Discurso durante a 167ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a exploração do trabalho infantil, reportando-se à realidade do Estado do Pará.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Considerações sobre a exploração do trabalho infantil, reportando-se à realidade do Estado do Pará.
Publicação
Publicação no DSF de 05/12/2001 - Página 30197
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, DADOS, RELATORIO, DELEGACIA REGIONAL DO TRABALHO (DRT), GRAVIDADE, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA, ESTADO DO PARA (PA), PREJUIZO, ESCOLARIZAÇÃO, OCORRENCIA, PROSTITUIÇÃO, CONSUMO, DROGA, ACIDENTE DO TRABALHO, DOENÇA PROFISSIONAL.
  • CRITICA, INEFICACIA, PROGRAMA, RENDA MINIMA, GOVERNO FEDERAL, VINCULAÇÃO, MATRICULA, CRIANÇA, ESCOLA PUBLICA, CONTINUAÇÃO, MISERIA, TRABALHO, INFANCIA, NECESSIDADE, POLITICA SOCIAL, COMBATE, DESEMPREGO, FAMILIA.

  SENADO FEDERAL SF -

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           O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, peço a atenção de V. Exªs para tratar de um tema que considero uma das maiores excrescências do nosso País. Falo da exploração do trabalho infantil, em que milhares de famílias brasileiras, na luta pela sobrevivência, se vêem obrigadas a expor seus filhos às mais diversas formas de trabalho.

            Essa é, de fato, uma das faces mais cruéis dos problemas sociais do nosso País. Embora a exploração do trabalho infantil seja uma realidade presente nos vários Estados brasileiros, vou-me reportar à realidade do Pará, Estado que represento, onde essa prática é comum e corriqueira.

            De 25 Municípios do Pará visitados pela Delegacia Regional do Trabalho, entre janeiro e setembro deste ano, para investigar as denúncias de exploração da força de trabalho infantil, em 21 deles as denúncias foram comprovadas. Os relatórios dos técnicos da DRT materializam a realidade de milhares de crianças, forçadas pela miséria a trabalhar e deixar para mais tarde ou nunca mais as salas de aulas.

            Das cerca de 900 mil crianças e adolescentes entre 5 e 15 anos que vivem no Pará, mais de 99 mil trabalham nos setores formal e informal da economia. São milhares de crianças e adolescentes que trabalham nas mais variadas atividades, tais como: vendedores ambulantes, engraxates, borracheiros, empregados domésticos, cozinheiros, faxineiros, catadores de lixo, carvoeiros, ajudantes de olarias, catadores de caranguejos e mariscos, dentre outras atividades. Além disso, muitos são envolvidos no uso e tráfico de drogas e, sobretudo as meninas, na prostituição. A jornada média de trabalho é de 8 horas, em muitos dos casos, entrando pela noite e madrugada. A maioria trabalha em situação de risco, exposta a danos físicos, mentais e psicológicos.

            No Município de Abaetetuba, por exemplo, persistem as ocorrências de mutilações em crianças que trabalham nas “marombas”, equipamento para fabricação de tijolos. Dezenas de meninos e meninas empregados em olarias tiveram amputados dedos dos pés, das mãos ou até membros inteiros. 

            Em Quatipuru, na região do Salgado, nordeste do meu Estado, os pesquisadores encontraram casos de crianças com deficiência auditiva causada por mergulhos a grandes profundidades para apanhar mariscos, que na região são conhecidos como mexilhões. Nesta mesma região também é comum encontrar menores com cortes nas mãos e nos pés, adquiridos na atividade de captura de caranguejos. Em Alter do Chão, Município de Santarém, elevado recentemente a patrimônio cultural e turístico do Estado, foram constatados casos de menores que se prostituem e fazem “shows de striptease” em navios de turismo, que eles alcançam em botes frágeis e perigosos. Também atuam como ponta visível do tráfico de animais silvestres. De acordo com os conselhos tutelares, o quadro mais grave de prostituição está em Rondon do Pará, envolvendo meninos e meninas entre 11 e 17 anos.

            As madeireiras, presentes em muitos Municípios do Pará, para manterem os empregados próximos dos locais de trabalho, constróem vilas e com isso, não só o empregado, mas toda a família é envolvida no trabalho, sobretudo na produção do carvão, em aproveitamento dos restos de madeiras. As carvoarias são as principais responsáveis por mutilação de crianças que queimam as mãos ou os pés, e que sofrem problemas respiratórios, dado a exposição constante à fumaça que resulta da queima da madeira.

            O que é mais grave, Srªs e Srs. Senadores, é que em ambientes onde as pessoas estão acostumadas à miséria, principalmente na zona rural e nos pequenos povoados, o trabalho infantil não é visto como um crime. O menor costuma ser encarado apenas pelo lado da necessidade básica da sobrevivência, onde qualquer pessoa - não importa a idade - pode contribuir para reforçar o orçamento doméstico. A educação, como possibilidade de melhora de vida a longo prazo, fica em segundo plano diante da urgência de sobreviver. Assim, entre a remota possibilidade de ter um filho doutor e a necessidade imediata de ganhar dinheiro para comer, a maioria fica com a última alternativa.

            Repetência e evasão escolar entram em cena como mais uma conseqüência da exploração do trabalho infantil. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD), parcela significativa das crianças que trabalham na rua são analfabetas ou estão atrasadas nos estudos.

            O trabalho infantil, Sr. Presidente, é uma questão difícil de ser combatida com meras proibições e punições; isso só agravaria a situação financeira dessas famílias.

            O Programa Bolsa-Escola poderia contribuir fortemente para a solução desse problema, não fosse um arremedo de programa, que foi encampado pelo Governo Federal, como um instrumento para enganar a população e como marketing político que consome somas vultosas em propaganda.

            O Bolsa-Escola do Governo Federal destina 15 reais mensais a cada criança mantida na escola, limitando a 45 reais ou 3 crianças a quota de cada família inscrita. Mães e pais estão enfrentando filas enormes para suas inscrições, enquanto os prefeitos são pressionados a aderir ao programa federal.

            Sr. Presidente, o que representam 15 reais por mês diante da miséria, determinada pelo desemprego ou subemprego que, por sua vez, desencadeiam processos de desagregação familiar? Como sanar as carências nutricionais de uma criança, de uma família, com 15 reais? Se o Governo Federal não fez essas contas, as famílias abaixo da linha da pobreza já fizeram e chegaram ao resultado: mandam os filhos à escola, para garantir os 15 reais, mas continuam enviando as crianças também para a rua, para garantir a sobrevivência.

            Isto não é fantasia minha, Srªs e Srs. Senadores, estou apenas reproduzindo o que foi constatado pela Delegacia Regional do Trabalho: as crianças entram no Programa como forma de receber mais 15 reais, mas elas mesmas ou suas famílias não abrem mão da renda quatro ou cinco vezes maior, conseguida fora de casa e fora da escola. Estão apenas se dividindo em jornadas diárias de escola e trabalho. Isso quando não trabalham à noite, em portas de festas e casas noturnas. Em suma: o quadro de danos resumidos no termo “situação de risco” está mantido e as famílias prosseguem na rotina da pobreza absoluta.

            Vou rapidamente citar um caso que aconteceu em meu Estado há poucos dias e que ilustra claramente a situação. Um garoto foi baleado por um motorista num cruzamento bastante movimentado da cidade de Belém, simplesmente por ter limpado o pára-brisa de um carro e pedido uma moeda em troca. Trata-se de um menino de apenas 12 anos, que se viu obrigado a atuar como flanelinha, para ajudar a família, por estar o pai desempregado. Isso se deu à luz do dia, Srªs e Srs. Senadores, e, infelizmente, a presença de garotos nos cruzamentos, portanto, sujeito a essa mesma sorte, é comum.

            Organizações civis que desenvolvem projetos voltados para crianças e adolescentes sabem que um menor que trabalha ganha muito mais que 15 reais por mês. Por exemplo, na venda de bombons, como são chamados em meu Estado as balinhas e os docinhos, ou mesmo como flanelinha, uma criança apura mensalmente entre 80 e 150 reais, dependendo do ponto de trabalho.

            Somente em Belém a Delegacia do Trabalho verificou a situação de 2.328 crianças e adolescentes. Destes, 78% estavam trabalhando, os outros, perambulando, mendigando ou, prostituindo-se.

            Há de se ressaltar que quase a metade, 48,53%, desses meninos e meninas têm relação de trabalho assalariado e, dentre estes, 72% recebem menos que um salário; 49% trabalham por conta própria e um terço deles estão declaradamente longe da escola. 

            É duvidoso que esse retrato possa ser pelo menos retocado por 15 reais mensais. Solução de fato seria atacar as causas do problema, também levantadas pela DRT: desemprego ou subempregos nas famílias, que determinam fome, carências nutricionais e quadros de violência doméstica que podem evoluir para espancamentos, torturas e abusos sexuais de menores; mudanças forçadas para a capital (no caso das zonas urbanas); demissões de pais e tudo o que forma o abismo de desigualdades aberto pela situação socioeconômica do País. É um problema muito sério para ser tratado a partir de programas governamentais que parecem destinados apenas à propaganda.

            Não me canso de dizer, Sr. Presidente, que o Brasil está precisando de governo sério: de Governo Federal e também de Governos Estaduais que comandem políticas públicas voltadas para o enfrentamento dos graves problemas sociais que temos; de políticas voltadas ao desenvolvimento econômico do País, que gerem empregos e combatam os problemas na raiz. Enquanto a prioridade for fazer superávit para pagar banqueiros e os juros permanecerem em níveis estratosféricos - o que só atende aos interesses de especuladores - continuaremos com políticas sociais pífias que servem apenas de esmola. Não é à toa que o programa que o Governo Federal tanto alardeia, nas propagandas de televisão e rádio, já está sendo apelidado pelo povo de bolsa-esmola.

            Era o que eu tinha a dizer.

 

            


            Modelo14/29/247:28



Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/12/2001 - Página 30197