Pronunciamento de Emília Fernandes em 07/12/2001
Discurso durante a 170ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Apelo ao Ministério da Saúde para promover campanhas publicitárias de alerta contra a Aids, voltadas para as donas-de-casa e os idosos. Apelo para aprovação de projeto de lei, de sua autoria, que permite aos portadores de HIV o saque do FGTS.
- Autor
- Emília Fernandes (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
- Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
SAUDE.:
- Apelo ao Ministério da Saúde para promover campanhas publicitárias de alerta contra a Aids, voltadas para as donas-de-casa e os idosos. Apelo para aprovação de projeto de lei, de sua autoria, que permite aos portadores de HIV o saque do FGTS.
- Aparteantes
- Carlos Patrocínio.
- Publicação
- Publicação no DSF de 08/12/2001 - Página 30505
- Assunto
- Outros > SAUDE.
- Indexação
-
- COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, AUMENTO, CONTAMINAÇÃO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), DONA DE CASA.
- SOLICITAÇÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), REALIZAÇÃO, CAMPANHA, PUBLICIDADE, ESCLARECIMENTOS, DONA DE CASA, IDOSO, USUARIO, DROGA, NECESSIDADE, PREVENÇÃO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).
- DEFESA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, POSSIBILIDADE, TRABALHADOR, DEPENDENTE, PORTADOR, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), UTILIZAÇÃO, RECURSOS, FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS), TRATAMENTO MEDICO.
- NECESSIDADE, AUMENTO, RECURSOS, GOVERNO FEDERAL, COMBATE, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), INCENTIVO, EDUCAÇÃO, PREVENÇÃO.
A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores mais uma vez trago à reflexão desta Casa um tema de profunda importância que, sem dúvida, tem mudado a vida de muitos compatriotas e também de muitas pessoas no mundo todo e que está a demandar cada vez mais a reafirmação de um compromisso de solidariedade, de espírito coletivo, de respeito ao próximo e de valorização da vida: refiro-me à Aids, mal silencioso e invisível que não respeita limites geográficos, idade, raça, posição social e sexo.
Os dados são alarmantes. Nesses 20 anos, desde que o primeiro caso foi registrado no mundo, hábitos, costumes e pensamentos passaram por grandes transformações. O debate sobre a sexualidade entrou na pauta da maioria das famílias e também nas escolas. A temática do sexo passou a integrar o currículo escolar, e, mais do que nunca, a palavra sexo deve vir acompanhada de outra: comprometimento e responsabilidade.
A abertura do debate público, o maior esclarecimento da população e a mobilização popular são de extrema importância para colocar um freio no avanço da Aids no Brasil. Na década de 80, o Banco Mundial previa que chegaríamos ao ano 2000 com mais do dobro de infectados: 1,2 milhão. Foi uma vitória parcial mas importante de nosso povo que tais perspectivas não se tenham concretizado, pois, de acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil tem, hoje, 597 mil portadores de HIV.
Contudo, o crescimento anual de infecção pelo vírus da Aids tem se mantido estável nos últimos cinco anos. Em média, o Ministério da Saúde recebe 20 mil novas notificações por ano. Deste número, a transmissão heterossexual representa 26,6%; a transmissão homossexual representa 17,2%; a bissexual, 9.8%; e o uso de drogas injetáveis é responsável por 18,5% dos casos registrados. Entre os menores de 12 anos, a transmissão do vírus de mãe para o filho é responsável por 90% dos casos notificados.
O que mais nos preocupa hoje, Srªs e Srs. Senadores, é que a Aids continua flagelando novas vítimas, indiscriminadamente: as donas de casa são as mais novas vítimas dessa enfermidade. Mulheres heterossexuais, que não usam drogas injetáveis e que guardam a fidelidade conjugal, vêm sendo contaminadas dentro de suas casas, por seus próprios maridos. Os dados estão estampados em nossa imprensa nacional. Portanto, são motivos de alerta, de preocupação e de reflexão para todos.
Essa triste realidade já se faz presente na vida das mulheres de muitos países. Na África, por exemplo, desde o final da década de 90, esse problema existe e vem crescendo. Para garantir a sobrevivência da família, milhares daqueles homens partem para o trabalho nas minas de ouro, diamante, cromo e ferro, onde passam longas temporadas trabalhando. Naquelas regiões inóspitas sobrevivem de 400 a 500 prostitutas. Um terço delas possuem o vírus da Aids. Aqueles trabalhadores, não raramente, envolvem-se com aquelas mulheres, contaminando-se, e, ao retornar para as suas famílias, contaminam as suas companheiras, as suas esposas. Já em 1997, 26% das esposas engravidadas pelos mineiros estavam contaminadas.
No Brasil, no primeiro semestre deste ano, só na capital paulista, 575 pessoas morreram em conseqüência da Aids, das quais 195 eram mulheres, sendo que 81 delas eram donas de casa e 26 faziam serviços domésticos.
As donas de casa brasileiras ocupam, de longe, o primeiro lugar no rol dos mortos pela Aids, representando o infausto percentual de 41,5%. Sem adentrar no enfoque moral e religioso da fidelidade masculina, devemos considerar a questão também pelo aspecto profilático. O perfil médio da dona de casa brasileira é revelador: não trabalha e nem estuda fora, não tem contato com outras mulheres e, além da TV, a principal fonte de informação é o próprio marido. A dependência financeira e social, muitas vezes, faz com que essas mulheres não questionem a vida dos maridos fora de casa.
Como resultado, essas mulheres, cujo mundo se resume no companheiro ou no esposo, às vezes acumulando 20 ou 30 anos de casadas, não ousam cobrar deles o uso de preservativo. Além do mais, as donas de casa brasileiras se julgam imunes ao vírus da Aids por serem heterossexuais, não serem usuárias de drogas e exatamente por se sentirem protegidas no recinto da família.
Srªs e Srs. Senadores, até agora não foi conduzida nenhuma campanha específica de esclarecimento a esse segmento. Apelo, pois, ao Ministério da Saúde para que dedique especial atenção às mulheres donas de casa, a exemplo do que já vem sendo feito em relação aos adolescentes, às mães portadoras do vírus e a outros segmentos.
As pesquisas também indicam a disseminação da doença entre pessoas maiores de 60 anos de idade, aposentadas, porque muitos se imaginam imunes à contaminação, sendo mais um grupo social que também precisa da atenção especial do Ministério da Saúde.
No meu Estado, o Rio Grande do Sul, malgrado a diligência das ações governamentais, de organizações não-governamentais e de grupos de apoio, constataram-se 16.077 casos de Aids, notificados de 1983 a agosto de 2001, sendo que 75% desses casos concentram-se em Porto Alegre e na região metropolitana.
A situação das mulheres em meu Estado também é difícil. Na década de 80, a proporção de casos de Aids era de 14 homens para uma mulher infectada, mas, nos últimos anos, o número de homens e mulheres contaminados quase se igualou. Em agosto deste ano, no Rio Grande do Sul, foram notificados 18 casos de Aids em homens e 16, em mulheres.
Outra abordagem necessária é o uso de drogas injetáveis, eis que se percebe significativo aumento da incidência do HIV entre usuários de drogas, até mesmo pela situação de grande vulnerabilidade nessa faixa da população. Isso revela também a grande necessidade de medidas de impacto para combater a epidemia nesse setor.
A par do combate ao uso de drogas, seja pela elucidação dos seus efeitos degradantes e fatais, seja pela competente ação repressiva, fazem-se necessárias ações no sentido de reduzir o uso compartilhado de seringas, bem como a ampliação de serviços de tratamento à dependência química para a redução, interrupção ou mudança na forma do consumo de drogas.
A Secretaria Estadual de Saúde, do Rio Grande do Sul, tem realizado importantes ações no sentido de estruturar e responder à epidemia da Aids. Ações que vão desde a descentralização dos sistemas de vigilância da Aids à ampliação da rede de atendimento ambulatorial a exames para detectar a doença e distribuição de medicamentos pela rede pública.
A especialização de profissionais da área da saúde para atendimento de pacientes tem sido outra atividade também desenvolvida pela Secretaria Estadual de Saúde. Essa Secretaria tem-se dedicado também ao combate da transmissão vertical do vírus, da mãe para o filho, mediante o parto e a amamentação. A oferta de exames para detecção do HIV para gestantes, assim como os testes rápidos e anti-retrovirais para mães e bebês, foi sensivelmente ampliada.
O combate à Aids deve, portanto, abranger duas frentes de ataque: a primeira, compreender que a prevenção continua sendo a maneira mais eficaz, pois somente com educação para a promoção da saúde e informações será possível construir respostas concretas para o controle da epidemia. E a segunda, compreender que não se promove saúde sem recursos. Para o exercício de 2001 foi apresentada uma proposta pela Coordenação Nacional de DST/Aids da ordem de R$139 milhões para o Orçamento da União, mas o corte orçamentário atingiu o percentual de 42%. A suplementação, portanto, é indispensável.
As soluções passam pelo engajamento de toda a sociedade por políticas públicas, compromissos de governo, pela educação em sala de aula e também por todos os meios de comunicação e pelas empresas. Passam também pela qualidade de vida e de saúde postas ao alcance da população, e, principalmente, pelo respeito à cidadania e pelo combate à discriminação e ao preconceito.
Nesse sentido, atendendo ao apelo de um chefe de família - que me escreveu uma carta contando a sua luta, o seu sacrifício e a sua dor -, apresentei aqui no Senado, há alguns anos, um projeto de lei que autoriza a movimentação da conta vinculada do FGTS quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes for, comprovadamente, portador do vírus do HIV. Esse projeto foi aprovado na comissão específica, no plenário e hoje está na Câmara dos Deputados, aguardando a atenção e a sensibilidade dos Deputados Federais. Alerto as pessoas, que, às vezes, confundem, acreditando que já existe legislação como essa no nosso País, no sentido de que a legislação existente não é ampla e não abrange a reivindicação desse pai que nos chamou a atenção, fazendo-nos criar uma alteração na legislação.
Lembro que temos uma lei, a Lei nº 7.670, de 08 de setembro de 1988, que estende alguns benefícios aos portadores da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - Aids, entre eles o levantamento dos valores correspondentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, independentemente de rescisão de contrato individual de trabalho ou de qualquer outro tipo de pecúlio a que o paciente tenha direito.
À primeira vista, parece que até nem haveria necessidade dessa modificação que estou propondo, mas quero dizer que, fazendo uma interpretação mais atenta, a lei revela a sua insuficiência com respeito à proteção que solicitamos em nosso projeto de lei, que, nesta Casa, tramitou com o nº 85, de 1997. Tenho o registro do ano em que apresentei esse projeto, que até hoje não foi aprovado na Câmara, que visa oferecer proteção ao trabalhador e à sua família. O alcance da proteção legal, hoje, é limitado, pois a lei ignora a possibilidade de conceder o benefício da movimentação do FGTS quando o portador do vírus não for o próprio titular, mas, sim, um de seus dependentes. É justamente esse caso que estamos ampliando, porque já temos a Lei nº 8.922, de 1994, relativa à ocorrência de neoplasia maligna, mais conhecida pelo nome de câncer, que prevê esse direito.
A redação da Lei nº 7.670, de 1988, parece ser ainda mais restritiva, ao estabelecer que a Aids é considerada causa que justifica o levantamento dos valores correspondentes ao FGTS, independentemente da rescisão contratual. A lei que estamos buscando amplia esse direito, permitindo o saque quando o trabalhador for o portador do vírus, portanto antes de a doença se manifestar. Nesse caso, dá ao trabalhador o direito de utilizar aquele recurso em seu tratamento, em uma alimentação mais adequada para combater a doença que poderá se manifestar e atingir os seus filhos, porque ninguém mais do que um pai sofre ao ver um filho portador do vírus e não dispor do dinheiro para fazer o seu tratamento. Já temos hoje lei que disponibiliza coquetéis de remédios na rede pública para os infectados com o vírus HIV, já doentes.
Dessa forma, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o empenho desta Casa em abraçar essa causa revela-se imperativo para a concretização dos preceitos da nossa própria Constituição, que tem como um dos seus fundamentos básicos a cidadania e a dignidade da pessoa humana e que consagra, também, em seu art. 196:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
O Sr. Carlos Patrocínio (PTB - TO) - V. Exª me permite um aparte, Senadora Emilia?
A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Senador Carlos Patrocínio, com muito prazer. Tendo em vista que V. Exª é médico, tenho certeza que vai enriquecer o meu pronunciamento.
O Sr. Carlos Patrocínio (PTB - TO) - Senadora Emilia Fernandes, V. Exª tem demonstrado a sua preocupação com a sociedade brasileira, sobretudo com aqueles que necessitam do nosso apoio, do nosso beneplácito, do apoio do Governo Federal, no sentido de destinar recursos necessários ao tratamento e à melhoria da qualidade de vida. V. Exª tem sido um exemplo de Parlamentar no que concerne a essas preocupações, tanto que já mencionou o seu projeto de lei, em tramitação agora na Câmara dos Deputados. Sugiro a V. Exª que vá àquela Casa conversar com os Deputados para ver se acelera o processo de tramitação, porque tem acontecido de nós, aqui no Senado, aprovarmos projetos de lei de importância vital à sociedade brasileira, como esse que V. Exª apresentou, e, no entanto, eles pararem quando chegam à Câmara. A coisa mais difícil, nobre Senadora, é um Senador conseguir aprovar um projeto de lei. Lembro-me bem que, quando consegui aprovar um projeto de lei de autoria conjunta minha e do saudoso Senador Jutahy Magalhães, um projeto que beneficiava as pessoas da terceira idade, o saudoso Mário Covas me dizia que eu era feliz, porque ele estava no Senado há muito tempo e nunca conseguira aprovar um projeto de lei. Por isso, temos que ir atrás disto: fazer com que projetos nossos de importância vital como esse que V. Exª apresenta mereçam uma tramitação mais célere na Câmara dos Deputados. V. Exª cita a problemática da Aids. Este é, com certeza, o maior problema de saúde pública no Brasil e no mundo. São, hoje, mais de 40 milhões de aidéticos em todo o mundo, e há altos índices de mortalidade. Apesar dos avanços conseguidos pelo Governo brasileiro - que temos que reconhecer -, em âmbito nacional e internacional, que vem propiciando a toda a população o acesso aos medicamentos e coquetéis, há ainda um longo caminho a percorrer. Eminente Senadora Emilia Fernandes, temos assistido, agora, por exemplo, à mutação viral, ou seja, o vírus HIV tem se tornado resistente aos produtos do coquetel. É necessário, então, que o Brasil parta para uma nova etapa: a criação da vacina contra a Aids. O Brasil já tem conhecimento científico e tecnológico para isso. Portanto, recursos para a Aids não podem jamais faltar em nosso País. Muito pelo contrário, como V. Exª prega, temos que aumentar os recursos para o combate dessa verdadeira epidemia. O Brasil está em condições de sintetizar essa vacina, que vai significar uma grande vitória da população brasileira e mundial no combate a esse mal do século. Parabéns a V. Exª, que sempre se mostrou preocupada com as necessidades vitais e básicas do povo brasileiro.
A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Agradeço a V. Exª o aparte, que incorporo ao meu pronunciamento.
V. Exª reafirmou aquilo que estávamos defendendo, ou seja, saúde se faz com recursos, com qualificação, com pesquisa, com ciência, com tecnologia cada vez mais avançada e, principalmente, com a visão de que esse é um mal que não respeita fronteiras, não respeita idades, ao qual, portanto, ninguém está imune. Foi abaixo aquele conceito inicial, surgido quando a doença apareceu, o qual apavorou todos nós. Não conhecíamos nenhuma pessoa com Aids. Hoje, praticamente todas as famílias têm alguém com Aids ou conhecem alguém que tenha contraído a doença. Então, o conceito de grupo de risco não existe mais hoje. Ninguém mais está imune. Portanto, mais e mais, essa é uma responsabilidade de todos, de governos, de políticas e de casas parlamentares.
Concluo, Sr. Presidente, conclamando as mulheres deste País, as adolescentes, a entenderem definitivamente e colocarem no seu pensamento, na sua compreensão, que a Aids não é uma doença dos outros e muito menos é uma doença masculina. É uma doença que não sabemos bem de onde veio, mas que sabemos para onde vai, levando muitas pessoas ao sofrimento, à dor e à morte. Por isso, essa doença precisa ser encarada com o rigor do pensamento coletivo da preservação da vida.
Eram essas, Sr. Presidente, as considerações que eu desejava fazer.
Muito obrigado.