Pronunciamento de Emília Fernandes em 06/12/2001
Discurso durante a 169ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Transcrição da palestra "A Contribuição da Mulher para o Processo Democrático", proferida por S.Exa. na Conferência Parlamentar das Américas - COPA.
- Autor
- Emília Fernandes (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
- Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
FEMINISMO.:
- Transcrição da palestra "A Contribuição da Mulher para o Processo Democrático", proferida por S.Exa. na Conferência Parlamentar das Américas - COPA.
- Publicação
- Publicação no DSF de 07/12/2001 - Página 30397
- Assunto
- Outros > FEMINISMO.
- Indexação
-
- TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, PRONUNCIAMENTO, AUTORIA, ORADOR, CONFERENCIA, CONGRESSISTA, AMERICA, REALIZAÇÃO, MUNICIPIO, RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
- COMENTARIO, ASSUNTO, CONFERENCIA, CONTRIBUIÇÃO, MULHER, LUTA, DIREITO A IGUALDADE, DEMOCRACIA, ACESSO, SAUDE, POLITICA, EDUCAÇÃO, CRIAÇÃO, LEIS, GARANTIA, CUMPRIMENTO, COMPROMISSO, ETICA, MORAL.
A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, no mês de novembro último, entre os dias 18 e 21, no Rio de Janeiro, foi realizada a Conferência Parlamentar das Américas - COPA. Dentro do evento, foi realizada a reunião da Rede de Mulheres Parlamentares das Américas.
A Rede de Mulheres Parlamentares das Américas congrega as mulheres membros das Assembléias Parlamentares dos Estados unitários, federais e federados, dos Parlamentos regionais e das organizações interpalamentares das Américas. No âmbito dos processos de integração das Américas, essa Rede favorece a conciliação sobre temas relativos à condição feminina visando promover a superação das desigualdades entre os gêneros, a paz e o desenvolvimento humano nas sociedades e, também, a implicação das mulheres nos espaços de decisão e poder.
Por considerar o assunto importante, registro nesta Casa a íntegra da palestra “A contribuição da mulher para o processo democrático” que proferi durante a Reunião de Mulheres Parlamentares das Américas.
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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SRª SENADORA EMILIA FERNANDES EM SEU PRONUNCIAMENTO.
(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)
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Conferência Parlamentar das Américas - COPA
Rede de Mulheres Parlamentares das Américas
Rio de Janeiro, 18 de Novembro 2001
A Contribuição da Mulher para o Processo Democrático
Falar sobre a participação da mulher no processo democrático é falar de avanços, fortalecimento e combate aos retrocessos. Portanto, é falar de muito trabalho pela frente. Cinco anos depois da Conferência de Pequim, da qual participei, os motivos para comemorações poderiam ser bem maiores.
Certos progressos foram registrados, tais como as medidas criadas para assegurar a igualdade política e a participação das mulheres nas decisões públicas, assim como algumas reformas em medidas discriminatórias na legislação e nos códigos civis e penais em alguns países do mundo.
Não deixando de reconhecer esses progressos, infelizmente, vejo também que ainda são muito incipientes. Se, por um lado, cresce a independência de muitas mulheres; por outro, a marginalização econômica ainda é muito grande para milhares de mulheres e a persistência das diferentes formas de violência e discriminação, também.
No Brasil, 30% das mulheres são chefes de família, ou seja, sustentam sozinhas suas casas. Em determinado sentido, cresceu a autonomia para a subsistência, em outro, para importante parcela de mulheres, acentuou-se a pobreza.
Nesse contexto, refletir sobre a globalização e suas conseqüências é fundamental.
Para a elite mundial, a globalização é considerada o grande fenômeno da modernidade. Um fenômeno que muda de acordo com os olhos de quem o vê. Do ponto de vista das elites, a globalização significa desenvolvimento. Mas, do ponto de vista dos menos favorecidos, esse “desenvolvimento” é mais uma forma de acentuar as desigualdades.
Para as mulheres, a globalização desenfreada dos mercados, conjugada com as idéias patriarcais presentes no mercado de trabalho, nos mais diversos graus e em todos os países, levou ao empobrecimento e ao crescimento da exploração e marginalização de milhões de mulheres ao redor do mundo. Prova disso é o aumento do tráfico de mulheres para a indústria bilionária do sexo, a prostituição crescente de meninas e adolescentes e a vulgarização do sexo e do corpo feminino.
Por mais vantagens que possa trazer para o desenvolvimento tecnológico, científico e intelectual, como tanto afirmam seus defensores, a globalização pouco tem feito para modificar costumes bárbaros, como a castração feminina e os crimes de honra, que persistem em vários países.
A globalização também teve um impacto negativo sobre as funções reprodutivas da mulher, não apenas pela falta de recursos e políticas públicas específicas, mas pela resistência em avançar na direção do livre-arbítrio das mulheres e do poder decisório sobre seus corpos. Resistência essa, que tem levado muitas de nós à morte, à mutilação por abortos clandestinos e ao contágio pelo vírus da AIDS.
As mulheres e as crianças são as maiores vítimas da falta de saúde.
No Brasil, uma mulher morre a cada duas horas por motivos relacionados à gravidez. Noventa por cento dessas mortes poderiam ser evitadas com a melhoria do atendimento às gestantes e com o acesso a cuidados básicos.
No nosso país, durante os partos, segundo a Organização Mundial de Saúde, 114 mães vão a óbito em cada cem mil nascimentos. Para a OMS, esse número não deveria ultrapassar dez mortes para cada cem mil bebês nascidos vivos. As mulheres continuam sendo maltratadas, humilhadas, violentadas e mortas no espaço público e doméstico.
A globalização pela qual nós mulheres lutamos não é a que exclui, é a que iguala direitos políticos, sociais e econômicos, portanto, uma integração humanizadora e solidária.
Temos de pensar a globalização e o crescimento econômico de maneira que eles sejam a favor dos excluídos. Ou seja, fomentar investimentos, finanças, comércios e tecnologias para que eles, de fato, melhorem as condições das mulheres, dos negros, dos idosos e dos mais pobres.
Democracia é direito à dignidade e liberdade.
O direito das mulheres à vida e à integridade física tem sido insistentemente promovido como um dos temas mais importantes em discussão sobre os direitos humanos.
Os relatórios da Anistia Internacional denunciam, com freqüência, violências cometidas contra mulheres em países em guerra, as quais, além de sofrerem as barbaridades impostas pelo próprio conflito, comumente são violentadas física e psicologicamente. São os chamados crimes de guerra pelos quais ninguém paga. Além disso, a crueldade da guerra cria contextos em que os avanços se perdem e os problemas e as desigualdades se acentuam.
Quando falamos de democracia, não podemos deixar de refletir sobre a primeira guerra declarada do século XXI, a guerra no Oriente Médio, mais especificamente no Afeganistão, onde as mulheres, que já viviam sob a terrível opressão talibã, hoje sofrem com a perda de seus filhos e maridos numa guerra cruel e desigual.
Como afirmou Solange Bentes Jurema, presidenta do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, “esta é uma guerra entre homens guerreiros e da qual, nós mulheres, somos observadoras e vítimas, pois não estamos nas mesas de negociação internacional; não controlamos exércitos de tipo algum, nem mídia ou os arsenais guerreiros e econômicos; não fazemos parte dos atos conjuntos de declaração formal de violência contra os seres humanos e contra a própria vida. Clamamos pela paz e pela vitória do lado feminino e amoroso da vida”.
Na guerra da desigualdade, existem ainda os “problemas sem fronteiras”. A globalização e os conflitos acentuam a vulnerabilidade ao crime, às drogas, às doenças, à exploração, à opressão da mulher.
Senhoras e senhores,
Ao abordar esses problemas, não interpretem que eu esteja desqualificando ou esquecendo as conquistas que tivemos ao longo dos séculos. Já ressaltei o crescimento da participação feminina no mercado de trabalho, mas não podemos nos esquecer que a diferença salarial permanece superior a 60%.
Que o mercado de trabalho é corporativista, isso não se pode negar. Que a discriminação é confirmada nos salários diferenciados e na investida constante da retirada de direitos, isso é uma realidade. Mas a mulher, de forma corajosa, vem derrubando barreiras com muita determinação e criatividade.
O nível de acesso da mulher na educação também tem melhorado ao longo dos anos. O número de mulheres que se formam e que ocupam cadeiras dentro das Universidades é bem maior que o número de homens. O percentual de mulheres aprovadas em concursos públicos também é expressivo. As pesquisas mostram que as mulheres estão estudando mais e conquistando mais espaços de poder na sociedade.
As mulheres, embora lentamente, chegam aos Poderes constituídos e com singular qualidade no desempenho. Estudos constatam que as mulheres de sucesso não copiam os homens para crescerem profissionalmente. São exatamente as características femininas que as favorecem. Destacam-se no mercado como profissionais não imediatistas e como administradoras persistentes e tenazes.
O mesmo acontece na política. Até pouco tempo atrás, as mulheres eram simplesmente excluídas da vida democrática. Não tinham sequer o direito ao voto. No Brasil, somente na década de 30, com a luta das mulheres, o voto feminino se tornou realidade. Em 1933, as mulheres brasileiras puderam votar e serem eleitas pela primeira vez.
Hoje, estamos representadas nos âmbitos federal, estadual e municipal, nos Poderes Legislativo e Executivo. Mulheres que trabalham para recriar, socializar e garantir a democracia.
Não queremos reproduzir na política a visão masculina que, durante séculos, prevaleceu no setor. Isso não é uma crítica aos políticos do sexo masculino, é uma constatação nos meus vinte anos de mandato popular, no âmbito do legislativo municipal e federal.
Para nós, mulheres, o poder não é apenas o poder sobre algo, mas o poder de fazer acontecer, de fazer política, de ser. Nós queremos discutir economia e políticas públicas sob a ótica feminina. Trabalhar pela transformação, ocupar espaços, marcar a diferença. Queremos isso e estamos preparadas para tanto.
A caminhada é lenta...
Mesmo nos países mais avançados, considerando o aspecto social, ainda não atingimos uma representação igualitária. Nos países nórdicos, por exemplo, onde existe a maior representação feminina nos parlamentos, a participação não passa de 42,7% na Suécia; 37,4% na Dinamarca; e 36,5% na Finlândia.
Nas Américas, esses índices são bem menores.
No Brasil, por exemplo, mesmo com toda a luta do movimento Mulheres Sem Medo do Poder e a conquista da garantia da quota de candidaturas de mulheres, a representação feminina ainda está muito abaixo do desejável, com 5,7% na Câmara Federal e 7,4% no Senado, ficando, de acordo com a pesquisa feita pela União Interparlamentar, na modesta 96ª colocação.
Pode-se perceber que há um amplo espaço a ser conquistado para que se chegue a uma distribuição minimamente razoável. E eu digo a ser conquistado, porque não acredito que os homens entreguem simplesmente a parcela de representação que deveria estar nas mãos das mulheres.
Portanto, a dívida democrática e histórica que as sociedades têm com as mulheres precisa ser saldada. As demandas propostas pela Plataforma de Ação de Pequim, nossa inspiração e rumo, não podem ser só declarações e palavras. As políticas de Estado necessitam ser reforçadas, e os orçamentos, reorientados, na perspectiva de cumprir os compromissos assumidos pelos seus signatários.
A globalização é um fenômeno irreversível. Porém, não podemos esquecer que a globalização é muito mais que um fenômeno econômico. Ela é também cultural.
A globalização, no sentido de integração, deve enraizar no mundo valores consagrados de respeito aos direitos humanos, à garantia de ensino e saúde para todos, além do resgate da cidadania e da afirmação da soberania das Nações. Em suma, é preciso globalizar a solidariedade, a justiça e a distribuição de renda e de poder.
O movimento de mulheres, sejam elas do campo ou da cidade, brancas, negras ou índias, precisa pensar em si próprio e no mundo com mais ousadia, pois o desenho das conjunturas muda em uma velocidade altíssima. Precisamos fortalecer a democracia e a participação, porque o movimento de mulheres precisa delas para existir, para se revigorar e se energizar. Da mesma maneira que uma pessoa precisa de oxigênio para respirar.
Cabe ainda ressaltar, que nunca o mundo, e em especial a sociedade brasileira, precisou tanto do compromisso com a ética e a moralidade pública. Assim também as mulheres, que não são donas da verdade, não estão imunes ao vírus que ataca e corrompe.
Mas, com certeza, pela nossa história e sensibilidade, podemos contribuir decisivamente para acabar com a corrupção e a impunidade e resgatar a credibilidade da classe política.
Senhoras e senhores,
Eventos, como este são de fundamental importância para a reflexão e o debate, com caráter universal e coletivo.
A Conferência Parlamentar das Américas, desde sua criação em 1997, vem realizando anualmente as Assembléias Gerais para a discussão de aspectos relevantes e comuns, relacionados ao contexto político, econômico e social dos países envolvidos.
O tema abordado na assembléia, que se realizou em Porto Rico, no ano de 2000, foi Construir uma Comunidade das Américas Justa e Próspera. Trata-se de uma tarefa árdua e que exige o envolvimento constante de toda a sociedade em cada país, além do apoio dos mais ricos, para mudar o quadro atual.
Em abril deste ano, as mulheres membros do Comitê Executivo da Rede de Mulheres Parlamentares das Américas, juntamente com vários representantes de Assembléias Parlamentares das Américas, reuniram-se em Quebec. O tema de discussão foi o processo de integração econômica das Américas e as conseqüências para as mulheres.
Agora, com a realização desta Assembléia, na cidade do Rio de Janeiro, centralizando-se no tema O Parlamento e os Caminhos da Alca e da Democracia, teremos a oportunidade de construir no coletivo propostas que consolidem e pavimentem os caminhos do desenvolvimento para todos os países americanos, eliminando as desigualdades.
Precisamos buscar e construir muitos espaços. O Fórum de Mulheres do Mercosul, do qual sou uma das vices-presidentas, tem dado sua contribuição decisiva na luta e nos encaminhamentos da questão de gênero.
Também gostaria de registrar que o Fórum Social Mundial, que acontece no Brasil, afirma-se como um espaço aberto, significativo para o aprofundamento da reflexão, o debate democrático de idéias e formulação de propostas para um mundo melhor.
A sua segunda edição, que acontecerá entre os dia 31 de janeiro e cinco de fevereiro do ano quem, em Porto Alegre, capital do meu Estado, o Rio Grande do Sul, será um momento de troca livre de experiências, articulação de ações para a construção de uma sociedade planetária, centrada no ser humano, em oposição ao domínio do mundo pelo capital. Desde já, todos estão convidados.
Ao concluir, gostaria de dizer que estou muito feliz em participar deste evento e ter a oportunidade de compartilhar com as colegas Mulheres Parlamentares das Américas minhas angústias e esperanças. Espero que todas nós, juntas, possamos encontrar novas alternativas para acelerar o processo democrático no mundo. Mundo que precisa ter a cara, a vez e a voz da mulher; e os homens ao nosso lado....