Pronunciamento de Marina Silva em 05/12/2001
Discurso durante a 168ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Contestação da versão oficial do assassinato do sindicalista João Dantas, do Rio Grande do Norte.
- Autor
- Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
- Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
SEGURANÇA PUBLICA.
:
- Contestação da versão oficial do assassinato do sindicalista João Dantas, do Rio Grande do Norte.
- Aparteantes
- Geraldo Cândido, Heloísa Helena.
- Publicação
- Publicação no DSF de 06/12/2001 - Página 30313
- Assunto
- Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
- Indexação
-
- CRITICA, INTERPRETAÇÃO, HOMICIDIO, JOÃO DANTAS, SINDICALISTA, ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN), RESPONSAVEL, APURAÇÃO, COMBATE, CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, LICENCIAMENTO, EXPLORAÇÃO, MANGUE, DESRESPEITO, LEGISLAÇÃO, MEIO AMBIENTE.
- DISCORDANCIA, INVESTIGAÇÃO, POLICIA CIVIL, HIPOTESE, LATROCINIO, FATO CRIMINOSO, ESCLARECIMENTOS, SUSPEIÇÃO, ORADOR, OCORRENCIA, PLANEJAMENTO, CRIME.
- DEFESA, NECESSIDADE, POLICIA FEDERAL, APURAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, VERACIDADE, MOTIVO, CRIME, CONFIRMAÇÃO, PROVA, ABANDONO, HIPOTESE, LATROCINIO.
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Como líder.. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, sei que V. Exª sempre dá uma tolerância generosa de cinco minutos, de sorte que ficarei com vinte minutos. Obrigada.
Srªs e Srs. Senadores, trago, infelizmente, uma notícia triste e que, com certeza, deve revoltar a todos. Sei que V. Ex.ªs são testemunhas de que, há alguns dias, venho tratando de uma problemática que envolve a implementação de investimentos de carcinicultura nos mangues do nordeste.
No Rio Grande do Norte, infelizmente, em função da ação do Ibama, numa megaoperação ao combate à carcinicultura ilegal, que não está observando a legislação ambiental, no dia 30 de novembro, houve o assassinato do Sr. João Dantas de Brito, de 55 anos, casado, pai de quatro filhos. O assassinato se deu na residência desse fiscal do Ibama, dentro da Flona de Nísia Floresta, no Rio Grande do Norte, junto ao escritório regional do Ibama. Quatro homens encapuzados chegaram à portaria da Flona em um veículo Hilux luxo, renderam o porteiro, invadiram a casa do fiscal e o mataram com vários tiros, diante de sua esposa.
Desejo fazer este registro, Sr. Presidente, com tristeza e, ao mesmo tempo, com indignação, pois várias entidades ambientalistas do Nordeste, particularmente do Rio Grande do Norte, vêm denunciando a prática ilegal da carcinicultura, do abuso que as pessoas cometem em relação a nossos manguezais.
Levei a denúncia ao Dr. Hamilton Casara, que a acolheu e enviou uma equipe de 14 funcionários do Ibama, a fim de realizar uma megaoperação de proteção dos manguezais, no Rio Grande do Norte. E como resultado de uma série de multas e ações levadas a cabo contra aqueles que estavam com licenciamentos completamente irregulares, fora dos padrões do que a legislação ambiental do País exige, pessoas foram multadas e tiveram seus empreendimentos suspensos em alguns casos.
A argumentação da Polícia Civil - não da Polícia Federal, que tem uma outra versão - é de que foi latrocínio. Mas essa versão não condiz com os fatos, até porque, segundo levantamento feito, os assassinos levaram exatamente três revólveres, munições para armas calibres 22, 32 e 38, uma carabina, a quantia de R$230,00 e uma máquina fotográfica.
Ora, pessoas encapuzadas, dentro de um carro Hilux de luxo, ostentando um padrão de vida elevado, entraram em um espaço público, renderam o vigia, arrombaram a porta da casa de uma família e cometeram um crime bárbaro como esse para levar a quantia de R$230,00 e armas que, com certeza, não terão nenhuma utilidade, eu diria, Sr. Presidente. Na verdade, o que temos aqui é um ato criminoso, premeditado, uma ação de vingança, de revanche por parte daqueles que tiveram seus interesses contrariados. Já vi esse filme várias vezes na Amazônia, com o assassinato de Chico Mendes, de Irvair Higino, de Calado, do companheiro Wilson Pinheiro e de tantas pessoas que, da minha adolescência à minha fase adulta, vi serem assassinadas pelo argumento de que se tratava de algum problema pessoal. Mas, na verdade, o que acontecia era que os fazendeiros da época tinham seus interesses contrariados em função dos investimentos predatórios que queriam realizar. Então, precisavam expulsar os seringueiros de seus lugares de trabalho e, como havia resistência, os fazendeiros revidavam assassinando as lideranças. Neste caso, não se tratava de uma liderança popular de um movimento ambientalista ou de pescadores artesanais. Tratava-se de uma pessoa que estava cumprindo com sua obrigação como funcionário público federal de uma instituição que tem a obrigação de preservar o nosso patrimônio natural, as nossas riquezas naturais e, nesse caso, os nossos manguezais.
De sorte, Sr. Presidente, que estou aqui falando em nome de todos os funcionários que, nesse momento, estão sofrendo a dor da perda de um companheiro, pela família de João Dantas de Brito, sua esposa e seus quatro filhos, que tiveram esse episódio lamentável em seu lar.
A Sr.ª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Permite-me V. Exª um aparte?
A SR.ª MARINA SILVA(Bloco/PT - AC) - Ouço V. Exª com prazer.
A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senadora Marina Silva, quero saudar o seu pronunciamento e compartilhar a preocupação, inclusive já discutida na Casa por V. Exª, com relação ao complexo estuarino lagunar, os manguezais espalhados por este País e de forma muito especial no Nordeste. Tive a oportunidade de ver V. Exª fazendo um pronunciamento, na semana passada, trazendo preocupações gigantescas em relação ao tema, sobre a necessidade de esta Casa se debruçar sobre esse tema tão importante. O complexo estuarino lagunar de Alagoas pode alimentar diretamente mais de cem mil pessoas e infelizmente é vítima da irresponsabilidade governamental, da poluição gigantesca, da poluição até com organoclorado - algo gravíssimo! O mais doloroso de uma situação como essa é que um fiscal da lei, uma pessoa que nada mais está fazendo do que cumprir com sua obrigação como servidor público, ao cumprir com essa obrigação, é covardemente assassinado. Eu também, como V. Exª, não tenho dúvida: não acredito nesse tipo de coincidência, justamente de ser morto o servidor que levava o material apreendido em uma atividade de fiscalização. Portanto, compartilho sua preocupação e saúdo o pronunciamento de V. Exª. É de fundamental importância que exijamos da Casa e da Polícia Federal o estabelecimento de mecanismos para acompanhar a investigação de um crime como esse. Quando se faz uma ocupação num prédio público, imediatamente a Polícia Federal é acionada para retirar os pobres que ali estão. Num momento como esse, em que um servidor público é assassinado covardemente, com o assassinato absolutamente vinculado a seu trabalho, é de fundamental importância que isso seja de fato investigado. Pois, como bem disse V. Exª, não é apenas pela dor da família e dos amigos, se a investigação não se realizar pode fortalecer, pelo medo da impunidade, a convicção dos outros servidores de que não vale a pena cumprir com suas obrigações. Imaginem V. Exªs o que não passa pela cabeça de um servidor que vê o companheiro de trabalho ser assassinado brutalmente em função do cumprimento de suas obrigações! Além do que, os seus salários são aviltados, há uma condição de miserabilidade crescente, muitas tarefas e poucas condições de trabalho e, diante de uma situação como essa, cria-se o desespero pelo fortalecimento da impunidade, o que leva às mais diversas formas de violência. Quero, portanto, saudar o pronunciamento de V. Exª e exigir que as autoridades possam garantir a agilidade necessária para não difundir o medo, impedindo que o trabalho do serviço público seja feito.
A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Agradeço o aparte de V. Exª e o incorporo ao meu pronunciamento.
O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) - Permite-me V. Exª um aparte?
A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Concedo o aparte ao Senador Geraldo Cândido.
O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) - Senadora Marina Silva, quero parabenizá-la pelo seu pronunciamento e solidarizar-me com a preocupação que V. Exª tem com relação à questão da defesa do meio ambiente, de nossa floresta, de nosso povo. Quero também solidarizar-me com a família do servidor assassinado. Ano passado estive no Rio Grande do Norte e fiquei hospedado em uma pousada no litoral situada em uma região onde havia várias criações de camarão. Os produtores de camarão são os maiores predadores pois, para implantarem seu sistema de criação de camarão, desmatam a localidade; eles tanto atingem a mata atlântica, que ainda existe, quanto o manguezal. É uma atividade bastante agressiva ao meio ambiente e deveria ser proibida no Brasil da forma como é feita. Além de utilizarem esse tipo de expediente, ainda jogam no mar um produto que é proveniente da lavagem dos tanques onde são criados os camarões. Tal produto provoca a morte de caranguejos, de siris e até moluscos. Conversei com pescadores de uma colônia de pescadores da região que disseram estar sem trabalho, porque esse produto, que é tóxico, mata os peixes e isso está tirando a sobrevivência dos pescadores. Chegamos a fazer uma denúncia ao Ibama da região. O camarão é um produto muito vendido e também exportado - lá estão holandeses, suíços, europeus que fazem esse tipo de atividade, que, à primeira vista, parece gerar empregos na região, o que não é verdade; essa atividade não traz emprego e nem progresso, o que gera é desmatamento, é prejuízo e a agressão ao meio ambiente. Parabenizo-a pelo pronunciamento e me solidarizo com a família do companheiro João Dantas. Registro também que precisamos exigir a apuração do crime cometido contra um trabalhador que estava cumprindo o seu dever.
A SR.ª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Muito obrigada, Senador Geraldo Cândido, incorporo o aparte de V. Exª ao meu pronunciamento.
Sr. Presidente, quero registrar que alguns fatos são por demais estranhos, fatos que envolvem essa problemática que, segundo a Polícia Federal, não pode ser aceita como sendo apenas um crime seguido de roubo, porque há o envolvimento de pessoas que tinham interesse em ceifar a vida de João Dantas por causa dos fatos que ele vinha apurando e das multas que aplicava a quem estava praticando a carcinicultura de forma ilegal, irregular.
Desses fatos poderia elencar alguns. Um deles é o de que os colegas de João Dantas dizem que ele andava muito estressado, mencionando ameaças que vinha sofrendo da parte de pessoas atingidas pela fiscalização do Ibama.
Às vésperas de sua morte, tiveram uma conversa com o gerente local do Ibama, de onde saiu ainda mais aborrecido. Comentou com um colega que o gerente local lhe havia recomendado silêncio em relação a algumas informações que seriam pedidas pela equipe do Ibama federal que fiscaliza, em Natal, o empreendimento de carcinicultura em manguezais.
No dia 30 de novembro passado, foi visitado e entrevistado pela equipe da megaoperação carcinicultura e, segundo o Dr. Simões, membro dessa equipe que foi de Brasília, João Dantas prestou prontamente todas as informações que lhe foram requeridas; ou seja, havia uma recomendação, por parte do Superintendente do Ibama do Rio Grande do Norte, de que ele não passasse tantas informações para a equipe de Brasília. No entanto, quando João Dantas foi procurado pelo Dr. Simões, que fazia parte da equipe de Brasília, ele prestou todas as informações, quer dizer, contrariou a ordem do seu chefe. Logo, muitas coisas precisam ser esclarecidas. Não podemos nos conformar com a versão que a Polícia do Estado do Rio Grande do Norte está querendo vender para a sociedade brasileira de que se trata de latrocínio, e a Polícia Federal tem que investigar o caso. Graças a Deus ela já está fazendo isso, porque senão, daqui a pouco, vamos ter o caso encerrado e, como muito bem disse a Senadora Heloísa Helena, criando uma intimidação para os outros funcionários que estão realizando essa operação contra atividades irregulares. Com certeza, lança-se mão desse tipo de atrocidade para barrar a ação da justiça, das autoridades competentes, fazendo prevalecer a lei do mais forte. Mas, graças a Deus, temos uma Constituição, temos a lei de crimes ambientais, temos a Justiça e pessoas dispostas a buscar a justiça e a verdade em relação a esse assassinato.
Quero concluir rapidamente, Sr. Presidente, pedindo a V. Exª que por favor me dê um pouco mais de tempo.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Wilson) - Com muito prazer, Senadora Marina Silva.
A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - O fato é que, às 20h30min, ele foi assassinado nas condições descritas anteriormente, após ter dado essas informações.
Um outro aspecto é que, na segunda-feira, foi noticiado por uma rede de tevê que havia sido roubado um note-book contendo todas as informações, o relatório referente à operação que estava sendo feita pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis). É claro que roubaram essas informações até para impedir as investigações.
Ainda um outro fato estranho, Sr. Presidente, são algumas ameaças de morte que vêm sendo denunciadas apontadas e o licenciamento para esses investimentos sem que os segmentos responsáveis, os setores competentes da engenharia de pesca tenham aprovado os projetos de carcinicultura que estão sendo implementados.
Além da irregularidade da não-observância da lei de crimes ambientais e dos estudos de impacto ambiental que devem ser levados a cabo para empreendimentos como esse, não temos por parte de qualquer engenheiro ligado à Engenharia de Pesca, um ramo da Agronomia, os projeto com o devido aval da autoridade competente.
De sorte, Sr. Presidente, que eu gostaria de pedir apoio principalmente aos Srs. Senadores do Nordeste, para uma ação conjunta no sentido de dar todo apoio político às ações do Ibama e às ações da Polícia Federal, para que esse caso seja investigado e os criminosos sejam punidos e que a operação de fiscalização, de multa e de embargo a investimentos irregulares permaneçam. Agora, mais do que nunca, devem permanecer, porque o que aconteceu foi uma afronta ao estado de direito. Um funcionário foi assassinado por pessoas que pensam que pode prevalecer a lei do mais forte.
Na segunda-feira, haverá uma audiência pública no Rio Grande do Norte onde estarei presente. Todos os Deputados Federais do Rio Grande do Norte estão convidados, e tenho certeza de que S. Exªs comparecerão, pois ali uma grave situação está sendo vivida pelos pescadores, pelos funcionários público do Ibama, pelas pessoas do Ministério Público e pelos ambientalistas, que começam a ser ameaçados.
Várias pessoas estão sendo ameaçadas, e não apenas as que têm vínculos com o Ibama: uma pessoa ligada ao movimento SOS Mangues, além de outros, sofreu ameaças.
E, antes que tenhamos mais um cadáver com mais uma justificativa esdrúxula como a de que teria sido furto seguido de assassinato, nós temos de tomar as devidas providências.
Quero, aqui, solidarizar-me com a família - os filhos, a esposa - os amigos, com todas as pessoas, com o Dr. Casara, como Presidente do Ibama. E o Ministro Sarney Filho, com certeza, deverá tomar as providências cabíveis para apurar todos esses fatos.
Lamento que, apesar da denúncia feita no Rio Grande do Norte, dos encaminhamentos que fiz junto ao Ibama, das atitudes corretas tomadas por parte dos funcionários, uma vida foi ceifada. Lamento que isso tenha acontecido, mas nós não podemos parar, porque as pessoas que assim procedem querem exatamente que entremos na toca como um caranguejo acoado.
No Acre, conseguimos sobreviver. Eles mataram alguns, mas não matam todos, porque uma idéia nunca é assassinada, nunca é dispersada completamente. Ela continuará no coração e na mente de todos aqueles que querem cumprir seu dever.
Cabe a este País a proteção desse ecossistema tão importante: os nossos manguezais.
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