Discurso durante a 170ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Louvor ao trabalho realizado pela CPI do Futebol, destacando a agenda positiva que consta do seu relatório.

Autor
Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), FUTEBOL.:
  • Louvor ao trabalho realizado pela CPI do Futebol, destacando a agenda positiva que consta do seu relatório.
Publicação
Publicação no DSF de 08/12/2001 - Página 30508
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), FUTEBOL.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA FRENTE LIBERAL (PFL), PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), INDICAÇÃO, GERALDO ALTHOFF, RELATOR, ALVARO DIAS, PRESIDENTE, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), FUTEBOL, ELOGIO, CONCLUSÃO, RELATORIO, NECESSIDADE, PUNIÇÃO, CORRUPÇÃO.
  • ANALISE, LEI ANTERIOR, ESPORTE, DIVISÃO, ESPORTE AMADOR, COMPETIÇÃO ESPORTIVA, EXIBIÇÃO, ESPORTE PROFISSIONAL, CRITICA, LEI NOVA, DESAJUSTAMENTO, REGULAMENTAÇÃO, PRATICA ESPORTIVA, RESULTADO, CORRUPÇÃO.
  • ELOGIO, RELATORIO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), FUTEBOL, SUGESTÃO, CRIAÇÃO, AGENCIA, REGULAMENTAÇÃO, ESPORTE, COMISSÃO, PREVENÇÃO, COMBATE, VIOLENCIA, ESPETACULO, PRATICA ESPORTIVA, REESTRUTURAÇÃO, JUSTIÇA DESPORTIVA, IMPLANTAÇÃO, FORUM, AMBITO NACIONAL, ANALISE, RELAÇÃO, CLUBE, EMPRESARIO, ATLETA PROFISSIONAL.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem chegou ao final a CPI do Futebol, como é conhecida, com um trabalho e um resultado que honram o Senado.

Congratulo-me, em primeiro lugar, com o PFL, pela indicação do Relator Geraldo Althoff, e, em segundo lugar, com o meu próprio Partido, que havia indicado o Senador Álvaro Dias como Presidente enquanto S. Exª estava no PSDB e que, quando S. Exª saiu, o manteve, sem criar nenhum embaraço a que aquela representação continuasse, já que o Senador Álvaro Dias era o autor da iniciativa e tinha todas as razões para conduzi-la tão bem quanto a conduziu.

Hoje a imprensa aborda o caráter punitivo que poderá suceder-se a partir do relatório do Senador Geraldo Althoff. É evidente que, tendo em vista uma determinada linha de notícia, o espetáculo da notícia está nos nomes.

Gostaria de, nada obstante louvar o trabalho da CPI, analisar aqui da tribuna um outro aspecto do resultado da CPI, que fica sepultado diante da avalancha das acusações - fundamentadas, no caso -, que é a Agenda Positiva, que consta do final do parecer do Senador Geraldo Althoff. Essa Agenda Positiva é de tal magnitude, que a levei ao Presidente da República, solicitando do Governo medidas que venham, de imediato, dar um fundamento, uma base a algumas dessas conclusões.

Para isso, desejo fazer um pequeno alcance, ou talvez grande - quando um político diz que será breve ou fará um pequeno alcance, as pessoas que se acautelem, porque ele nunca será breve e nunca será pequeno o alcance -, da evolução dessa matéria, ao longo do tempo, para fundamentar essa posição.

Participei intensamente da evolução desse tema. Fui o Relator do texto, e era a primeira vez que havia um texto sobre esporte na Constituição. Fui o Relator da Lei Zico e, aqui no Senado, fui o Relator da Lei Pelé, que, a meu ver, não veio em boa hora, porque perturbou os avanços da Lei Zico sem efetivamente trazer nada de novo, apenas a substituição do nome do autor da lei. Então, tenho algum conhecimento para embasar o que vou falar.

O Professor Manoel Tubino, que é um estudioso do esporte, fez um estudo no qual mostra como claramente o esporte passou por três grandes paradigmas ao longo do século XX. O primeiro paradigma foi o olímpico, que marca o começo do século XX, quando as características lúdicas, estéticas e éticas do desporto eram as que estavam em relevo. Ou seja, o esporte olímpico tem por definição um sentido educacional profundo, uma relação de aprimoramento do homem, caracterizada na frase, tão famosa e tão pouco seguida, da “disputa pela disputa” e não na vitória a qualquer preço. O paradigma olímpico marca os primeiros anos da atividade olímpica no século XX, e o esporte todo é impregnado por ele. Era o tempo do amadorismo, tempo em que o futebol não estava associado a nenhuma forma de ganho; jogava-se pela camisa.

A partir da I Guerra Mundial, mas com ênfase ao tempo da II Guerra Mundial, surge o segundo paradigma do esporte, que se sobrepõe ao paradigma olímpico, sem revogá-lo: é o paradigma ideológico. Com o crescimento de sistemas de governo estruturados em bases muito rígidas - o comunismo de um lado e o capitalismo ortodoxo de outro lado -, o esporte passou a viver o paradigma ideológico no sentido de ser a representação da vitória do sistema político implantado no País. E isso vai a tal ponto, que, em todas as Olimpíadas e em todas as atividades desportivas, eram sempre União Soviética e Estados Unidos que entravam nessa disputa. E até curiosamente Cuba, que tem um desenvolvimento esportivo exemplar, conseguiu fazê-lo a partir da revolução com base em que uma sociedade capaz de gerar homens sadios, capaz de ter um equilíbrio social significativo, é uma sociedade que se reflete vitoriosamente no esporte.

            Então, enquanto perdurou a Guerra Fria, perdurou também o paradigma ideológico a dominar o esporte, o que está, aliás, magnificamente sintetizado na frase de Nelson Rodrigues, com o seu modo dizer, com a boca mole como ele falava: “A Seleção é a pátria de chuteiras”. Ali está a idéia da Seleção como pátria e da Pátria como a entidade reguladora do que deve ser o esporte.

            A própria ditadura brasileira criou o CND, lá atrás, e, a partir dessa criação, o esporte brasileiro sempre foi tutelado pelo Estado. Ele deixa de ser tutelado pelo Estado quando vem a Lei Zico, que é o primeiro momento da vida brasileira em que o esporte fica como uma atividade da sociedade e se retira grande parte da tutela do Estado.

            Após o paradigma ideológico no esporte, perdura o que hoje está em pleno vigor e em plena expansão: o paradigma mercadológico. A partir do momento em que o esporte pôde ser uma prática vivida fora e além do campo, onde as batalhas desportivas se libravam, ele passou a ser uma realidade coletiva, via televisão. Um jogo de tênis, na Austrália, mobiliza o mundo, e quem não está na Austrália o vive com igual emoção. Isso significou uma multiplicação de ouvintes, de assistentes e também de praticantes, por sua vez alimentados por uma grande rede industrial de fabricação de equipamentos, de remédios e, ao mesmo tempo, de um culto do corpo. Enfim, há toda uma rede mercadológica, sem contar o que existe de propaganda inserido na atividade desportiva, que ainda é, hoje, nos tempos das televisões mundiais, entre todas as atividades, a que ocupa mais tempo, a que tem uma quantidade de exposição maior do que todas as outras atividades humanas, sendo que há, inclusive, canais especificamente voltados para o esporte.

Chamo a atenção para o fato de que esses três paradigmas não vieram por substituição, ou seja, um não substituiu o outro. Quem é o torcedor? O torcedor ainda é o velho representante do esporte olímpico, do paradigma olímpico: o amor pela camisa, o morrer pelo clube, a paixão. É o velho paradigma olímpico: o amor à camisa, os valores implícitos no jogo, o jogador que tem brio, o jogador que é corpo mole, o jogador que é mau caráter. Reparem como está impregnado de ética o paradigma do esporte olímpico. Portanto, esse paradigma ainda existe. A Seleção é a pátria de chuteiras, a Seleção é a nossa emoção, é o Brasil representado. Essa é uma representação simbólica de um valor excepcional. Vejam, num país com os complexos de inferioridade que o nosso tem, como ele tem êxito esportivo, a importância que esse êxito esportivo tem para ele.

Mas, ao mesmo tempo, os paradigmas posteriores - hoje o paradigma ideológico se afasta um pouco -, sobretudo o paradigma mercadológico, apuseram-se, e vive o esporte uma situação complexa entre os valores antigos, que são ainda os valores dos clubes, da camisa, do sentimento, da paixão, e os valores mercadológicos. A Europa já resolveu isso há bastante tempo, entrando numa atividade puramente mercadológica, em que o futebol como espetáculo em si - espetáculo para quem está no local e para quem está fora do local, quem está via televisão - é uma grande entidade de natureza comercial desportiva e tem que ser concebido como tal.

O Brasil, como vivia atrelado ao esporte manietado pelo Estado e como não foi capaz de se modernizar, viu irromper por dentro do processo o paradigma mercadológico sem saber como orientá-lo, sem saber como dar caminho. E, a meu juízo, grande parte dos problemas que hoje a CPI do Futebol corajosamente enfrenta e denuncia nasce desse hibridismo e dessa impossibilidade de se ter lucidez na compreensão do mecanismo do esporte brasileiro como uma realidade num mundo mercadológico, num mundo em que o esporte não é mais uma prática vivida exclusivamente por quem está no campo desportivo, mas por milhões de pessoas, uma prática de enorme poder do ponto de vista dos recursos financeiros, da quantidade de recursos nela instaurada. Daí surgem a corrupção, as meias-tintas, os manejos por baixo do pano, as contas fora do Brasil.

A Lei Zico já havia tratado dessa matéria, porém nunca houve, no Brasil, condições para que ela sequer fosse lida e muito menos aplicada. O próprio Conselho que a Lei Zico previa praticamente nunca entrou em funcionamento. A Lei Pelé veio jogar uma pá de cal nele.

Na Lei Zico, havia uma divisão muito interessante da atividade desportiva em três níveis bem delimitados e claros. O primeiro nível é o desporto educacional, que é uma das práticas mais importantes do ponto de vista da educação e que, pela Lei Zico, era um dos únicos setores, salvo o desporto olímpico, em que o Estado deveria aplicar recursos. Ou seja, nenhum tostão fora do que seja o desporto educacional! Ali está o fundamento; ali, inclusive, está a formação de futuros grandes atletas. Não sei se V. Exªs sabem que grande parte dos atletas que, em Cuba - país das dimensões do Estado do Rio de Janeiro -, fazem a glória desportiva daquele país vêm de atividade oriunda do esporte educacional, e acontece o mesmo nos Estados Unidos da América do Norte, para citar um exemplo no sistema oposto.

O desporto educacional, portanto, é basicamente o desporto que deve merecer - e só ele - os recursos estatais. Isso consta da lei, há movimentos nessa direção, porém não é uma prática consagrada no Brasil.

A outra dimensão criada pela Lei Zico recuperava o esporte de paixão ou de opção individual, que ali está caracterizado como o desporto de participação. Aliás, essas palavras nos confundem muito. A palavra portuguesa é “desporto”, mas ela é tão desagradável - e é ela que está na lei -, que temos a tendência de falar “esporte”. O desporto de participação é o desporto voluntário. É o cidadão que joga tênis no clube, que gosta de praticar um desporto com prazer dentro de um clube. É um ato voluntário que tem a ver com a cidadania e a sociedade. São muito bonitas as disputas amadoras entre clubes.

O desporto de participação, portanto, é a segunda categoria, é o desporto de opção voluntária, que não está caracterizado pela hipercompetitividade, mas pelo gosto de fazer esporte e que precisa também ter o conhecimento, o acatamento e o respeito, porque esse é o desporto da cidadania. É o cidadão que corre num parque ou na praia, que caminha ou que faz esteira. Enfim, é uma atividade profundamente inserida na sociedade.

A terceira divisão criada pela Lei Zico é o que se chama desporto de rendimento. O desporto de rendimento - não há uma palavra, nunca achamos, na elaboração da lei, uma palavra melhor do que essa, que não é boa, porque dá a idéia de que desporto de rendimento significa desporto que dá renda; não é isso - é o desporto de alta competitividade. Quem vê uma corrida de Fórmula 1, quem vê um campeonato de duplas de praia, quem vê um campeonato de futebol ou de voleibol, em que os jogadores têm que jogar todos os dias, sabe que eles precisam de uma qualidade atlética excepcional, de treinamento, de uma constante militância e de dedicação exclusiva. Esse desporto de alto rendimento vem a ser, ao longo do tempo, a representação dos interesses mercadológicos dentro do esporte. Todo ele está patrocinado e é visto por muitas pessoas. E tem como característica a disputa de alta competitividade, digamos assim, a hipercompetitividade.

Podemos ter críticas à hipercompetitividade. Eu tenho. Considero que a hipercompetitividade é uma expressão simbólica da hipercompetitividade materialista na qual as sociedades contemporâneas mergulharam. Mas ele é uma realidade. A Nação inteira quer que o Guga seja campeão. Ele perdeu cinco vezes. “Meu Deus! Perdeu cinco vezes!” O País está em perigo, porque o Guga perdeu cinco e, depois, perdeu mais duas. E o rapaz, que joga o ano inteiro partidas quase que diárias, de 3 a 4 horas de duração, precisa ser aquele ideal utópico de que a Nação necessita para idolatrar após a morte de Ayrton Senna. Esse é o esporte de rendimento, ou seja, é o esporte que exige o atleta no máximo de sua potencialidade e realização.

Na Lei Zico, o desporto de rendimento se dividia em três fases, que estavam muito bem caracterizadas: a do desporto profissional, a do semi-profissional e a do amador.

O desporto semi-profissional foi uma categoria criada pela Lei Zico justamente para dar espaço à preparação da profissionalização, até porque havia uma profissionalização escondida. Um garoto de 14 anos chegava em um clube, com dentes estragados, mas era bom de bola, para usar a expressão do esporte. O clube, de alguma maneira, o encaminhava ao dentista, pagava um dinheirinho, construía a casa dele no subúrbio. Eram formas indiretas de profissionalização que a Lei Zico veio tornar claras, criando a categoria do desporto semi-profissional. 

Existe desporto amador de alto rendimento. Por exemplo, no xadrez. Não há ninguém ganhando dinheiro para jogar xadrez, mas há jogadores de xadrez de excepcional qualidade que são capazes de jogar com computador. Eles são dotados de uma inteligência superior, como a do nosso Senador Roberto Saturnino, por exemplo, e são capazes de ter um alto rendimento na prática desse desporto.

O que aconteceu depois disso? A Lei Pelé desarticulou o conselho superior. Jamais entrou em vigor o que eram os regulamentos disciplinares da Lei Zico, e o País passou a viver uma fase de completa desordem na área desportiva, que vem culminar com todos os acontecimentos que a Nação acompanha no dia-a-dia e com conclusões drásticas, que não deixam de ser, no fundo, dolorosas, mas honradas, da CPI do Desporto.

Por isso, eu gostaria de destacar algo que ficou escondido no aluvião da informação no dia-a-dia. Estou aqui, numa tribuna, tendo a alegria de constatar a presença de Senadores e Senadoras, falando, de alguma maneira, para a TV Senado e a Rádio Senado, mas é a tribuna de que disponho. Gostaria que, amanhã, se pudesse alguém ler o final das conclusões da CPI - e foi por isso que encaminhei cópia ao Presidente da República -, verificasse o que está ali escrito, porque ali está o que hoje em dia se convencionou chamar agenda positiva da conclusão do trabalho dessa CPI.

O trabalho da CPI não se restringiu às denúncias e aos indícios. Ele levou adiante sugestões importantíssimas, que recuperam conceitos abandonados ao longo do tempo, alguns que vinham da Lei Zico, outros que permaneceram em pedaços na Lei Pelé.

De um desses conceitos, Sr. Presidente, estou convencido, após militar alguns anos nessa matéria, sempre mais como um pensador do que como um prático ou um praticante.

Eu, depois de haver sido Relator da Lei Zico e da Lei Pelé, que passou aqui vertiginosamente, cheguei à conclusão de que, por melhor que tenhamos feito, cometemos ali um erro que, agora, vem a ser corrigido nas propostas do Relator, Senador Geraldo Althoff. Não é possível fazer uma lei de esportes comum a todos os esportes. Chegamos a acreditar que era possível fazer uma lei de desporto geral e ter o futebol, pelas suas peculiaridades, abrangido dentro dela, com uma especificidade. Não! Hoje estou convencido de que, como na legislação portuguesa - que é muito interessante nessa matéria, muito avançada, que está muito além da nossa -, cada esporte precisa de uma regulamentação, pelas peculiaridades da prática. E, desde logo, o futebol.

Daí que, no item 5.3.1 das conclusões da CPI, está proposto o que me parece, no momento, o elemento-chave dessa matéria: a criação de uma agência reguladora para o desporto.

O texto é rápido, diz o seguinte:

A extraordinária dimensão do desporto como atividade de relevância econômica e social em nosso País indica a necessidade do estabelecimento de mecanismos de regulação, de fiscalização e de fomento eficientes, ágeis, que permitam a desejável expansão do setor.

Para tanto, esta Comissão Parlamentar de Inquérito considera imprescindível nova moldura institucional, com a criação de uma agência reguladora, que deverá, entre outras funções a serem definidas, formular políticas, disciplinar as atividades desportivas, criar programas de estímulo, e fiscalizar o cumprimento das disposições estabelecidas. Com autonomia administrativa e financeira e estrutura reduzida, a exemplo das demais agências criadas para regular setores de elevado interesse público, essa instância disporá dos mecanismos e instrumentos imprescindíveis à formulação e implantação de políticas eficientes para o desporto.

            A criação de uma agência reguladora - como a que existe na área de energia elétrica, na de petróleo e em outros setores da vida brasileira - é hoje vital no desporto. Por quê? Porque não interfere diretamente na atividade, que é uma atividade da sociedade, com a qual o poder público nada tem a ver - e quanto mais ela for da sociedade, melhor -, mas cria uma instância capaz de regular a atividade, impedir-lhe excessos, criar normas, definir formas de funcionamento e normas de conduta. Essa é uma excepcional colaboração que a CPI está a dar e que não está no conhecimento do público, porque é natural num primeiro momento noticioso ficar sepultada a agenda positiva diante de tantos fatos que escandalizam a Nação inteira, sobretudo as pessoas ligadas ao desporto no Brasil.

A outra sugestão da CPI é a criação de uma comissão para analisar e propor medidas referentes à violência em espetáculos desportivos. É uma bela idéia. Uma comissão nacional que estude e proponha medidas para coibir a violência na atividade desportiva. Com o desporto de alto rendimento, de hipercompetitividade, com a exacerbação da paixão em torno disso, alimentada sobretudo pela mídia eletrônica, que gosta de fortalecer os elementos passionais da atividade desportiva, embora depois os condene quando eles aparecem, o País vive a presença de violência no desporto como nunca houve, particularmente no futebol, e isso está absolutamente impune. A Lei Zico propunha um elenco de atividades ligadas à Justiça Desportiva, daí por que a criação de uma Comissão para analisar e propor medidas parece-me da mais alta importância. Tal Comissão seria coordenada pelo Ministério do Esporte e Turismo e poderia ser composta, segundo propõe a CPI, por Senadores, membros da Comissão de Educação do Senado Federal; por Deputados, membros da Subcomissão de Esporte, Turismo e Lazer da Câmara dos Deputados; e representantes do Ministério da Justiça, para, num prazo de 90 dias, propor medidas de prevenção e reversão da violência em espetáculos esportivos.

A outra atividade também cria outra Comissão, com a mesma representação, para propor - isso é vital - um novo código disciplinar e a reestruturação da Justiça Desportiva. A Lei Zico sonhou em tê-la na lei. A Lei Zico foi revogada pela Lei Pelé, e essa matéria está praticamente esquecida. Sem um código disciplinar rígido e uma reestruturação da Justiça Desportiva como uma Justiça com valores dentro de si, ou seja, como existe uma Justiça Eleitoral, assim como existem formas de Justiça especializada hoje, o desporto alcançou tal magnitude, tal relevância que ter uma instância de Justiça Desportiva, com juízes especializados na matéria, é outra das formas de moralizar a atividade. Isso porque, pela Justiça Desportiva, pelo código disciplinar, uma série de manobras hoje existentes não apenas no campo desportivo, mas na disputa entre dirigentes, contratos de gaveta, tudo isso que vem marcar, tisnar o futebol brasileiro, passa a ter uma forma de controle.

Ela concebe ainda, na agenda positiva - é o último ponto -, a existência de um fórum nacional para analisar a relação laboral entre entidades de prática e atletas profissionais. Aqui está outro ponto. É do conhecimento de todos o quanto empresários, pessoas do setor às vezes ligadas a técnicos, às vezes ligadas a direção de clubes, não sei, às vezes empresários isolados, tomam rapazes de 17 e 18 anos de boa condição futebolística e já os vendem para o exterior em transações que prendem a questão financeira dos jovens atletas aos interesses do empresário. Depois, fazem negociações sem a própria participação dos atletas, que muitas vezes voltam ao Brasil por contratos que não se sabe bem como são feitos.

Portanto, essa relação laboral entre entidades de prática, que são os clubes e os atletas, significa uma defesa da honradez do trabalho, significa uma não-exploração do desejo de êxito de jovens brasileiros e uma diminuição da facilidade com que se joga nessa matéria, que é outra das causas da corrupção. Vem a ser outra das causas porque, uma vez que ela se infiltra dentro dos clubes, às vezes dirigentes dos clubes passam a participar delas, como ficou provado na CPI agora.

Por conseguinte, Sr. Presidente, quero deixar aqui a minha palavra de solidariedade à CPI. O Senado Federal sai honrado dela, dando mais uma demonstração da seriedade dos seus trabalhos.

Destaco que, ao lado de tudo que a CPI abordou - o que foi feito com isenção, com grande coragem, inclusive pessoal, pelo Relator Geraldo Althoff, do PFL -, essas medidas positivas são indispensáveis, porque vêm colimar um processo de apuração no qual foram ficando evidentes as causas - não apenas os autores da corrupção, mas também as causas - e os modos pelos quais a corrupção infiltra-se por dentro do processo e acaba por contaminar grande parte do corpo desportivo brasileiro, para vergonha da Nação, para a desilusão do povo e para desilustrar uma das atividades - olhando-a do ponto de vista lúdico - mais bonitas, mais belas, mais associativas criadas pela humanidade, a sua grande forma de substituir a guerra.

O esporte é a guerra da paz. Ele existe para que os nossos impulsos agressivos e guerreiros, tratados simbolicamente, esgotem-se no campo desportivo e não venham para o campo da atividade humana. E, nesse sentido, parece-se até com a política.

Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pela atenção.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - Senador Artur da Távola, a Mesa, até por mandamentos regimentais, não debate com os Srs. Senadores nem se envolve em seus discursos. Todavia, não posso deixar de dizer, neste momento, que a palavra de V. Exª é a palavra do Senado Federal a respeito dessa matéria de tanta importância para o povo brasileiro.

A dissertação feita por V. Exª é aquela que deveria ser feita em assuntos dessa dimensão. Esse é um assunto que fala diretamente à alma do povo, e V. Exª interpreta, de maneira excepcional e magistral, o sentimento popular brasileiro.

Meus cumprimentos a V. Exª.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Muito obrigado, Sr. Presidente. Estou muito honrado pelas palavras de V. Exª.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/12/2001 - Página 30508