Pronunciamento de Emília Fernandes em 10/12/2001
Discurso durante a 171ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Comentários sobre as avaliações levadas a cabo pelo Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM e pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos - PISA. Defesa de melhores condições de trabalho e da recuperação salarial dos professores brasileiros.
- Autor
- Emília Fernandes (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
- Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
EDUCAÇÃO.:
- Comentários sobre as avaliações levadas a cabo pelo Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM e pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos - PISA. Defesa de melhores condições de trabalho e da recuperação salarial dos professores brasileiros.
- Aparteantes
- Artur da Tavola.
- Publicação
- Publicação no DSF de 11/12/2001 - Página 30563
- Assunto
- Outros > EDUCAÇÃO.
- Indexação
-
- ANALISE, RESULTADO, EXAME, AMBITO NACIONAL, AMBITO INTERNACIONAL, INSUFICIENCIA, NOTA ESCOLAR, ALUNO, BRASIL, DEMONSTRAÇÃO, CRISE, EDUCAÇÃO.
- REPUDIO, DECLARAÇÃO, PAULO RENATO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), AUSENCIA, RESPONSABILIDADE, GOVERNO FEDERAL, INSUFICIENCIA, NOTA ESCOLAR, COMPETENCIA, PROFESSOR, LEITURA.
- CRITICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROJETO DE LEI, INCLUSÃO, FILOSOFIA, SOCIOLOGIA, ENSINO MEDIO, AUSENCIA, REAJUSTE, SALARIO, PROFESSOR, AUMENTO, POBREZA, DESIGUALDADE SOCIAL, DESVALORIZAÇÃO, ESCOLA PUBLICA, RESULTADO, CRISE, EDUCAÇÃO.
- REGISTRO, DIA INTERNACIONAL, DIREITOS HUMANOS, LEITURA, DECLARAÇÃO, JOÃO BAPTISTA HERKENHOFF, PROFESSOR, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, DESRESPEITO, JUVENTUDE, POPULAÇÃO.
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste início de dezembro, duas notícias de jornais estampam um grande problema que o Brasil vive, tão preocupante quanto a corrupção, a cassação de direitos dos trabalhadores pelo desmonte da CLT e o crescimento da violência, somente para ilustrar alguns.
Falo dos resultados divulgados pelo Ministério da Educação sobre os dois testes, um nacional e outro internacional, aplicados aos estudantes brasileiros, cujos resultados não foram nada favoráveis.
A dívida do Governo para com o povo no que tange à educação, em que pese o alarde da intensa propaganda oficial, está muito longe de ser saldada. A educação ainda configura um cenário trágico emoldurado por argumentos, desculpas, transferência de responsabilidades e explicações nem um pouco convincentes, que tangem a hipocrisia e a politicagem.
A primeira avaliação a que me refiro, levada a cabo pelo Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM, indica que a nota média obtida pelos estudantes brasileiros, numa escala tomada de zero a cem, caiu de 51,85 para 40,6 em 2001. A outra avaliação, conduzida pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos - PISA, revelou que os estudantes brasileiros obtiveram a pior classificação dentre os 32 países em que os testes foram aplicados. Conduzida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, a avaliação efetuada no ano 2000 mediu o desempenho de 4.800 alunos brasileiros de escolas públicas e privadas com idade 15 anos entre estudantes de 29 países que integram a entidade e mais três convidados: Brasil, Letônia e Rússia.
No que concerne à capacidade de leitura, foram avaliados 265 mil alunos, todos de 15 anos de idade. Srªs e Srs. Senadores, os alunos brasileiros foram classificados como analfabetos funcionais, ou seja, capazes de identificar letras, palavras e frases, sem, contudo, compreender o que estão lendo.
O Brasil foi, assim, reprovado na primeira avaliação internacional a que foram submetidos os estudantes do Ensino Básico - avaliação de jovens de 15 anos com o objetivo de verificar o preparo escolar diante dos desafios que terão de enfrentar pela frente, na vida adulta.
As estatísticas indicam que, no Brasil, mais da metade das crianças de 4 a 6 anos não freqüentam a Pré-Escola; 8,5 milhões entre 7 e 18 anos ainda estão fora de sala de aula; menos de 7,5% têm acesso ao ensino superior, sem deixar de registrar os dados alarmantes dos 17 milhões de analfabetos e dos 30 milhões de analfabetos funcionais.
As reformas do ensino e as modificações conduzidas pelo Governo brasileiro processam-se segundo uma abordagem de predominância quantitativa. Educação, porém, Srs. Parlamentares, se faz com quantidade e qualidade, com a valorização dos profissionais, com recursos humanos e materiais e principalmente com inserção social e distribuição de justiça que viabilizem um patamar básico de qualidade de vida de modo a permitir a transmissão e a absorção dos conhecimentos.
Dos estudantes brasileiros avaliados na pesquisa internacional, 33% conseguiram atingir o nível 1 do teste, isto é, localizam informações num texto e reconhecem o tema principal, mas não conseguem deduzir, comparar e avaliar a idéia transmitida, significando que apresentam uma compreensão limitada e insuficiente do que lêem.
É importante registrar que metade dos alunos brasileiros de 15 anos, submetidos à avaliação, freqüentam a 7ª série ou a 8ª série, quando, pela idade, já deveriam ter concluído o Ensino Médio. Esse fato comprova que um dos males da educação brasileira continua sendo a defasagem idade/série.
O Ministro da Educação aponta que a repetência foi preponderante para o mal desempenho dos estudantes avaliados, sem, contudo, indicar de maneira clara e mais concreta as medidas que o Governo Federal realmente tomou para debelar o problema. Portanto, educação não é apenas matrícula, mas também permanência, acesso, êxito e qualidade do conhecimento.
Após o alarmante resultado das avaliações, o Governo pretende afastar, de certa forma, a sua responsabilidade com a ligação de que todos os outros países envolvidos na pesquisa são desenvolvidos. Ora, convenhamos, Srs. Parlamentares, pelo tanto que o Governo gasta em propaganda, pelo tanto que se ouve de discurso oficial, pelas manifestas pretensões do titular da Pasta de Educação, era de se esperar, no mínimo, que, após sete anos deste Governo, algumas das questões básicas e fundamentais, como a questão da repetência, a qualidade do ensino e a valorização dos trabalhadores de educação, já estivessem, no mínimo, equacionadas, de modo a gerar resultados menos amargos do que a imprensa nacional e os relatórios divulgaram.
Bons resultados, contudo, só podem ser obtidos, uma vez que tenhamos professores em sala de aula, percebendo remuneração digna. Não é o que se vê. O Governo, por exemplo, tratou com revoltante descaso os professores das instituições federais de ensino, em greve por mais de cem dias, inclusive com salários cortados. Bons resultados só podem ser obtidos com apoio a cientistas, pesquisadores e professores, que tenham reconhecimento de seu trabalho, ao invés de serem ironicamente desrespeitados e tratados como coitados, como o foram recentemente pelo Presidente da República. Bons resultados, portanto, conseguem-se com tratamento muito diferente do que vem sendo dispensado pelo Governo Federal aos alunos e profissionais de educação.
Se a baixa classificação de nossos estudantes nos preocupa, causam-nos profunda indignação as justificativas e a resignação das autoridades, como as manifestadas pelo Ministro da Educação, quando afirmou: “Não há nenhuma surpresa nos resultados. Estamos atrasados, porque historicamente sempre fomos. Os resultados poderiam ser piores. Esperava um resultado pior. A escola brasileira não sabe ensinar a ler, e ponto”.
Diante de tais afirmações, questionamos se o ponto final é a anotação mais adequada, ou se a frase é de ser completada com a revelação da parcela significativa de omissão, desleixo e irresponsabilidade das ações educacionais implementadas por este Governo.
Senhoras e senhores, quanto à prova realizada pelo MEC, o Exame Nacional do Ensino Médio - ENEEM -, deste ano de 2001, o resultado foi pior do que o do ano passado. A média da prova objetiva despencou de 51,85, para 40,56; a média da redação, de 60,87, para 54,58. Além disso, 57% dos participantes foram reprovados na parte objetiva, que, todos sabem, é usada como opção para vestibular, em 296 instituições de ensino superior. Cinqüenta e sete por cento dos alunos foram reprovados porque atingiram, no máximo, 40 pontos, o insuficiente para serem considerados aprovados.
Novamente, a queda das notas tem justificativas e transferência de responsabilidades estampadas nas declarações das autoridades governamentais. “Não me surpreendi com o resultado”, repetiu o Ministro da Educação. “A mudança de perfil dos participantes também é uma causa. Os alunos precisam ler mais. A realidade educacional não é diferente da realidade social. No ano passado, foram cerca de 300 mil alunos. Neste ano, foram 1,2 milhão de alunos. Neste ano, houve grande participação de alunos de escolas públicas e provenientes de famílias de baixa renda”. E ainda disse o Ministro: “Estamos botando a nu a realidade brasileira que reflete a exclusão social”. E mais: “A forma de se eliminar a exclusão social e melhorar o desempenho dos alunos é oferecer escolas públicas de qualidade, intensificar programas de leitura e a capacitação dos docentes”.
Ora, Srs. e Sr.ªs Senadoras, com certeza não faremos a simples leitura dessas afirmações, porque, como pessoas alfabetizadas, sabemos razoavelmente interpretar, comparar e concluir e, portanto, vamos registrar aqui algumas deduções extraídas das próprias palavras do Ministro da Educação.
Segundo as afirmações do titular da Pasta, a responsabilidade é da escola, dos professores, da cultura da reprovação e da pobreza do povo.
Cabe indagar: será que o povo não lê porque não quer ou porque não deseja ter acesso aos meios modernos de comunicação? Ou é porque, na verdade, ao povo só resta a opção de sintonizar um radinho de pilha ou a tevê em dois canais da grande imprensa brasileira, em programas, onde os americanos são sempre heróis, onde os problemas das famílias, dos filhos, dos pais e das traições conjugais são resolvidos na base da agressão; canais, programas onde são exibidas miraculosas possibilidades de enriquecimento fácil, apresentados em programas de péssima qualidade.
As famílias pobres deste País, de onde provêm a grande maioria da população brasileira, não freqüentam cinema, teatro, não viajam nem compram jornais ou livros, e seus filhos estão predestinados a estudar em escolas de baixa qualidade. Essa é a tese defendida pelo Ministro da Educação.
Por outro lado, o Ministro declara que o fracasso da avaliação é responsabilidade dos professores, porque, segundo o juízo do Governo Federal, os professores são incompetentes e não conseguem mudar o quadro da precariedade do ensino e da deficiência da aprendizagem.
Elemento mais cruel da análise feita pelo MEC, na minha avaliação, é atribuir os resultados negativos à condição financeira dos alunos. Os pobres, alunos provenientes da escola pública, portanto, de responsabilidade do Governo, têm o pior desempenho.
É importante registrar aqui declarações de um dos três alunos classificados em primeiro lugar na avaliação - diga-se de passagem, os três de escola particular -, com nota máxima em redação: “Meus professores incentivam o raciocínio. Temos até aula de filosofia”. Nesse ponto, recuperamos o tempo em que o Senado Federal e a Câmara dos Deputados votaram projeto que incluía no currículo do ensino médio as disciplinas de filosofia e sociologia. Cabe realçar, sim, que o próprio estudante enfatiza a importância do ensino da filosofia, ao contrário do que o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso fez quando vetou o projeto aprovado pelo Congresso Nacional. Era a forma de todas as escolas brasileiras também oferecerem disciplinas formadoras de consciência e de cidadania. E, assim, alunos pobres e ricos teriam melhores oportunidades.
O aluno entrevistado também ressaltou a necessidade de saber relacionar o que se aprende na escola com o mundo, afirmação bastante oportuna, que traduz um dos princípios da escola-cidadã, pela qual estamos lutando há tanto tempo.
Os alunos avaliados criticaram as condições de suas escolas, a falta de computadores, equipamentos e laboratórios. Lembramos que, também neste sentido, não procede a informação do Ministro de que essas são novas exigências, pois as reclamações quanto à biblioteca e material didático já foram resolvidas. Já foram resolvidas? Na verdade, ainda existe considerável número de escolas e professores desprovidos do acervo atualizado de livros, jornais e revistas em quantidade e qualidade suficientes para o estímulo e a consolidação do aprendizado. Essa é a realidade deste País!
A quase totalidade dos professores deste País percebe salários baixíssimos, tendo que optar entre se alimentar e pagar aluguel ou adquirir livros e periódicos, restando possibilidades mínimas de terem acesso a cursos, seminários ou congressos, de que, tenho certeza, muitos deles gostariam de participar. Esses fatos são de conhecimento geral, mas as autoridades fingem desconhecer e nem os elencam entre as causas do fraco desempenho do ensino no Brasil.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o modelo econômico vigente no País é o principal responsável pela miséria de 55 milhões de brasileiros e brasileiras, pelo crescimento alarmante do desemprego, pelo êxodo rural, pelo crescimento da economia informal, pela flexibilização, pela cassação de direitos e o desmonte da organização dos trabalhadores; também pela concentração desumana de renda, pela ausência de políticas públicas consistentes nas áreas de saúde, habitação e educação.
O Ministro esqueceu-se de esclarecer que, se há exclusão, se há pobreza, se há desequilíbrios e todas essas mazelas citadas, esses fatores advêm das opções políticas efetuadas nos últimos 30 anos, pelos mesmos agentes que, nestes últimos 7 anos, compõem e integram a base de sustentação deste Governo.
O Ministro se furta de explicar quais razões levam um País de dimensões continentais como o Brasil a se transformar em uma máquina de produzir miséria, de explorar, de excluir a grande maioria do povo, concentrando riquezas e as desviando para os cofres no exterior e produzindo alunos que, com 15 anos, mesmo sabendo ler e escrever, são considerados analfabetos funcionais.
Sr. Presidente, todos temos a consciência da diferença que faz a educação e de sua capacidade de formar cidadãos e cidadãs conscientes, esclarecidos, críticos e criativos. Embora por si só a educação não seja capaz de alterar o mundo, temos a firme convicção de que o mundo sem educação jamais poderá processar as transformações e as mudanças para a conquista da dignidade, da igualdade e da justiça.
Dirijo-me neste momento, Sr. Presidente, aos meus colegas professores e professoras deste País.
Temos carregado, ano a ano, a sobrecarga da desvalorização e do aviltamento de nossos salários, o aumento da carga de trabalho; temos visto a evasão de professores que buscam outras atividades profissionais, aumentando o índice de desistência; temos constatado até mesmo a desesperança e o desencanto entre nossos colegas professores. O respeito que conquistamos durante anos, décadas, perante a sociedade, perante os alunos, esvai-se ante as precárias condições de vida e rebaixamento da condição social dos trabalhadores em educação.
A nossa nobre missão é educar e não apenas transmitir conhecimentos. Para isso, precisamos acreditar e desenvolver, junto aos nossos alunos, o sentido de que a linguagem escrita e falada necessita ser percebida como instrumento para o alcance dos objetivos futuros, em especial o de transformação social.
Portanto, a nossa luta pela recuperação salarial, pelo resgate do valor da nossa profissão e pela melhoria das condições de vida e de trabalho precisa ser uma constante em nossa existência.
O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Senadora Emilia Fernandes, concede-me V. Exª um aparte?
A SR.ª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Ouço o aparte de V. Exª, Senador Artur da Távola.
O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Senadora Emilia Fernandes, sou testemunha, nestes quase 7 anos, do quanto V. Exª tem lutado pela questão educacional e do mérito com o qual V. Exª aborda o assunto, professora e membro da Comissão de Educação que é. Quero apenas fazer um pequeno alcance sobre a fala de V. Exª, pronunciada com grande elegância e com um timbre próprio do falar dos gaúchos, aliás encantador, diga-se de passagem. Fica um pouco difícil penetrarmos no conteúdo, encantados que ficamos com a forma. No entanto, eu gostaria de adentrar no conteúdo do que V. Exª falou, porque é o que podemos chamar de uma verossimilhança no lugar da verdade. No que consiste a verossimilhança no lugar da verdade? A verossimilhança é o que é semelhante à verdade. É possível unir-se uma porção de meias-verdades e obter-se, ao final, uma conclusão lógica que parece verdade. O discurso de V. Exª, a meu juízo, está nessa linha. Por quê? V. Exª sabe, tanto quanto eu, que a educação é um dos tópicos da tragédia social brasileira. Como tal, não é, não será e nem seria possível ser debelada em seus males em poucos anos. Só que - e aí está a verossimilhança - no discurso de V. Exª não existe a consideração do lastro histórico onde se desenvolveram as condições precárias da educação no Brasil. Ou seja, V. Exª aproveita uma visão lúcida da realidade para criticar o Governo. Nesse momento, V. Exª se afasta do tema central e vai para o tema periférico da questão. Aliás, é vezo dos Partidos de Oposição lançarem sobre o Governo - nem só sobre o Governo, mas sobre a pessoa do Presidente da República - a ponto de gerar, na opinião pública, nas manifestações sociais, aquela mesma posição que as torcidas de futebol têm, ou seja, pouca reflexão, muita paixão e palavras de ordem retumbantes, altissonantes. É o “brado retumbante” do nosso Hino Nacional aplicado à pregação social. Veja o esforço feito no Brasil, Senadora, V. Exª sabe disso: o Brasil, partindo de uma constatação da necessidade de melhora do ensino básico, investiu fortemente, nos últimos seis anos, nos ensino básico; e o ensino básico jogou, tanto no médio como dali para cima, uma quantidade nova de jovens, altamente significativa - tenho os dados, apenas não os tenho de memória. O ensino médio não estava preparado devidamente para o afluxo de jovens na sua direção e, apesar de todas as limitações, esse ensino médio pressiona na direção das universidades, que, por sua vez, também não estavam preparadas para esse afluxo. O Senador Paulo Hartung fez um discurso oposicionista de alto valor, no qual disse uma verdade formidável: “Precisamos adequar a estrutura universitária a toda uma nova dimensão da vida brasileira que ela responderá”. Ele não estava dizendo que cabe ao Governo ser responsável pela totalidade do processo social. A educação, no seu aumento de oferta, de melhora do ensino, de sua qualidade, é um processo em marcha. Este processo, quando se põe em marcha, cria novas realidades. E foi o próprio Governo que, de certa maneira, cortou na própria carne, quando apresenta certos índices deploráveis, que estão ainda dentro do ensino fundamental, antes do ensino universitário. Com coragem, põe para a Nação para discutir. Não compreendemos a dificuldade brasileira nas questões sociais. Só para dar uma idéia do que é o tamanho do problema no Brasil, analisando-se apenas a merenda escolar, o País fornece 36 milhões de merendas por dia. Olhemos o que significa, num País dessa dimensão, com 170 milhões de habitantes, com 80 milhões de pessoas nascidas nos últimos 30 anos, o esforço para incorporar esse grupo numa sociedade por sua vez injusta por décadas - poderíamos dizer por séculos - de opressão. Esse é o quadro em que operam os administradores - os atuais e os futuros - quando trabalham na direção do processo educacional. V. Exª tocou bem no assunto porque o conhece, mas, no momento em que desloca a análise do tema central, que é o problema educacional brasileiro na sua magnitude, e joga no atual Governo o peso de tudo que existe na área da educação, V. Exª afasta-se de um discurso lúcido - como é lúcida V. Exª - e cai num discurso de natureza política menor - digamos assim -, imediato, não ao mesmo nível dos argumentos defendidos por V. Exª. E aí conclui de maneira terrível: “E o nosso salário?”. É evidente: os salários brasileiros são conseqüência de erros de décadas, que se acumularam na dívida pública e que estão sendo enfrentados; mas, no caso da educação, principalmente do ensino básico, nunca se pagou ao ensino básico um salário o atual. Desculpe, Senadora, se a interrompo. É uma pena, o discurso de V. Exª é sério - como V. Exª é uma pessoa séria -, mas discordo profundamente que V. Exª desloque a análise bonita que sabe fazer, justa, da educação brasileira, jogando toda a responsabilidade em cima do Governo, como se ele fosse, de repente, em seis anos, o responsável por essa realidade - e ele a mudou mais do que qualquer outro Governo nos últimos 50 anos no Brasil. Muito obrigado, Senadora.
A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Artur da Távola, sempre exposto, mesmo na crítica, com muita elegância, própria de V. Exª.
O que temos a lamentar é que um homem com a história e a cultura de V. Exª precise hoje desempenhar o papel da defesa da política neoliberal e deste Governo que vem, sem dúvida, empobrecendo as pessoas, desempregando-as e jogando a educação e as nossas universidades públicas em terceiro ou quarto plano.
Então, não tenho dúvida, faço este pronunciamento com paixão. Faço-o com paixão porque sou professora. Exerci o magistério por 23 anos e tenho contato direto com os trabalhadores da educação deste País. Há professores passando fome neste Brasil! Professores que não têm casa, que não conseguem ler um livro e que pedem comida e roupa aos colegas porque não têm condições de sobrevivência. Essa é pouca reflexão, Srs. Parlamentares?
Vamos tirar a máscara! Não estou dizendo que os males da educação são dos sete últimos anos, mas estou dizendo que esses sete últimos anos do neoliberalismo não fizeram nada para melhorar os 30, 40, 500 anos em que não se ensina, não se faz ciência, não se faz tecnologia, porque os nossos cientistas são “coitados”, como disse o próprio Presidente da República.
Então, é com paixão, sim, Senador que dou este depoimento, porque não ficarei na análise de que, se o aluno é avaliado hoje, essa avaliação está equivocada inclusive...
O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Senadora, não é paixão, é populismo o que V. Exª está fazendo.
A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Que seja, Senador. Assumo, porque falo em nome de milhões de trabalhadores de educação com fome, aviltados em sua dignidade!
O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Mas V. Exª não tem esse monopólio!
O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti) - Senador Artur da Távola...
O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - V. Exª não tem o monopólio que pensa.
A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Não lhe concedo mais aparte.
Quero encaminhar-me para as conclusões, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti) - Rogo a V. Exª que o faça.
A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Senador Artur da Távola, querer, com palavras elegantes, desfazer do trabalho que aqui apresento, em uma declaração pública de vida e de consciência que dou, realmente me agride, principalmente vindo de pessoa tão qualificada como é V. Exª.
O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Senadora Emilia Fernandes, eu não usei um adjetivo quando falei com V. Exª. Eu não a agredi. Não diga isso.
A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Fazemos a interpretação, Senador. Não somos alunos de 15 anos.
O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Se não é possível discordar de V. Exª, peço desculpas. Nunca mais a apartearei.
A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Não é com esse objetivo, Senador. Sou uma pessoa aberta à democracia e ao debate de idéias. Contudo, o que incorporo aqui é algo que vai além da leitura de dados e de números: vai da constatação triste da vida e da educação.
Fosse este um País sério, os professores universitários não teriam estado por 100 dias em greve, com salários cortados. E sabemos da qualidade do nosso ensino, que está sendo ministrado com dificuldades e dedicação.
Essa luta, Sr. Presidente, é difícil de as pessoas entenderem, mas digo a V. Exªs: a questão é de salários sim. Por que não falarmos em salário, se é ele que dá dignidade à pessoa? No próximo ano, terei direito a me aposentar como professora; possuo curso superior, pós-graduação, promoções por merecimento; promoções por ter sido diretora de uma escola por seis anos; mas não me aposento, no Rio Grande do Sul, percebendo um pouco mais do que R$1 mil! Então pergunto, Sr. Senadores: este é um País sério, que trata a educação com dignidade?
Então, a luta é de toda a sociedade, que deve cerrar fileiras em torno dos professores e das instituições públicas, do ensino e da pesquisa, para exigir, sim, desse Governo, que se cumpra a Constituição, quando diz: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Sr. Presidente, ao concluir, estamos hoje, 10 de dezembro, no Dia Mundial dos Direitos Humanos, quando se passam 53 anos desde a sua inscrição.
No ano 2001, que deveria ser o Ano Internacional do Diálogo das Civilizações, o que vemos? Os conflitos, as guerras vencerem o diálogo e a solidariedade.
Deixo duas questões também para reflexão. A primeira delas, o conteúdo do art.1º da Declaração Mundial dos Direitos Humanos: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.” Que esse artigo não continue somente como recomendação, mas que seja uma prática de todos os povos. Nesse contexto, a educação tem o seu lugar privilegiado.
E pergunto: como podemos avançar na luta pelos direitos humanos, se a Educação regride? Como podemos avançar na constituição de direitos em um País de analfabetos? A estas perguntas, socorro-me da declaração do escritor e Professor João Baptista Herkenhoff:
A meu ver, o mais grave crime contra o povo, no Brasil contemporâneo, é a liquidação da escola pública pelos diversos níveis de Governo. Salários indignos pagos a professores não afrontam apenas o direito dos professores. Constituem, sobretudo, um desrespeito à juventude. Não há crime histórico mais grave do que aquele que se pratica contra a juventude. Lesar a juventude, destruindo a escola pública, é uma traição ao país, é desprezar o futuro, é matar a esperança. Governantes que sucateiam a educação devem ser considerados “inimigos do povo”.
Era o registro que eu gostaria de fazer, Sr. Presidente.
Muito obrigada.
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