Discurso durante a 169ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à gestão do modelo energético brasileiro.

Autor
Valmir Amaral (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/DF)
Nome completo: Valmir Antônio Amaral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENERGIA ELETRICA.:
  • Críticas à gestão do modelo energético brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 07/12/2001 - Página 30394
Assunto
Outros > ENERGIA ELETRICA.
Indexação
  • CRITICA, GESTÃO, MODELO, ENERGIA, BRASIL, AMEAÇA, CONSUMIDOR, FALTA, ENERGIA ELETRICA, RESULTADO, POLITICA, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, RESTRIÇÃO, INVESTIMENTO PUBLICO, PREJUIZO, CONTRIBUINTE, PAGAMENTO, ONUS, AUMENTO, TARIFAS, TRIBUTOS, RESSARCIMENTO, COMPANHIA DISTRIBUIDORA.
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, SECA, REGIÃO NORDESTE, FALTA, AGUA, RESERVATORIO, ENERGIA.
  • CRITICA, JUSTIFICAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ABANDONO, INVESTIMENTO PUBLICO, PROGRAMA, ENERGIA ELETRICA.
  • DEFESA, PRESERVAÇÃO, CONSUMIDOR, CONTRIBUINTE, PAGAMENTO, ONUS, TESOURO NACIONAL.

O SR. VALMIR AMARAL (PMDB - DF) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as dificuldades do setor elétrico brasileiro vieram para ficar e ainda vamos ter de lidar com elas por muitos anos - ainda que, ocasionalmente ocorra, como agora, o fato de o governo permitir o abrandamento temporário das metas, ao contrário do que anunciam as autoridades integrantes da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica.

O quase colapso do fornecimento não é fortuito, nem é o resultado de uma sequência excepcional de anos secos, mas, segundo a opinião abalizada do engenheiro e professor Luiz Pinguelli Rosa, a conseqüência inevitável do modelo econômico adotado pelo Governo, de privatização e de restrição ao investimento público.

Ninguém discute, Srs. Senadores, a necessidade de equilíbrio orçamentário do Estado. Por isso mesmo, a retirada do Governo das atividades econômicas, com a privatização das empresas estatais, foi entendida como positiva e apoiada pela maioria da população. No entanto, eram pelo menos dois os pressupostos da passagem das empresas prestadoras de serviços públicos à gestão privada: a melhoria dos serviços, em qualidade e preço, e a garantia de seu fornecimento.

Esses pressupostos, como se pode ver agora, não se realizaram. Os consumidores estão ameaçados de ficar sem energia ainda que continuem adimplentes, apesar da substancial majoração sofrida pelas tarifas e da promessa oficial de reajustes em torno de 30% para o ano vindouro.

Não nos iludamos, Sras. e Srs. Senadore, os problemas não foram superados pelo fim da estação mais seca no Sudeste e no Centro-Oeste - no Nordeste, como os Senhores sabem, a seca continua -, porque os reservatórios continuarão com níveis perigosamente baixos e porque todas as ações propostas pelo Governo como soluções, como a construção de usinas termoelétricas, não passam de remendos, de respostas paliativas a uma crise que tem causas mais profundas, enraizadas no modelo de privatização subserviente ao desmando do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Com efeito, a privatização do setor elétrico brasileiro seguiu, em grande parte, as indicações de um funesto relatório, encomendado a uma empresa inglesa de consultoria, a Coopers & Lybrand. Somente não foi seguido nas partes em que era tão claramente disparatado que até os agentes interessados no butim reclamaram. Esse relatório, aliás, segundo o especialista César Benjamin, é “uma das maiores obras-primas da ignorância universal”, pois, orientando-se pelo modelo inglês de geração de energia, totalmente composto por usinas termelétricas, simplesmente desprezou as especificidades do sistema brasileiro, com base em hidrelétricas e equilibrado pela transmissão integrada da energia entre as diversas regiões, conforme o estado do reservatório de cada usina.

De um sistema integrado, passamos a ter a lei do lobo contra o cordeiro, com as empresas distribuidoras privatizadas no papel de lobo, levando todas as vantagens, e o contribuinte e consumidor, com todos os sacrifícios, no do cordeiro.

Isso porque, para tornar atrativo o investimento pelos compradores estrangeiros das empresas de distribuição, o segmento de geração, que permaneceu estatal, foi obrigado - pelo Governo, supostamente seu proprietário e interessado maior - a aceitar cláusulas absurdamente contrárias ao interesse dessas empresas geradoras. Exemplo mais ruinoso é o compromisso das geradoras, explicitado no Anexo V dos contratos de concessão, de ressarcir as distribuidoras pela queda de receita resultante da redução de fornecimento.

Quando nos lembramos que o Estado somos todos nós, contribuintes, essa decisão do governo afigura-se - para usar uma palavra até leve - totalmente nefasta. Isso porque, além de estarmos pagando tarifas maiores por um serviço que deixou de ser garantido, estaremos pagando, também, por intermédio dos tributos, o ressarcimento às empresas distribuidoras. Se tivermos em conta que essas empresas dispõem de um lobby fortíssimo, com grande poder de influência, saberemos que dessa conta nossos bolsos não escaparão.

Esse passivo contábil das geradoras diante das distribuidoras é, para Luiz Pinguelli Rosa, uma bomba de efeito retardado, armada pelo Governo com sua política econômica. Bomba que estourará sobre os consumidores e contribuintes. Bomba que, mais uma vez, propiciará enormes lucros para alguns poucos, receptores da benevolência extremada do Governo, e prejuízos difíceis de calcular para a maior parte da população brasileira.

O aspecto mais grave da crise do setor energético reside na justificação do Governo para o abandono quase completo dos investimentos públicos em programas de energia. Alega-se a necessidade da prioridade absoluta do controle das despesas públicas em infra-estrutura, para atender às exigências do FMI e para que os recursos públicos sejam dirigidos às áreas sociais, como saúde e educação. Contudo, os maiores gastos do Governo são, na verdade, com o sistema financeiro, com a ajuda a bancos falidos e a manutenção dos juros em níveis bem superiores aos da maioria dos países.

O Brasil ocupa no mundo, no que diz respeito à energia elétrica, uma posição semelhante à que a Arábia Saudita ocupa em petróleo - a afirmação é de César Benjamin. Nossas bacias hidrográficas são caudalosas e espalhadas por várias regiões, à exceção do Nordeste, que, no entanto, tem mais problemas na irregularidade do regime de chuvas que na ausência de rios. Em um rio como o nosso São Francisco, em cujo curso há diversas usinas, cada gota d’água é usada várias vezes, produzindo energia quase de graça em cada usina antes de ganhar o oceano. Apesar disso, o Governo brasileiro conseguiu fazer com que não somente nosso povo pague mais caro pela energia elétrica, mas também que ela falte.

Sras. e Srs. Senadores, o cidadão brasileiro, que já paga impostos em excesso, recebe serviços públicos de qualidade tantas vezes sofrível, e ainda consegue manter a alegria de viver, não pode sofrer mais esse assalto. É preciso impedir que o consumidor e contribuinte, além de pagar muito por uma energia, cujo fornecimento nem estará assegurado, arque também com o rombo no Tesouro Nacional resultante dessa bomba de efeito retardado.

Há algo de profundamente errado com o modelo adotado para o setor energético, que precisa ser alterado. As perspectivas não serão favoráveis, nem para a atração de investimentos estrangeiros, se a administração do País der mostras de incompetência como a da gestão do modelo energético.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/12/2001 - Página 30394