Discurso durante a 170ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a nomeação do Sr. Eliezer de Carvalho Filho para a direção do Banco Nacional de Desenvolvimento Social - BNDES.

Autor
Roberto Saturnino (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. POLITICA EXTERNA.:
  • Preocupação com a nomeação do Sr. Eliezer de Carvalho Filho para a direção do Banco Nacional de Desenvolvimento Social - BNDES.
Aparteantes
Artur da Tavola.
Publicação
Publicação no DSF de 08/12/2001 - Página 30517
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • CONTESTAÇÃO, NOMEAÇÃO, ELIEZER DE CARVALHO FILHO, PRESIDENCIA, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), MOTIVO, FORMAÇÃO PROFISSIONAL, PAIS ESTRANGEIRO, DESCONHECIMENTO, ECONOMIA NACIONAL.
  • ANALISE, NOMEAÇÃO, ELIEZER DE CARVALHO FILHO, PRESIDENCIA, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), COMPARAÇÃO, ATUAÇÃO, ARMINIO FRAGA, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), PEDRO MALAN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), DESAJUSTAMENTO, ECONOMIA, CRISE, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, MOTIVO, DESCONHECIMENTO, ECONOMIA NACIONAL, DEFESA, INTERESSE, PAIS ESTRANGEIRO.
  • COMENTARIO, DECISÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, AUTONOMIA, GEORGE W BUSH.
  • BUSH, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), NEGOCIAÇÃO, ACORDO INTERNACIONAL, COMERCIO, TARIFAS, IMPOSSIBILIDADE, ALTERAÇÃO, PARLAMENTO.
  • CRITICA, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), PREJUIZO, POLITICA CAMBIAL, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL.

O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero manifestar, muito mais do que minha preocupação, minha insatisfação, meu sentimento de inconformidade com a nomeação de mais um técnico que é brasileiro, mas que, na realidade, sempre viveu fora do País. Tendo-se formado, técnica e educacionalmente fora do País e exercido funções de direção em banco estrangeiros, é uma pessoa ligada, por sua visão das coisas, por sua mentalidade, a interesses que não são brasileiros, a interesses outros que não são os da sociedade brasileira. Refiro-me à nomeação do Sr. Eliezer de Carvalho Filho para o BNDES.

Sr. Presidente, logo o BNDES, que foi a minha casa profissional a vida inteira, um banco que foi a grande agência de desenvolvimento no processo econômico brasileiro, voltado para o cumprimento das metas estabelecidas pelo planejamento a longo prazo; um banco que foi, enfim, a principal alavanca de crescimento da economia brasileira, que se deu nos anos 50, 60 e 70, até a década de 80; esse banco eminentemente brasileiro, que foi uma solução brasileira para o crescimento da economia e que era proibido, originalmente, de financiar empresas de capital estrangeiro, segundo a filosofia de que a empresa estrangeira viria para o Brasil, mas deveria trazer o seu capital e nunca utilizar capital de brasileiros, especialmente dos trabalhadores, para montar suas atividades no País.

Essa filosofia é absolutamente correta, justificada. Não se trata de restringir a entrada do capital estrangeiro, mas de trazê-lo, sem que se beneficie de poupança brasileira, que deve estar reservada aos empreendimentos, aos empresários brasileiros. Essa foi a filosofia do BNDES durante todo o período em que exerceu, com extraordinária competência, a função de servir de alavanca para o desenvolvimento econômico brasileiro.

Isso mudou. Hoje, uma vez que financiou a compra por empresas estrangeiras de estatais brasileiras que exerciam atividades nos serviços públicos, o BNDES completamente se transformou. Um projeto de minha autoria, que tramita no Senado, pretende proibir esse tipo de operação de compra de ativos por capitais estrangeiros, determinando que financiamentos a capitais estrangeiros só possam ser feitos em novos empreendimentos produtivos e não na aquisição daqueles já existentes; e que esse financiamento não ultrapasse o percentual de 50%, para obrigar o capital estrangeiro a trazer, pelo menos, metade de seu capital. Antigamente, a obrigação era de que se trouxesse por inteiro.

Enfim, Sr. Presidente, a minha inconformidade com essa mudança da filosofia de atuação do BNDES vem agora sofrer mais esse incremento, quando abro os jornais e vejo que está sendo nomeado para a Presidência do Banco uma pessoa que não conheço. Não estou, por conseguinte, fazendo nenhum julgamento de seu caráter, de sua competência ou de sua disposição de trabalho. Refiro-me ao seu currículo, que tem uma formação completamente afastada do Brasil, e do seu exercício profissional; uma pessoa relativamente jovem, que teve funções até há pouco tempo ligadas aos bancos estrangeiros. Mais uma vez, estamos recebendo e colocando num cargo absolutamente estratégico uma pessoa que não tem a vivência da economia brasileira, da sociedade brasileira, e isso me preocupa muito, daí a minha inconformidade.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB - RJ) - Ouço, com muita atenção, o nobre Senador Artur da Távola.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Senador Roberto Saturnino, V. Exª - a Casa toda sabe - é uma pessoa da mais alta qualidade pessoal e moral e tem uma visão da economia brasileira e do Estado, há muitos anos, a qual defende com o brilho e a coerência de sempre. V. Exª, ademais, foi funcionário do BNDES e, eu entendo, como uma pessoa que entrou por concurso, que teve a sua vida ligada à instituição, se assusta quando supõe que ela possa estar num caminho diferente daquele para o qual foi idealizada, papel que aliás cumpriu e vem cumprindo na vida brasileira. Há um ponto na fala de V. Exª, porém, que é um pouco fora do universo de argumentações e da pessoa de V. Exª, é quando V. Exª, de alguma maneira, coloca uma forma de suspeita em alguém pelo fato de que esse alguém tenha uma militância, uma presença em quadros econômicos fora do Brasil. E V. Exª usa a expressão assim: “mais uma vez”, e é esse o ponto central do meu aparte, no “mais uma vez”. Tudo isso e muito mais, Senador, foi dito de Armínio Fraga. A frase síntese foi dada pelo Deputado Miro Teixeira: entregaram a raposa para cuidar do galinheiro. Nem apareceu raposa nem o País é um galinheiro. Armínio Fraga tem dado uma demonstração de alta competência à frente do Banco Central; a Oposição inclusive calou já diante da constatação dessa eficiência, e ele era uma pessoa ligada aos trabalhos do mercado financeiro internacional e veio carregado de suspeita. Não dessa suspeita com a doçura e com os cuidados que V. Exª tem, homem sério que é, quando diz que não o conhece, não vai fazer um alcance, conforme acabou de dizer, mas que se referia ao currículo. Porém foi dito muito mais: o País estaria sendo dilapidado, entregue à sanha internacional. E a realidade mostrou um homem competente, trabalhador, que está dando uma quota ao País. O Banco Central é bem administrado. Não há nenhum dano à integridade, que V. Exª defende tanto quanto eu e tanto quanto as outras pessoas. Portanto, só não queria concordar com a pressuposição. Vou lhe dizer algo pessoal. Trabalhei no Jornal O Globo muito tempo. Então, senti na carne quando se tinha desse jornal - hoje não se tem mais - a idéia de que era um jornal reacionário, etc. Era uma patrulha ideológica, evidente, sem nenhum fundamento - jamais materializou-se em qualquer ato meu na vida pública; então vivi um pouquinho essa realidade, em tamanho muito menor, é claro, e muito mais modesto, mas sei o quanto isso é doloroso, ou seja, a pressuposição, a suspeita, porque ela é fermento de um tipo de idéia que impede a uma pessoa ter amor ao seu país, desde que trabalhe fora. É o ponto que eu gostaria de discordar de V. Exª. Trago o exemplo de Armínio Fraga. Quanto ao ponto de vista doutrinário que V. Exª defende, é um ponto de vista ligado a um modelo econômico vivido pelo Brasil que, a meu ver, já está em uma outra etapa, mas isso seria uma outra discussão e já seria eu atrapalhar o discurso de V. Exª, o que jamais faria dada a admiração e estima que V. Exª sabe que lhe tenho.

O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB - RJ) - Jamais V. Exª atrapalharia. V. Exª só enriquece muito o meu discurso e de qualquer outro Senador.

Mas foi muito importante esse aparte de V. Exª, Senador Artur da Távola, porque ele exatamente me permite entrar mais explicitamente no núcleo da questão que estou colocando. Levantei uma suspeita, sim, que não é de natureza moral. Disse bem que não faço julgamentos de natureza moral nem de competência do Sr. Eliezer, porque não o conheço. Não posso fazer prejulgamentos. Assim como não faço julgamentos também de sentimento de patriotismo que ele tenha ou não. A minha suspeita é referente à desvinculação dele como pessoa, como profissional e como político, porque vai exercer uma atividade política, a sua desvinculação com a sociedade brasileira, com a convivência com os brasileiros, com a realidade brasileira, porque é uma pessoa que sempre foi ligada, desde a formação acadêmica até o exercício profissional, a entidades estrangeiras. A meu juízo, isso realmente perturba e distorce a capacidade de uma pessoa no exercício de uma função pública da mais alta relevância, como é o caso da presidência do BNDES.

Quanto ao Sr. Armínio Fraga, também levantei essa suspeição e, a meu ver, a realidade confirmou a suspeição. Porque se V. Exª diz que ele está muito bem exercendo as funções de Presidente do Banco Central, sob minha ótica, ele as está exercendo mantidas as suas vinculações com o mercado financeiro internacional e não com a realidade brasileira na sua crueza mais dura, porque exatamente o que lhe falta é a visão do interesse legítimo das populações brasileiras que estão sendo extremamente prejudicadas, por esse tipo de gestão, que é também a do Sr. Pedro Malan, nos seus interesses fundamentais.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Permite-me apenas mais uma frase, Senador?

O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB - RJ) - Pois não, Senador.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - É que a realidade que V. Exª chama de realidade brasileira é, queiramos ou não, internacional também. Essa é a diferença da nossa visão.

O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB - RJ) - Perfeitamente.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Senão estaríamos no mesmo Partido, do mesmo lado e amigos como sempre fomos.

O SR. ROBERTO SATURNINO (PSDB - RJ) - Claro, Senador! Claro!

Mas é uma questão de ênfase na ótica. É uma questão exatamente de prisma, segundo o qual se vê, se observa e se age em função dessa observação.

Lembro-me de uma frase do ex-Senador Antonio Carlos Magalhães, aqui desta tribuna, quando quis criticar o Ministro Pedro Malan e disse: “- O Malan nunca viu um pobre na vida. Nunca teve contato, nunca recebeu um brasileiro pobre.” Quer dizer, é uma forma jocosa, uma forma irônica, uma forma típica do jargão do ex-Senador Antonio Carlos Magalhães, mas que retrata uma realidade. Essas pessoas que saíram do Brasil, foram viver outras realidades e se encantaram com essas outras realidades e, ao se encantarem, esqueceram-se da realidade brasileira, do que acontece no Brasil - campeão das injustiças sociais - cuja economia não pode suportar, na sua capacidade de competição, a abertura para outras empresas de países de produtividade muito mais elevada.. Essa é a realidade que foi esquecida, e, esquecendo isso, pretende-se implantar um modelo no Brasil que seria bom, adaptável e justo para outras realidades, mas não para a nossa. É isso que vai fazendo com que o Brasil perca cada vez mais a sua condição de decisão própria, de autonomia, algo que a Argentina está no limiar de perder completamente.

Gostaria de comentar a decisão de ontem da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, que aprovou por um voto o chamado fast track authority, isto é, aquele dispositivo que dá ao Presidente da República, ao Presidente George W. Bush, a capacidade de negociar os acordos internacionais referentes a comércio e tarifa sem que o Congresso possa modificar no detalhe esses acordos. O Congresso julgará apenas se aceita ou não, mas perderá a condição que tinha anteriormente, que era a de discutir, por exemplo, o suposto acordo da Alca nos seus detalhes e impor condições sobre a importação de aço, de suco de laranja. O Congresso americano não poderá mais fazer isso. O Sr. George W. Bush passa a ter liberdade para negociar a Alca, e o Congresso americano, como o Congresso brasileiro, dirá “sim” ou “não” ao acordo total, ao acordo fechado, sem entrar em detalhes.

Sr. Presidente, isso aumentará substancialmente a pressão norte-americana sobre as autoridades brasileiras, sobre o Governo brasileiro, para a aprovação da Área de Livre Comércio das Américas - Alca, o que levará, certamente, nessa composição de interesses, mais uma vez, a uma perda substancial para a economia brasileira, para a indústria nacional, bem como para os serviços, porque, caso prosperem os entendimentos e seja aprovada a Alca, os bancos, as empresas construtoras e os fornecedores de governo terão acesso ao mercado nacional. E, possivelmente, o Governo atual envidará esforços nesse sentido. A Argentina não tem mais nenhuma capacidade de resistência, e o Chile já foi cooptado. Portanto, essa vitória política do Presidente George W. Bush na Câmara dos Deputados americana é um passo muito vigoroso no sentido da aprovação definitiva da Área de Livre Comércio das Américas.

Entendo que a Alca constituirá a ameaça mais grave à possibilidade de o Brasil manter as decisões fundamentais sobre sua economia. Já perdemos a capacidade de exercer política fiscal, estamos na iminência de perder a capacidade de exercer política monetária com a “independência” do Banco Central e, com a aprovação da Alca, perderemos a capacidade de exercer política cambial. Isso significa dizer que perderemos a capacidade de exercer políticas econômicas com vista ao desenvolvimento do Brasil, o que nos tornará uma Nação, na prática, sem soberania.

A meu juízo, uma vez implantada essa área de livre comércio, será melhor e mais pragmático para os interesses do Brasil transformarmo-nos em um estado americano e enviarmos Deputados para Washington para, pelo menos, levarem para lá as reivindicações do povo mais humilde que não estão sendo consideradas pelo Srs. Pedro Malan, Armínio Fraga e Eliazar de Carvalho Júnior. Essas autoridades têm a visão do modelo de mercado financeiro internacional, mas não têm a visão dos interesses, do sofrimento, das reivindicações e dos anseios justos da população brasileira mais modesta e carente.

Existem os brasileiros associados aos interesses internacionais. Quando participei da discussão do projeto que institui o plebiscito para adiar a discussão da Alca, percebi que Parlamentares brasileiros ligados a industriais que avaliam que poderão aumentar suas exportações com a adesão à Alca manifestaram-se favoravelmente à sua instituição, considerando que haveria um incremento das exportações. É claro que, possivelmente, aumentarão as exportações de aço, de papel e de suco de laranja, mas essa adesão aniquilará as indústrias tecnologicamente mais avançadas, que fabricam produtos mais nobres e que agregam muita mão-de-obra, como é o caso da indústria têxtil, além das atividades construtora, financeira e bancária. Em troca de algumas migalhas, no sentido do aumento das exportações de alguns produtos, entre os quais os agrícolas e agroindustriais, vamos liquidar a possibilidade de transformar o Brasil em uma economia próspera, com padrões de produtividade semelhantes aos que se verificam no chamado Primeiro Mundo.

E isso está acontecendo na medida em que o Governo brasileiro é ocupado cada vez mais por pessoas que têm essa visão, que têm essa experiência, que têm esses anseios. Os anseios dessas pessoas são ditados por esses modelos internacionais; essas pessoas querem transformar o Brasil em uma realidade semelhante àquela que elas viveram. Acontece que essa transformação não se dá pela importação dos modelos de lá; ela se dá exatamente por um processo de desenvolvimento interno que exige determinadas decisões que são eminentemente brasileiras, que não são cópias daqueles modelos, mas que são decisões que verificam as disparidades e as necessidades do desenvolvimento brasileiro e que foram praticadas, durante 30 anos, com absoluto sucesso, tendo o BNDES, por exemplo, uma posição determinante nisso. E essas pessoas, equivocadamente, consideram que esse é o modelo próprio para o Brasil.

Assim, o brasileiro modesto e carente tem seus interesses prejudicados sem sequer ter a percepção do que está acontecendo, pois toda a mídia louva muito a atuação dessas pessoas, como é o caso do Ministro Pedro Malan, do Sr. Armínio Fraga e, agora, do Sr. Eliazar de Carvalho.

Inconformado com isso, Sr. Presidente, e, é claro, muito motivado também pela imagem que tenho do BNDES, que foi a minha casa profissional a vida toda, tomei a iniciativa de vir a esta tribuna manifestar a minha insatisfação, a minha inconformidade com mais esse passo na direção da desnacionalização ou da “desbrasileirização” da economia brasileira, das autoridades econômicas, da equipe econômica brasileira que está regendo os destinos do nosso País.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/12/2001 - Página 30517