Discurso durante a 169ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Questionamentos à intenção da Fundação Nacional do Índio em estabelecer nova demarcação de terras indígenas em Roraima. Transcrição de artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, em 2 do corrente, intitulado "Governo quer o fim do paternalismo na Funai".

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Questionamentos à intenção da Fundação Nacional do Índio em estabelecer nova demarcação de terras indígenas em Roraima. Transcrição de artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, em 2 do corrente, intitulado "Governo quer o fim do paternalismo na Funai".
Aparteantes
Amir Lando, Heloísa Helena, Lúdio Coelho, Marluce Pinto.
Publicação
Publicação no DSF de 07/12/2001 - Página 30350
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • CRITICA, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), AMPLIAÇÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, ESTADO DE RORAIMA (RR), RETIRADA, FAZENDEIRO, PRODUTOR RURAL, ARROZ, FORÇAS ARMADAS, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, DEFESA NACIONAL.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), COMENTARIO, TENTATIVA, GOVERNO FEDERAL, REESTRUTURAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), CRITICA, PRIORIDADE, RECURSOS, FISCALIZAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, REDUÇÃO, ASSISTENCIA SOCIAL, INDIO.
  • CRITICA, EXCESSO, FUNCIONARIO PUBLICO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), MAIORIA, ATUAÇÃO, ZONA URBANA, PREJUIZO, ZONA RURAL.
  • COMENTARIO, AUSENCIA, ATUAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), AUMENTO, ATIVIDADE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), DETERMINAÇÃO, POLITICA INDIGENISTA, PREJUIZO, INTEGRAÇÃO, INDIO, POPULAÇÃO, ESTADO DE RORAIMA (RR).
  • ANUNCIO, VOTO CONTRARIO, ORADOR, PROJETO DE LEI, EXECUTIVO, MOTIVO, PROTESTO, AUSENCIA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, AUXILIO, INDIO, ESTADO DE RORAIMA (RR), AUMENTO, ATIVIDADE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).
  • SOLICITAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REESTRUTURAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), ENQUADRAMENTO, INDIO, CARGO DE DIREÇÃO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por feliz coincidência, usou a palavra antes de mim a Senadora Marluce Pinto, pela Liderança do PMDB, falando sobre tema que eu me havia preparado para abordar no dia de hoje. A eminente Senadora Marluce Pinto, que está no Senado Federal há onze anos, insistentemente vem batalhando para encontrar uma solução harmônica para o problema relativo às terras indígenas e às terras reservadas ao restante da população do Estado de Roraima.

O problema existente no Estado de Roraima precisa, realmente, ser analisado com mais carinho, sem preconceitos e com isenção, porque não é possível que um Estado, detentor da terceira população indígena do País, possua, disparadamente, a maior quantidade de terras destinadas às reservas indígenas. Deve-se, no mínimo, desconfiar que algo, além simplesmente da defesa dos índios, está em causa.

Sr. Presidente, não se trata apenas da delimitação de terras já realizada. Destina-se, agora, à ampliação das terras já demarcadas. A Senadora Marluce Pinto falou sobre a região do Anaro. Esse é um caso típico de índios retirados de terras já demarcadas e mobilizados para novas áreas. Portanto, parte-se para uma ampliação da área já demarcada e delimitada. Esse processo está sendo realizado, igualmente, em outras regiões, como na Tabalascada, em Canoani, na Serra da Moça, no Truaru e na região do Morcego. Essas são áreas já demarcadas, e o pessoal da Funai tem tentado, obstinadamente, convencer os índios da importância de adquirirem mais terras e de ampliá-las.

É lamentável que, conforme os preceitos estabelecidos na Constituição Federal, nada possa ser legalmente realizado. Basta um antropólogo, contratado pela Funai e a serviço de uma ONG, dar um laudo, que este certamente será superior a qualquer ação judicial, a qualquer providência que um representante dos Estados possa tomar no Senado Federal. Isso realmente é um absurdo.

Eu, inclusive, começaria o meu discurso fazendo uma análise de uma matéria publicada no jornal O Estado de S.Paulo, em 2 de dezembro deste ano, que diz: “Governo quer o fim do paternalismo da Funai”. Portanto, o Governo já designou uma comissão que vai estudar a reestruturação da Funai.

Sr. Presidente, quando assumi meu atual mandato de Senador em 1999, a primeira coisa que fiz foi apresentar um projeto autorizativo, propondo a extinção da Funai. Para minha surpresa, não houve nenhuma reação de nenhuma ONG contra essa proposta de extinção da Funai. Por isso, fiquei, como diz o povo, com “a pulga atrás da orelha”, já que, toda vez em que se faz algo que possa ser, de leve, interpretado como contrário aos índios, logo se é tachado de genocida, de inimigo dos índios, de inimigo das ONGs, de inimigo da sociedade civil. Então, a maioria fica retraída, numa espécie de acuamento, com medo mesmo de expor uma verdade que está fazendo muitas pessoas sofrerem.

No meu Estado, a situação começou com a retirada dos garimpeiros, e a sociedade entendeu que os garimpeiros poderiam efetivamente promover malefícios não só ao meio ambiente, como também aos índios, etc. Foi demarcada uma extensa área para os índios ianomâmis: nove milhões de hectares só no meu Estado para quatro mil índios ianomâmis. Tiraram dali os garimpeiros, muito bem. Depois, vieram os fazendeiros. Na verdade, em Roraima, não há fazendeiro, não há ninguém que tenha mais do que três mil reses; a maioria absoluta é formada por pequenos criadores, que possuem em torno de 200 a 300 reses. Tiraram os fazendeiros de uma extensa área pretendida pela Funai, área tradicionalmente habitada por criadores de gado. Tiraram dali os fazendeiros e, agora, estão tirando os arrozeiros. Roraima, que é um dos maiores produtores de arroz, com maior índice de produtividade da região, agora está vendo seus arrozeiros ameaçados.

Mais recentemente, estão impedindo o Exército de construir um pelotão numa fronteira litigiosa, perigosa, entre a Venezuela, a Güiana e o Brasil. Todo mundo sabe que a Venezuela contesta há muito tempo uma grande área que faz fronteira com nosso País, contesta o domínio da Güiana sobre essa área - quer dizer que essa é uma área em litígio. Uma entidade chamada Conselho Indigenista de Roraima (CIR) mobilizou os índios. É preciso dizer que foram mobilizados apenas alguns índios, porque, na verdade, a maioria dos índios de Roraima não aceita isso. Vou citar aqui o exemplo de vários índios que pertencem a entidades formadas por eles próprios, como a Sociedade de Defesa dos Índios (Sodiu), a Associação Regional Indígena do Rio Quinô, Cotingo e Monte Roraima (Aricon), a Alidcir. Esses índios que não rezam nessa cartilha fundamentalista talibânica dessas outras entidades não são ouvidos.

O Sr. Lúdio Coelho (Bloco/PSDB - MS) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Já lhe concedo o aparte, Senador Lúdio Coelho.

Essa matéria que trata da Funai diz o seguinte:

Com quase 30 anos de atraso, o Governo pretende modificar a política indigenista do País, para tentar acabar com o paternalismo existente na Fundação Nacional do Índio (Funai). Antes de deixar o cargo, o ex-Ministro da Justiça, José Gregori, criou uma comissão interminesterial, com a participação da sociedade civil [sociedade civil agora virou coqueluche, mas é algo amorfo, amplo, indefinido, é a nova moda para acobertar uma série de instituições que, às vezes, são formadas por apenas uma, duas ou três pessoas com o mesmo pensamento], para delinear os rumos da instituição, que hoje gasta quase R$6 milhões em assistência social para índios [quer dizer que estão combatendo o fato de a entidade gastar R$6 milhões em assistência social para os índios], R$2 milhões a mais que o valor utilizado para a fiscalização das terras indígenas.

            Observem que querem priorizar a fiscalização das terras indígenas em detrimento da assistência social efetiva aos índios. O ser humano índio é menos importante do que as terras ditas indígenas.

E diz mais a matéria:

            Não é a primeira vez que o Governo tenta acabar com o assistencialismo da Funai. Outros Presidentes da instituição e Ministros da Justiça já procuraram modificar a política indigenista brasileira, mas esbarraram na resistência de grupos acostumados com as facilidades oferecidas nos últimos anos. O resultado foi um só: acabaram destituídos pelos próprios índios e desistiram do cargo por causa do desgaste.

Lerei mais um trecho e gostaria de pedir que o artigo constasse na íntegra como parte de meu pronunciamento. O artigo diz que a Funai tem 1.009 cargos de confiança, quase o dobro da Polícia Federal, e que, desse total, 190 estão em Brasília, mas que só 10% do quadro tem nível superior. Mais adiante, é dito:

A distribuição dos funcionários da Funai também apresenta uma desigualdade em relação a outros órgãos públicos. Cerca de 1.650 funcionários da instituição estão lotados nas áreas urbanas e apenas 339 trabalham nas áreas indígenas.

Portanto, Sr. Presidente, gostaria que o artigo, que não lerei totalmente, constasse como parte de meu pronunciamento, pois desejo tecer alguns comentários, a fim de ilustrar melhor essa situação.

Precisamos ficar alertas quanto à restruturação da Funai, que, na verdade, assume a culpa por atos que nem sempre pratica. Atualmente, quem comanda a política indigenista no Brasil, de fato, são as organizações não governamentais, que cuidam da demarcação de terras, da fiscalização e da saúde dos índios. O Governo libera milhões de reais por mês para entidades não governamentais cuidarem da saúde dos índios, abrindo mão, no meu entender, até ilegalmente, do preceito constitucional que obriga o Estado a cuidar da saúde de todo cidadão, principalmente da dos índios.

Os 325 mil índios existentes no Brasil são, na verdade, manipulados por essas instituições. E nem sequer são ouvidos. O artigo menciona a sociedade civil, mas não diz, por exemplo, que há uma representação eqüitativa dos índios para falar por eles e saber o que realmente querem de uma futura nova Funai.

O que existe é um trabalho de incentivo à separação interétnica, entre índios e não-índios, e até intra-étnica, pois aquela etnia índia que não aceita esse tipo de coisa é marginalizada. Em meu Estado, há a famosa Raposa/Serra do Sol, que, na verdade, é uma fabricação, pois são áreas distintas: uma área é Raposa, e a outra é Serra do Sol. Mas os “ongueiros” resolveram dizer que se tratava de uma mesma região. E hoje, mundialmente, fala-se na famosa e pretendida reserva indígena Raposa Serra do Sol.

A Senadora Marluce apelou para que nos uníssemos. Eu apelo para que realmente nos unamos mais para lutar contra isso e para que tenhamos atitudes mais ousadas. S. Exª acabou de dizer que fez um relato ao Ministro da Justiça, que era Secretário-Geral da Presidência da República até há pouco tempo, numa reunião em que estávamos presentes também eu e o Governador. Sei que S. Exª já fez milhares de relatos, eu já fiz outros tantos, e não obtivemos resultado. Ficamos nesta Casa votando a favor do Governo, que patrocina, no fim, atos contra o nosso Estado.

Mesmo sozinho, a partir de hoje, voltarei a fazer o que já fiz - suspendi minha atitude de dar um crédito de confiança justamente ao Ministro Aloysio Nunes Ferreira, quando era Secretário-Geral da Presidência da República, e ao Ministro Parente, Chefe da Casa Civil -: abster-me-ei de votar em todos os projetos de interesse do Governo. A partir de hoje, declaro publicamente que me absterei de votar em todos os projetos de origem do Executivo; ou melhor, votarei contra todos eles. Votarei contra, porque não posso ficar a favor de um Governo que está acabando com o meu Estado, que está entregando o meu Estado à política de uma meia dúzia de organizações não-governamentais.

Sr. Presidente, Senadora Marluce Pinto, não fiquei apenas na indignação e nos relatos. Também apresentei uma proposta de emenda à Constituição que recebeu parecer favorável do Senador Amir Lando na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Na minha proposta, sugeri que todos os atos de demarcação de terras indígenas e ecológicas e de parques nacionais fossem apreciados pelo Senado Federal, porque o Governo Federal está tirando um pedaço de terra do Estado de maneira unilateral. Essa questão do contraditório é muito relativa, não há espaço para o contraditório. O Senado, que representa os Estados, deveria, assim como aprecia empréstimos para os Estados, apreciar todas as propostas de criação de reservas ecológicas e indígenas, a fim de que os Senadores de todas as correntes ideológicas possam debater e, ao fim, aprovar ou não o trabalho de levantamento feito. Propus também, de maneira aceitável, que cada Estado da Federação pudesse ceder até 30% de sua área para esses espaços; o restante, para outros brasileiros - brancos, negros, amarelos - que vivem nessas regiões.

O Senador Amir Lando acolheu a minha proposta e fez algumas alterações, e o Senador José Eduardo Dutra pediu vista. É lamentável que estejamos tornando ideológico esse problema, pois estamos causando o sacrifício de milhares de pessoas e, acima de tudo, o entrave de um desenvolvimento que deveria ser harmônico entre índios e não índios. Os indígenas não são ouvidos. Tenho testemunhas de que, no caso da ampliação das terras indígenas, o pessoal da Funai está convencendo os índios acerca da importância dessa ampliação. Não são os índios que estão demandando a ampliação. Na próxima semana, haverá uma reunião na área de Serra da Moça, Truaru e Morcego, com documento já levado pela Funai e pelo Cir para que os índios assinem e digam o que querem.

É um absurdo. Estou indignado e, a partir de hoje, votarei contra todos os projetos de origem do Poder Executivo, como um protesto do meu povo contra essa situação.

Concedo, inicialmente, o aparte ao Senador Lúdio Coelho.

O Sr. Lúdio Coelho (Bloco/PSDB - MS) - Senador Mozarildo Cavalcanti, há poucos dias fiz um pronunciamento no Senado tratando desse assunto. Só não tratei da decisão de V. Exª de não votar mais com o Governo. Tenho a impressão de que ela poderia ser reexaminada. Esses conflitos que estão surgindo devem ser tratados como V. Exª está fazendo, com muita seriedade. Deveríamos cobrar do Executivo uma posição definida sobre o assunto. Este meu aparte é mais um depoimento que prestarei ao Senado da República. No meu Estado - em Mato Grosso do Sul e em Mato Grosso - não houve qualquer tipo de conflito entre índios e não índios que seja do conhecimento da geração atualmente viva. Os conflitos ocorreram há séculos, de que eu tenha conhecimento. Hoje, no meu Estado, estão ocorrendo coisas incríveis. O relacionamento dos índios com os não índios é da melhor qualidade. No entanto, na colônia de Dourados - onde o Presidente Vargas fez o maior assentamento da história do nosso País e talvez da humanidade, loteando uma área enorme e entregando a agricultores, por volta de 1943 a 1945, áreas de 15, 20 e 25 hectares -, há muitas famílias trabalhando. Mas, há dois anos, inventaram que aquela área é terra de índios. Esses agricultores vêm exercendo a sua atividade em Panambi, que conheço pessoalmente, há mais de meio século, sem nenhuma providência que demonstrasse que aquelas terras pertenciam aos índios antigamente. Agora, em Sidrolândia, também estão seguindo essa mesma orientação que V. Exª relatou, de fazerem levantamentos, contrariando o que prescreve a Constituição, que manda respeitar terras que estejam sendo habitadas por indígenas e não procurar terras que, eventualmente, foram ocupadas por índios há séculos. Se se seguir essa linha de pensamento, o País todo deve pertencer aos índios, porque os descobridores da América encontraram as terras ocupadas por índios. Na semana passada, no Município de Antônio João, um fazendeiro de 84 anos que está na região há mais de 60 anos, o qual conheço pessoalmente, teve o filho de 52 anos agredido por um grupo de indígenas acampados numa ponta da fazenda, muitos vindos do Paraguai. Temos de tomar uma providência para que nossa convivência seja mais adequada. Não há clima para brigas entre irmãos. Os próprios indígenas que estão fazendo levantamento de área na região não querem conflito. A responsabilidade de definir adequadamente terras efetivamente pertencentes aos índios é nossa. Existe um decreto, cujo número não me lembro agora, que está sendo usado para justificar que em todas as terras onde exista qualquer vestígio de ocupação anterior por povos indígenas lhes pertence. Senador Mozarildo Cavalcanti, considero o pronunciamento de V. Exª muito pertinente, e deveríamos trabalhar para encontrar uma solução, a fim de não termos mais conflitos com nossos irmãos indígenas. Muito obrigado.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª. Senador Lúdio Coelho, V. Exª conhece de perto esse problema em seu Estado. Se V. Exª observar essa situação no mapa do Brasil, verificará que o problema está assumindo proporções insustentáveis, especialmente na Amazônia.

A Srª Marluce Pinto (PMDB - RR) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Concedo o aparte à Senadora Marluce Pinto.

            A Srª Marluce Pinto (PMDB - RR) - Senador Mozarildo Cavalcanti, V. Exª disse que, muitas vezes, não é a Funai que fiscaliza, mas as ONGs. Pasmem V. Exªs, na portaria a que me referi, estão designados cinco técnicos para fazer o levantamento da nova área que pretendem demarcar. Os dois primeiros fazem parte do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, quer dizer, são remunerados em dólar. Quanto aos outros três, apenas se sabe que um se chama José Raimundo Batista, técnico em agropecuária, e que o outro será designado pelo Incra. Todos sabemos que há, por parte de autoridades do exterior, grande interesse por nossa Amazônia. Como a Funai assina uma portaria demarcando nova área indígena, contígua à outra, e ainda nomeia cinco pessoas, das quais duas são desse programa e a terceira faz parte da divisão fundiária da Administração Executiva Regional da Funai, em Manaus? Quer dizer, as áreas de Roraima serão demarcadas, mas não por um técnico ou representante do Governo do Estado ou da Assembléia. Isso nos deixa bastante preocupados, porque, se eles estão designados, eles vão tomar a iniciativa. Por isso, fui rapidamente ao Ministro. Como tinha no meu arquivo um mapa da demarcação de todas as terras de Roraima e as pretendidas, levei-o para o Sr. Ministro. S. Exª me solicitou um relatório completo, que já mandei elaborar. Levarei à apreciação não só dos representantes de Roraima no Congresso Nacional, como também da Presidência desta Casa para, quem sabe, podermos aprovar o projeto de V. Exª em regime de urgência urgentíssima. Também relembro, para que os demais Senadores tenham conhecimento, que V. Exª citou que há várias áreas pretendidas, todas localizadas no norte do Estado, e que eles, achando que toda Região Norte ainda é pouco, já estão partindo para a Região Sul. V. Exª sabe muito bem que já há índios na região dos Municípios de São João da Baliza e do Caroebe, da comunidade Wai-wai, que vieram do Pará. São índios do Pará, já localizados na nossa região, e a Funai está pretendendo demarcar aquela região como sendo área indígena. Era essa a complementação que gostaria de fazer, Senador Mozarildo Cavalcanti.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Senadora Marluce Pinto, agradeço aV. Exª pelo aparte. Reitero que não apenas nós, de Roraima, como todos da região Amazônica devemos nos unir, porque é preciso fazer uma análise desapaixonada do problema e fazer justiça. Sou plenamente a favor de que os índios tenham suas terras e lá se estabeleçam. Conheço a maior parte dos índios de Roraima que vivem nas proximidades de Boa Vista. Eles são produtores de hortifrutigranjeiros e os vendem na feira, em Boa Vista, inclusive utilizando caminhões fornecidos pelo Governo do Estado, que vão buscá-los semanalmente. Quem for à Feira do Produtor em Boa Vista verá que a maior parte dos produtos é vendida pelos índios, que, depois da feira, voltam para as suas terras.

O Sr. Amir Lando (PMDB - RO) - Senador Mozarildo Cavalcanti, V. Exª me concede um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Concedo a palavra ao Senador Amir Lando.

O Sr. Amir Lando (PMDB - RO) - Nobre Senador Mozarildo Cavalcanti, temos de repetir esse tema, pois ele precisa ser refletido pelo Congresso Nacional. Infelizmente, somente nós da Amazônia sentimos, porque sentimos na carne o peso de uma política equivocada, de uma política errônea, que não tem nada a ver com o humanismo do índio, que não tem nada a ver com a preservação do índio, a não ser com o seu extermínio. Cito o exemplo dos Karipunas, que hoje conta com onze representantes. Na década de 40, foram índios belicosos, quando da abertura da Madeira-Mamoré, que liga Porto Velho a Guajará-Mirim. Há um tempo ainda recente, foram uma nação pujante. Hoje, mesmo sendo onze, e têm uma reserva incompatível. Não sou contra reserva, mas não adianta ter reserva e manter o índio na idade da pedra, na pré-história. Isso é um equívoco, é determinar o extermínio. Hoje ninguém resiste dentro de padrões fora de seu tempo. Por isso, é uma hipocrisia essa política, é uma falácia, um processo enganoso, e quem perde é o índio. Uma facção dos Uru-eu-wau-waus, que não eram mais do que 90 há seis anos - 6 ou 7 anos -, integraram-se, estão produzindo café, leite, criando gado, e hoje são mais de 300, já chegando a 400. O índio que vive dentro de uma casa com luz elétrica, serviços que a tecnologia oferece, tem tudo para aumentar a sua população. Mas o que se quer é criar o conflito, a confusão, como se aconteceu em Mato Grosso e acontece em Rondônia. Quer dizer, de repente se quer colocar o índio onde ele não está, e se cria um confronto entre os atuais ocupantes e ele, que teria sido o ocupante histórico. O habitat indígena há muito não existe. Ele foi quebrado, sobretudo na Amazônia, - nem vamos falar do Sul - desde que o branco dominou os rios, cortou as vias de um relacionamento inclusive evolutivo, comercial, tecnológico, claro que dentro da sua estrutura. Tanto é que esse habitat foi quebrado que, se voltarmos a olhar os instrumentos de trabalho... Vou encerrar, Sr. Presidente, mas o tema é realmente apaixonante. É preciso dizer à Nação que tem de se acabar com essa mentira! Devemos parar de fazer uma interpretação errônea. Eu dizia que os instrumentos d’arte daquela época, os produtos fabricados pelo índio, tinham uma qualidade muito superior aos de hoje, porque o índio está em um processo de involução, de destruição. Vamos acabar com ele. Há um genocídio sendo praticado contra o índio. As nações mais desenvolvidas, aquelas que já não têm nenhum impulso reprodutivo capaz de apresentar uma perspectiva genética para as gerações futuras, querem apenas um banco genético preservando essas espécies raras. Isso é um crime contra eles, que tinham o direito de viver, de crescer, de se desenvolver e se integrar, para, um dia, serem como os demais povos indígenas da América Latina, por exemplo, onde você realmente encontra uma população indígena mais expressiva. Aqui, não, aqui há o extermínio. Nós estamos querendo, com uma posição realmente hipócrita, defender, mas estamos destruindo os povos indígenas. Essa é a verdade brutal, e tudo isso em nome exatamente da conquista do território nacional para outros interesses contrários àqueles dos brasileiros.

A Srª. Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Mozarildo CavalcantI, V. Exª me permite um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Sr. Presidente, eu apelo para a compreensão de V. Exª, mas não gostaria de encerrar sem antes ouvir a nossa querida Senadora Heloísa Helena.

A SRª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Mozarildo Cavalcanti, respeito a posição exposta por V. Exª em seu pronunciamento porque entendo que o Senado, embora nem sempre represente e lute pela democracia brasileira - pois não existe democracia sem justiça social -, sendo uma Casa plural, permite e dá importância ao fato de que um Senador vá à tribuna e traga um tema de alta complexidade como esse. Faço esse aparte, primeiro, para fazer um pequeno reparo ao pronunciamento de V. Exª, quando cita o Senador José Eduardo Dutra.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Pediu vista.

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - E diz que é uma pena que a isso acabe sendo dado uma caracterização ideológica. V. Exª e todos nós sabemos que um pedido de vista pelo prazo de cinco dias é um instrumento regimental utilizado por todos nós. Não se trata de um mecanismo protelatório, até porque nem força temos para estabelecer mecanismos protelatórios para rolar projetos por várias comissões, como muitas vezes faz a maioria da Casa faz, aprovando requerimento que inunda várias Comissões ao mesmo tempo. Então, de fato, não se trata de um mecanismo protelatório, mas da necessidade objetiva de procedermos ao debate. É uma discussão complexa, polêmica. Evidentemente, não diremos agora que são os índios que estão tomando as terras dos brancos, contrapondo-nos à própria história da nossa civilização. A Oposição tem uma gigantesca preocupação com os espaços dos povos indígenas, até mesmo em face da necessidade de cumprimento da lei. Além disso, elabora propostas concretas para garantir o desenvolvimento sustentado e a situação do pequeno e médio produtor rural no nosso País, tema sobre o qual, pelo Bloco da Oposição, iremos falar ainda. Saliento que a irresponsabilidade do Governo para com o pequeno e médio produtor rural do Norte, Nordeste e Centro-Oeste não se deve à questão dos povos indígenas. Senador Mozarildo Cavalcanti, faço apenas um pequeno reparo O Senador José Eduardo Dutra não está aqui para aparteá-lo, pois está hospitalizado, mas pediu vista da matéria simplesmente na perspectiva de possibilitar a discussão. Não é um projeto simples, mas uma proposta de emenda constitucional. Portanto, diante da complexidade trazida à Casa pelo tema, é fundamental que nós, representantes dos Estados da Federação, possamos discuti-lo.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Senadora Heloísa Helena, faço um reparo ao reparo de V. Exª. Na verdade, não faz cinco dias que o Senador José Eduardo Dutra pediu vista da matéria. S. Exª o fez no dia 7 de novembro. Portanto, já vai completar um mês.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador, até porque tenho obrigação de conhecer o Regimento Interno, devo dizer a V. Exª que o prazo máximo de um pedido de vista é de uma sessão ordinária a outra. O fato de o projeto não ter sido colocado em pauta não tem nada a ver com o pedido de vista da matéria; a Comissão é que não o colocou na Ordem do Dia, já que o prazo máximo de vista são cinco dias.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Portanto, está há mais tempo do que isso com vista ao Senador José Eduardo Dutra. Mas, acredito que isso, Senadora Heloísa Helena, seja um problema de somenos importância.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - Senador Mozarildo Cavalcanti, perdão por interromper V. Exª. Eu sei que o tema é muito importante, mas V. Exª já ultrapassou o prazo regimental em mais de 15 minutos. Peço a V. Exª que colabore com a Mesa, já que V. Exª é um dos guardiães do Regimento Interno.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Concluirei justamente dizendo que o problema não é o tempo - um mês ou dois meses - em que a matéria esteja em discussão; o mais importante é que ela seja efetivamente discutida e que esta Constituição seja alterada, para se resguardarem os direitos de todos. Acredito que não há justiça social com direitos somente de uns, contra o direito de outros. Tem de haver justiça igualmente para todos.

            Para finalizar, gostaria de fazer um apelo que tenho repetidamente feito aqui: que o Presidente da República aproveite essa reforma da Funai e coloque, na sua direção, índios. O Presidente da Funai deve ser índio. Os diversos órgãos da Funai devem ter índios em seus quadros. Existem muitos deles até mesmo com curso superior, capazes de cuidarem de seus próprios interesses. É preciso deixar fora esses indigenistas residentes em São Paulo, no Rio de Janeiro e até mesmo em outros países. É o apelo que faço, reiterando que, a partir de hoje, em função desse quadro, passarei a votar contra todas as matérias de interesse do Poder Executivo.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(inserido na forma do art. 210 do Regimento Interno.)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/12/2001 - Página 30350