à força, em janeiro do ano seguinte, e implantaram a ditadura, chamada “ditadura do proletariado”.

            No Brasil, em 1964, um grupo de militares pôs fim ao regime constitucional de 1946, escudados na rejeição popular aos políticos e às instituições democráticas brasileiras, vistas, pelas facções de esquerda, como empecilho às reformas sociais e, pelas facções de direita, como incentivo à desordem. No meio do tiroteio, a Constituição restou sem defensores fortes o suficiente para barrar tanto o processo revolucionário que tomava alento quanto a ditadura contra-revolucionária. O resultado foi uma noite de 20 anos.

            Todas essas lições da história nos dizem que não se devem confundir as instituições liberal-democráticas com as pessoas que ocasionalmente ocupam nelas posições de mando ou de destaque. Dizem mais: que, no que se refere à democracia, a principal virtude é a paciência, pois, infelizmente, pela sua própria natureza, as instituições democráticas demandam tempo para se consolidarem e se aperfeiçoarem. Por fim, os políticos mudam: vão-se embora uns, chegam outros; já as instituições democráticas, quando, desacreditadas, mudam. Muda também com elas o tipo de regime.

            Ocorreu-me esse comentário a propósito de declaração - publicada nos jornais de 19 de outubro último - atribuída ao candidato à Presidência da República pelo PPS, o ex-Governador do Ceará Ciro Gomes. A declaração, segundo o jornal O Globo, foi proferida durante um debate sobre ética e cidadania, no Encontro Nacional da Construção Civil, realizado em Fortaleza. O presidenciável Ciro Gomes teria dito - desculpem-me a expressão - que “esterco de galinha e político” são a mesma coisa.

            Ora, Sr. Presidente, partindo essa afirmação de um político, é realmente de se lamentar.

            Em que pesem a evidente deselegância e o mau gosto da sentença, externada por alguém que pleiteia o cargo máximo do País, cometeu-se também o erro de avaliação. Tratou uma realidade complexa de maneira simplificadora, foi maniqueísta e empobreceu o debate sobre um tema tão importante, que é a ética na política. Foi injusto irresponsável e leviano. Não há nada mais emburrecedor do que a generalização, processo intelectual em que se colocam no mesmo saco coisas diversas, em geral, nos afastando das reais dimensões dos fatos. São declarações deste tipo: “Todo político é ladrão”, “Ninguém presta no Congresso Nacional”, Deveriam ser todos presos”, que desacreditam as instituições liberais democráticas ao desacreditar os políticos e de forma totalmente estéril sem que se apresente nada de positivo para melhorar uma situação percebida como insatisfatória.

            Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, há um longo e pedregoso caminho que nos levará com persistência e sabedoria ao aperfeiçoamento das instituições democráticas brasileiras e, conseqüentemente, a sua maior legitimidade junta à opinião pública.

            Os problemas a superar são muitos e variados, mas não resta dúvida de que, em termos gerais, um deles - e refiro-me a problemas institucionais - é a lentidão do Poder Judiciário. Penso que, se pudéssemos melhorar o funcionamento dos tribunais, metade das nossas insatisfações institucionais estariam resolvidas, pois a percepção popular - a percepção correta, pois se apóia em fatos que a realidade confirma a cada dia - é que não existe punição para o rico e para o poderoso; de que cadeia no Brasil é um lugar destinado exclusivamente a pessoas pobres e humildes. Ora, isso é um grande incentivo à roubalheira generalizada a que assistimos. No território nacional, até prova em contrário, o crime compensa.

            Os exemplos são muitos e seria cansativo citá-los todos, desde os anões do Orçamento até o caso mais rumoroso do ex-Presidente Fernando Collor de Melo. São casos que se acumulam, que se repetem em circularidade enfadonha e minam toda a confiança da população no vigor das instituições brasileiras. Que eu me lembre, o único caso de político punido pela instância parlamentar que também foi punido pela Justiça é o do ex-Deputado Hildebrando Paschoal, que cometeu, entre outros, crimes de sangue.

            Então, Sr. Presidente, por todos esses exemplos, digo que a primeira medida saneadora a ser tomada em favor das instituições seria uma reforma do Poder Judiciário - que está sendo apreciada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado -, em que se incluísse o controle externo desse Poder, exercido não somente por representantes idôneos do próprio Poder, mas também por outros que não fossem magistrados. Tal controle não seria, naturalmente, de caráter jurisdicional, âmbito da absoluta independência do Poder Judiciário, mas teria função de administração, de corregedoria e de ouvidoria dos reclamos da população. Há de se romper o corporativismo que impede que avance o regime democrático.

            Haveria também outras áreas em que atuar para fortalecer a legitimidade de nossa incipiente democracia, como o fim da imunidade parlamentar como está hoje definida - o que já é objeto de proposição legislativa em tramitação no Congresso, que já foi, em parte, aprovada -, a reforma política, permitindo maior independência do Parlamentar eleito em relação ao poder econômico, e muitas outras.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, achincalhar as instituições e os políticos, de forma generalizada, não constitui em nada para o aperfeiçoamento democrático. Muito pelo contrário, tal atitude tem o poder de minar, de enfraquecer o que arduamente temos construído nos últimos anos. Esse tipo de comportamento desculpamo-lo no vulgo, no homem simples do povo, mas é inadmissível em um candidato à Presidente da República, em um político experiente que ocupou cargos de muita responsabilidade, como o de Governador do Ceará.

            São essas as palavras que queria dizer hoje, nesta tribuna. Faço, por fim, votos de que a avidez em galgar o posto máximo da Nação não leve os candidatos a abandonarem-se à demagogia e às formas de popularidade fácil, em um evidente equívoco de que tenta chegar ao popular por meio do simplismo redutor, bem como o afã de vender jornais e revistas ou ter audiência alta no Ibope leve os meios de comunicação a funcionarem como cupins das nossas instituições democráticas, sem perceber, inclusive, que, sem elas, o resultado é a ditadura e uma das principais vítimas desse regime em que somente o Executivo predomina é justamente a Imprensa, atacada pela censura, pela prisão, pela morte de jornalistas e pelo fechamento dos meios de comunicação.

            Por fim, Sr. Presidente, para encerrar meu pronunciamento, peço a V. Exª que determine seja dado como parte integrante dele uma matéria publicada no jornal O Estado de S.Paulo, edição do dia 12 de novembro, que tem como manchete “Crise política não afeta agenda do Legislativo”. O artigo mostra um quadro que deveria ser mais divulgado pela TV Senado, pelo Jornal do Senado e pela Rádio Senado, apresentando o ano produtivo que tiveram tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado Federal.

            Para não ler todos os tópicos, quero dizer apenas que 106 matérias foram aprovadas pelo Senado e enviadas à Câmara dos Deputados neste ano e que 60 matérias foram aprovadas pela Câmara dos Deputados e enviadas ao Senado. Portanto, o Senado trabalhou quase que o dobro, o que é compreensível, porque, na Câmara dos Deputados, o processo legislativo é muito mais complexo, dado o número de Parlamentares e de Comissões.

            Entretanto, mesmo quando a imprensa publica uma matéria positiva para o Poder Legislativo, ela sempre o faz de maneira a deixar alguma margem para mostrar que o Poder Legislativo não é bom.

            A matéria começa assim:

      É difícil acreditar. Mas, mesmo com toda a turbulência política deste ano, que começou com a conturbada disputa entre os partidos da coalizão governista pelo comando do Legislativo, passou por uma avalanche de denúncias de corrupção e culminou com a renúncia de três poderosos senadores ante a ameaça de cassação, a agenda do Congresso não ficou comprometida.

            Repito: rogo que o artigo, principalmente o quadro com os dados estatísticos, seja transcrito como parte do meu pronunciamento.

            Lamento que, infelizmente, não só a imprensa como também muitos setores da nossa elite teimem em pensar que, atacando o Congresso Nacional e a classe política, estejam contribuindo, de alguma forma, para o aperfeiçoamento da nossa democracia. É bom que esta hora seja realmente de reflexão. Nós, que estamos recém-saídos de um período grande de regime de exceção, estamos ainda incipientes na consolidação da nossa democracia.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

            (Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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            Modelo15/18/245:05



Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/12/2001 - Página 30180