Discurso durante a 171ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o sistema tributário brasileiro.

Autor
Iris Rezende (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Iris Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRIBUTOS.:
  • Considerações sobre o sistema tributário brasileiro.
Aparteantes
Paulo Hartung.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/2001 - Página 30550
Assunto
Outros > TRIBUTOS.
Indexação
  • CRITICA, EXCESSO, TRIBUTOS, TRABALHADOR, DEFESA, CORREÇÃO, IMPOSTO DE RENDA, PESSOA FISICA, REDUÇÃO, IMPOSTOS, POPULAÇÃO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, GOVERNO FEDERAL, EXCESSO, COBRANÇA, IMPOSTOS, AUSENCIA, INVESTIMENTO, POLITICA SOCIAL, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.
  • NECESSIDADE, REALIZAÇÃO, REFORMA TRIBUTARIA, IGUALDADE, TRIBUTAÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL, ATRAÇÃO, INVESTIMENTO, PAIS ESTRANGEIRO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil deveria estar pronto para retomar o caminho do desenvolvimento. Temos uma agricultura que bate recordes de produtividade a cada ano e um parque industrial que vem se modernizando com rapidez, respondendo, com eficiência, ao desafio da competição globalizante. Nossos trabalhadores são hoje capacitados dos mesmos padrões da mão-de-obra disponível nas nações mais ricas do mundo. Temos também um regime democrático consolidado que garante as liberdades civis e o ordenamento jurídico. Nosso sistema educacional encontra-se em processo de aprimoramento. Temos riquezas naturais em abundância. Sobram empresários dispostos a correr riscos, mas, mesmo assim, não estamos conseguindo alcançar um nível de crescimento compatível com as necessidades da nossa população.

            Mais do que qualquer outra coisa, dois fatores impedem que o Brasil retorne à trilha do desenvolvimento: os juros altos e a elevada carga tributária. Nos últimos quatro anos, nenhum outro país praticou uma taxa de juros maior do que a praticada no Brasil. Infelizmente, somos campeões mundiais em matéria de juros altos. Este ano estamos batendo um recorde histórico, com a carga tributária alcançando 34% do Produto Interno Bruto nacional. Apenas a título de comparação, basta lembrar que o PIB do México é de tamanho semelhante ao do Brasil, mas com uma carga tributária 50% menor. Países como a Suíça, os Estados Unidos e o Japão têm carga tributária menor do que a nossa. Lá, os assalariados têm a possibilidade de deduzir, a título de despesas com a educação, muito mais do que o contribuinte brasileiro. E ainda recolhem menos impostos, comparando-se as mesmas faixas salariais.

            O peso dos juros e dos impostos transformou-se em uma barreira intransponível para o desenvolvimento do Brasil, impedindo a expansão dos negócios e dificultando a realização de novos investimentos. A carga tributária sobrecarrega excessivamente tantos produtores como os consumidores. Agora mesmo, estamos assistindo à polêmica que se desenvolve em torno do reajuste da tabela de alíquotas do Imposto de Renda, que foi corrigida pela última vez em 1997. Mantendo a tabela congelada, o Governo castiga os assalariados de menor renda, obrigados a pagar mais Imposto de Renda para alimentar a voracidade de Fisco Federal e gerar os superávits exigidos pelo Fundo Monetário Internacional, cujo resultado, aliás, é destinado ao pagamento de juros aos credores da dívida pública, que consomem, hoje, mais de 70% da receita tributária.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o trabalhador brasileiro, em média, trabalha até o dia 10 de cada mês para quitar impostos. Isso quer dizer que o Governo tem devastado o orçamento das famílias de classe média, principalmente. E em número cada vez maior.

            A manutenção, sem reajuste, da tabela do Imposto de Renda, nos últimos 4 anos, teve como efeito o aumento da população contribuinte de 6 para 11 milhões de assalariados, ou seja, quase dobrou o número dos que pagam o Imposto de Renda.

            O mais grave é que de 1997 até hoje, tomando-se como exemplo as 6 principais regiões metropolitanas do País, o número de pessoas empregadas subiu menos de 9%, passando de 17 para pouco mais de 18 milhões de pessoas, comprovando que o aumento da base de contribuintes deu-se mesmo pela falta de correção da tabela.

            Não há crescimento econômico com juros altos e impostos onerosos. A insistência do Governo em seguir à risca essa receita monetarista mantém baixo o nível de emprego, perpetua as desigualdades sociais e impede a distribuição de riquezas no Brasil, mantendo na pobreza um contingente de mais de 50 milhões de pessoas, segundo avaliação da insuspeita Fundação Getúlio Vargas. Mais grave ainda é que os resultados espetaculares obtidos pela arrecadação tributária não se convertem automaticamente em benefícios para a população. Servem, como já disse, para remunerar os lucros dos aplicadores em títulos da dívida pública. Não garantem, por exemplo, uma melhor qualidade nos serviços básicos de saúde ou uma conservação satisfatória da malha viária, num país que se movimenta sobre rodas e que tem os seus custos de produção onerados pelo mau estado das estradas. Recentemente, o jornal O Estado de S. Paulo concluiu que “o Governo cobra impostos de Primeiro Mundo e presta serviços de Terceiro Mundo”.

            Uma agravante a mais é que o sistema tributário brasileiro é regressivo, concentrando o seu peso sobre quem ganha menos, caracterizando-se como uma fonte de injustiça social. Centenas de milhares de famílias de trabalhadores são privadas do acesso aos bens de consumo, punidas por regras absurdas que fazem com que o pobre, proporcionalmente, pague mais imposto do que o rico. Famílias, aliás, que já vivem oprimidas pela corrosão dos seus rendimentos diante da majoração constante dos chamados preços administrados - telecomunicações, eletricidade, saneamento combustíveis, planos de saúde e transporte público.

            Em face deste quadro danoso, em que os impostos absorvem a renda dos consumidores e ainda recaem em cascatas sobre as atividades empresariais, a produção industrial do País acaba estagnada. A roda do progresso não gira. O desemprego não cede. O Brasil não sai do atoleiro sem conseguir também aumentar as suas exportações e sem reduzir a sua vulnerabilidade às oscilações do mercado financeiro internacional.

            A tributação praticada no País abala a capacidade competitiva dos produtos brasileiros no exterior. A indústria nacional enfrenta a concorrência internacional sem nenhum trunfo, impedida de cobrar preços menores em função da carga tributária indireta e cumulativa que afeta os seus custos na aquisição da matéria-prima e dos componentes, bem como na movimentação financeira para tornar possível a sua produção. As lideranças empresariais do País já se cansaram de advertir o Governo para a inviabilidade e o anacronismo do nosso sistema tributário sem nenhuma resposta.

            Cabe aqui um parêntese para lembrar que o Governo criou um imposto provisório sobre movimentação financeira que já perdura por quase sete anos e teve a sua alíquota praticamente dobrada de 0,20% para 0,38%. O que era temporário tornou-se definitivo.

            Lamentavelmente, as autoridades econômicas não parecem ter ouvidos para uma verdade que nenhum especialista em tributos é capaz de negar: quanto maior a carga tributária, maior a sonegação. Alíquotas elevadas e injustas trazem como conseqüência índices mais altos de evasão fiscal. Cria-se uma espiral sem fim, em que as perdas de arrecadação precisam, cada vez mais, ser cobertas com novos impostos e novos aumentos de alíquotas, com efeitos perversos sobre a sociedade.

            Nos últimos anos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil tem crescido lentamente, na base de pouco mais de 2% ao ano, índice absolutamente incompatível com as demandas da nossa população por emprego, infra-estrutura e atendimento social. A carga tributária, porém, disparou. Do início do Plano Real para cá, foram mais de 180% de aumento. A conclusão evidente é que, apesar de faltar dinamismo à economia brasileira, a arrecadação de impostos cresceu assustadoramente, como se o País estivesse vivendo uma onda de prosperidade.

            Mesmo em época de crise, a arrecadação do Tesouro continuou em ascensão. Particularmente com relação aos assalariados, o IBGE mostrou que o rendimento do trabalhador brasileiro, no período do Plano Real, descontando-se a inflação, teve variação negativa. Mas o Imposto de Renda cresceu. Isso significa que, apesar de ganhar menos, o nosso trabalhador paga hoje mais impostos do que no início do Plano Real.

            Estamos conscientes, Sr. Presidente, de que o desafio da reforma tributária foi adiado para o futuro. A iminência das eleições de 2002 não permite mais que um tema dessa importância seja debatido com a seriedade e a responsabilidade que merece. O impasse em torno do reajuste da tabela do Imposto de Renda mostrou que as distorções são a marca maior de um sistema tributário socialmente injusto e economicamente eficaz.

            No Brasil, enquanto as empresas de energia elétrica têm direito a correção monetária, os contribuintes, sobretudo os assalariados, não têm esse mesmo direito. Continuamos convivendo com impostos que incidem sobre todas as etapas do processo de produção. O Governo tributa empreendimentos que têm prejuízo, mas permite que, das 500 maiores empresas do Brasil, a metade não recolha nem um centavo de Imposto de Renda. Pagamos impostos exagerados sobre telecomunicações, que representam um serviço básico para a população, mas sabemos, por informações do próprio Secretário da Receita Federal, que existe no País um total de recursos da ordem de R$825 bilhões que não pagam qualquer tipo de tributo, por causa da elisão fiscal.

            E, para finalizar essa lista de aberrações tributárias, as mercadorias importadas pagam, no Brasil, apenas uma vez pelo PIS, uma vez pela Cofins e pela CPMF, enquanto o produto nacional suporta a incidência desses tributos em cascata.

            Sr. Presidente, nos últimos 5 anos, 23 emendas constitucionais foram aprovadas com sucesso pelo Congresso Nacional - todas tratando de temas polêmicos. Foram quebrados monopólios estatais, o tratamento dado ao capital estrangeiro e ao capital nacional foi igualado, abriram-se brechas para flexibilizar a estabilidade do funcionalismo público e reformou-se o sistema previdenciário do setor privado. Grande parte dos problemas estruturais que impediam o crescimento da economia no ritmo e na velocidade exibidos pelas condições sociais do País foram removidos. Mas ficou faltando a reforma tributária.

            Sem essa mudança - que é urgente, mas foi adiada para uma data indefinida -, o desenvolvimento pleno e sustentado não voltará ao País. O Banco Mundial tem condenado o excessivo número de impostos no Brasil, criticando a existência de 52 tributos, taxas, direitos, empréstimos compulsórios, retenções e outros encargos cobrados atualmente pelo Governo. Ainda de acordo com o Banco Mundial, a política tributária brasileira, pela sua perversidade, espanta os investimentos estrangeiros, impedindo a chegada de recursos não-especulativos da ordem de US$40 bilhões, que poderiam ajudar no crescimento do País.

            O sistema tributário brasileiro é irracional e precisa ser modificado, deixando de gerar desigualdade social e atraso econômico. O Governo perdeu o momento e as condições políticas ideais para atacar de frente esse problema monumental, implantando a verdadeira justiça fiscal e a racionalidade tributária no País. O trabalhador contribuinte, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não suporta mais o fardo dos encargos que encarecem a vida, enquanto o setor produtivo só deseja livrar-se dos impostos em cascata, que oneram desnecessariamente a produção.

            É por isso que o tão celebrado ajuste fiscal que o Governo apregoa como uma das suas maiores realizações pode não passar de uma vitória efêmera, já que foi obtido sem uma verdadeira reforma tributária. O ajuste fiscal está baseado exclusivamente em cortes de gastos sociais e elevação de impostos prejudiciais ao conjunto da sociedade.

            Pela tradição brasileira, a agenda da classe política para o ano que vem estará tomada pelas eleições, que renovarão o Congresso Nacional e as Assembléias Legislativas, e indicará novos Governadores de Estado e um novo Presidente da República. Como conseqüência do processo eleitoral, será instalado um grande debate sobre os rumos do País. É a oportunidade para que os políticos verdadeiramente sérios se preocupem com o tema da reforma tributária, propondo alternativas e soluções que poderão ser implantadas a partir de 2003.

            Sr. Presidente, o Brasil real, o Brasil que produz e gera empregos, que ainda encontra um jeito de crescer a despeito de todas as dificuldades, esse Brasil clama por um ordenamento tributário que permita ao contribuinte viver com mais dignidade e ao setor produtivo trabalhar com mais eficiência.

            O Sr. Paulo Hartung (Bloco/PSB - ES) - Senador Iris Rezende, V. Exª me permite um aparte?

            O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Com muita honra, concedo o aparte a V. Exª.

            O Sr. Paulo Hartung (Bloco/PSB - ES) - Senador Iris Rezende, quero, rapidamente, parabenizá-lo e dizer que temos um sistema tributário muito atrasado. Um pé desse sistema está nos anos 60, quando a realidade econômica do Brasil e do mundo era outra; o outro pé está na Constituição de 1988. Afora isso, há os remendos: aquele que criou a CPMF; o que aumentou a alíquota do Cofins recentemente; e agora vamos ter outro, criando essa contribuição de intervenção no domínio econômico para combustíveis e lubrificantes - há uma série de notícias complexas em relação a esse tema. Então, precisamos de uma reforma tributária no País. Infelizmente, o atual Governo está terminando seu mandato e tudo indica que ele perdeu a capacidade de liderar esse processo no nosso País. Na minha opinião, Senador Iris Rezende, ex-Ministro, Parlamentar e homem público experiente, essa é uma questão decisiva para o futuro do País. Imagine V. Exª o aumento de carga tributária vivido pelo País nestes últimos anos: saltou-se de 24% do Produto Interno Bruto para 32% ou 33%, praticamente pela arrecadação de tributos do mesmo espaço, dos mesmos contribuintes e com impostos ruins, que prejudicam a produção nacional. Por um lado, estamos abrindo a economia; por outro, estamos tornando os produtos nacionais pouco competitivos. Discutimos sobre a Alca, sobre uma integração maior com o Mercado Comum Europeu, discutimos na OMC, mas estamos com uma estrutura microeconômica pouco compatível em termos da produção nacional. Minha esperança com relação a esse problema já se volta para o próximo Governo. Considero importante debatermos o assunto no Senado e nas campanhas eleitorais do próximo ano, para que o próximo Governo tome posse com um compromisso firme em relação a esse tema. No início do próximo ano, teremos ainda que discutir a CPMF e o ICMS monofásico na questão dos combustíveis e lubrificantes. Serão duas oportunidades para manter esse tema da reforma tributária aceso, jogando sobre ele uma luz, tentando também sensibilizar as autoridades. Aliás, esse ponto é importante até porque tenho a impressão de que acabaremos “matando a galinha dos ovos de ouro”, segundo o dito popular. Na pressa de se obterem os ovos - a arrecadação nacional -, acabaremos com a produção nacional, o que inviabilizará o emprego e a própria arrecadação dos impostos, dificultando a vida e a economia do nosso País. Quero associar-me a V. Exª, a quem parabenizo pelas várias considerações técnicas e políticas tão bem apresentadas na tarde de hoje.

            O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Valadares) - (Fazendo soar a campainha.)

            O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Sr. Presidente, já concluo o meu discurso.

            Senador Paulo Hartung, toda vez que vem à tribuna, V. Exª empresta sua colaboração pessoal a essa permanente e grande luta travada pelo Brasil na busca do seu desenvolvimento, na busca de condições dignas de vida para o seu povo.

            Ao concluir o meu discurso, eu desceria da tribuna realizado pela contribuição que esperava ter trazido à discussão dos temas econômicos sobre os quais as grandes figuras deste País estão debruçadas. Contudo, após a contribuição de V. Exª, senti que não desceria da tribuna tão realizado não fosse o honroso e qualificado aparte trazido por V. Exª nesta hora. Justiça se faça: V. Exª está nesta Casa há menos de três anos, durante os quais tem buscado, com todo o profundo conhecimento na área econômica e com todo o sentimento patriótico, um caminho que leve o Governo a encontrar uma saída para questões tão complexas como as da política econômica.

            Na semana próxima passada, eu reclamava desta tribuna que não entendo mais aonde quer chegar a área econômica do Governo. Não faz muito tempo, a dívida externa brasileira era de US$60 bilhões. Àquela época, as empresas públicas eram suficientes para saldar 80% da dívida externa brasileira; hoje, depois de quase todas ela vendidas, o Brasil não deve apenas US$60 bilhões, mas, sim, quase US$200 bilhões. Todos estamos na busca de uma solução para essa crise, e estou certo de que V. Exª, por sua competência, por ser extremamente estudioso e patriota, tem contribuído e contribuirá ainda mais nesta Casa para o encontro de soluções que levem o País a dar ao seu povo aquilo que ele espera.

            Estou convicto de que os nossos gritos hão de ser ouvidos por aqueles que têm nos ombros a responsabilidade de decisões no nosso País.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo15/5/2412:51



Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/2001 - Página 30550