Pronunciamento de Geraldo Cândido em 10/12/2001
Discurso durante a 171ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Transcurso, hoje, do Dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos, oportunidade em que chama a atenção do Governo para a questão da transgressão dos direitos do menor infrator e do presidiário.
- Autor
- Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
- Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
DIREITOS HUMANOS.:
- Transcurso, hoje, do Dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos, oportunidade em que chama a atenção do Governo para a questão da transgressão dos direitos do menor infrator e do presidiário.
- Publicação
- Publicação no DSF de 11/12/2001 - Página 30589
- Assunto
- Outros > DIREITOS HUMANOS.
- Indexação
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- COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, DIREITOS HUMANOS, NECESSIDADE, CUMPRIMENTO, ACORDO INTERNACIONAL, RESPEITO, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS.
- COMENTARIO, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA NACIONAL, DIREITOS HUMANOS, ELOGIO, CONGRESSO NACIONAL, APROVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, COMBATE, ILEGALIDADE, PORTE DE ARMA, TORTURA, TRABALHOS FORÇADOS, PROTEÇÃO, VITIMA, TESTEMUNHA.
- NECESSIDADE, COMBATE, PUNIÇÃO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, TRABALHOS FORÇADOS, CRIANÇA, DEFESA, ALTERAÇÃO, SISTEMA PENITENCIARIO, RESPEITO, DIREITOS, PRESO, REDUÇÃO, LOTAÇÃO, PRESIDIO.
- DEFESA, REESTRUTURAÇÃO, POLICIA, NECESSIDADE, RESPEITO, DIREITOS HUMANOS, APOIO, REDUÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, HOMOSSEXUAL, DEFICIENTE FISICO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, dia 10 de dezembro, comemora-se uma data de significado especial para a comunidade internacional: o aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 10 de dezembro de 1958, há exatamente 53 anos, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, reunida na cidade de Paris.
No entanto, a lembrança de tão importante data, que deveria ser motivo de orgulho para toda a humanidade, somente nos faz recordar a gigantesca dissonância entre os belos princípios contidos na Declaração e as incontáveis violações perpetradas pelos mesmos governos que um dia a assinaram.
Nesse grupo de Estados que insistem em fazer da Declaração letra morta, inclui-se, para nossa profunda tristeza, o Brasil. De acordo com o último relatório das Nações Unidas, o Brasil ocupa vergonhosa posição no rol das nações que mais violaram os direitos humanos.
Mesmo assim, nos últimos anos, as instituições brasileira deram uma demonstração de que querem estar cada vez mais comprometidas com a garantia e com a proteção dos direitos humanos. Da Conferência de Viena, realizada em 1993, resultou a criação do Programa Nacional de Direitos Humanos. Foi criada uma secretaria, junto ao Ministério da Justiça, encarregada de implementar esse programa. Também a aprovação de algumas leis, por parte do Congresso Nacional, permitiu a execução de alguns desses direitos fundamentais. Ressalta-se como aspectos positivos a vigência das seguintes leis:
- Lei nº 9.437/97, que “criminaliza o porte ilegal de armas e institui o Sistema Nacional de Armas, Munições e Explosivos, Sinarm”. Essa Lei viabilizou o início de um sistema sobre cadastro de armas no País, bem como a identificação das pessoas civis com o porte de armas. Também obriga que a compra de cada arma seja imediatamente comunicada ao Sistema.
- Lei nº 9.455/97, que “define os crimes de tortura e dá outras providências”. Essa lei representou um passo importante para o fim da prática de tortura no Brasil. Embora o Brasil tivesse ratificado todos os instrumentos internacionais destinados a abolir esse tratamento desumano, a prática da tortura não era considerada crime. Com a criação do tipo penal, passa-se a responsabilizar criminalmente a prática da tortura efetuada principalmente por agentes públicos na sua maioria policiais militares e civis.
- Lei nº 9.714/98, que “amplia as alternativas à pena de prisão para os crimes de menor gravidade, por meio da imposição de restrições aos direitos do condenado e prestações de serviços à comunidade”. Essa lei viabilizou que aos delitos de menor potencial ofensivo fosse aplicado, em vez de penas restritivas de liberdade, simplesmente penas de prestação de serviços à comunidade e restritivas de direitos. Essa inovação no sistema brasileiro de penas trouxe um menor crescimento da população carcerária.
- Lei 9.777/98, que “define como crimes condutas que favorecem ou configuram trabalho forçado”. Essa lei resultou de grandes esforços para que as condutas ilícitas de trabalho forçado e escravo fossem consideradas crime. No entanto, até hoje, são poucas as condenações nesse tipo penal, tendo em vista que se torna difícil caracterizar a intenção de manter o empregado em trabalho forçado.
- Lei 9.807/99, que “estabelece normas para a organização e manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas”. Essa lei significou um avanço importante ao combate à impunidade, uma vez que vítimas e testemunhas de crimes passaram a receber condições de proteção de vida para denunciarem os responsáveis pelos graves delitos.
- Lei 9.812/99, que estabelece uma penalidade mais severa a cartórios e tabelionatos que não quiserem cumprir com a gratuidade das certidões de nascimento e de óbito. A lei da gratuidade de registros civil é fundamental para os direitos humanos. Muitos cartórios não vinham aplicando a gratuidade e foi preciso a vigência dessa lei para obrigar o sistema cartorial brasileiro a respeitá-la, sob pena de cassação da concessão de funcionamento.
- Decreto Legislativo nº 89/98, que aprova a competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos para fatos ocorridos a partir do reconhecimento daquele instrumental internacional.
Relativamente às proposições legislativas em andamento, há um rol considerável de projetos de lei importantes na área dos direitos humanos. Mas, a despeito dessas leis, reconhecemos que é crescente o número de violações aos direitos fundamentais da pessoa humana em nosso País. Essa violação torna-se mais aguda quando estão envolvidos os direitos de crianças e adolescentes, presos e setores discriminados da sociedade, como homossexuais, pessoas portadoras de distúrbio mental, deficientes físicos e negros.
O retrato da infância e juventude no Brasil é funesto. Apesar de termos uma das legislações mais avançadas no mundo, destinada a garantir o direito às crianças e aos adolescentes, ainda não temos, na prática, ações governamentais e políticas sociais capazes de garantir esses direitos. Somos um País que coleciona trágicos indicadores no que se refere a violência às crianças e aos adolescentes. Cerca de 16% da população de crianças entre 10 e 14 anos estão no trabalho formal e informal, geralmente de forma insalubre, perigosa e sem os direitos trabalhistas mínimos atendidos. Esse percentual cresce à medida que aumenta a idade do jovem, evidenciando que a mão-de-obra infantil é considerada um subsídio complementar à renda e ao trabalho das famílias brasileiras. Assim, vê-se que o Estado, a família e a sociedade, que, em regra, deveriam ser os primeiros garantidores dos direitos fundamentais desses jovens, são, contrariamente, os estimuladores da violência e do desrespeito às crianças e aos adolescentes.
O comércio e a exploração sexual de crianças e adolescentes são também crescentes no País, principalmente nas áreas mais pobres e de forte concentração do turismo. Na maioria das vezes, as redes de exploração sexual infanto-juvenil envolvem autoridades policiais, empresários, políticos e pessoas influentes, que têm certeza de que as suas condutas ficarão impunes.
Por outro lado, a Justiça brasileira ainda deve explicações sobre o caso das crianças emasculadas em Altamira, no Estado do Pará, e também a apuração e a punição nos casos referentes ao Estado do Maranhão. Em visita ao Ministério da Justiça, tivemos, por parte do Secretário Nacional dos Direitos Humanos, o compromisso de que esses dois casos têm recebido prioridade da Secretaria.
Cabe ressaltar que os direitos humanos devem receber por parte dos Estados a devida responsabilidade sobre as apurações.
Mas as violações são também grandes quando se trata de adolescentes infratores. Em regra, as medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente dão lugar a penas de reclusão com cumprimento em estabelecimentos que são, na prática, verdadeiras penitenciárias. Os jovens em regra ficam internados além do prazo legal. As Febems existentes em quase todos os Estados da Federação são uma triste realidade, violadoras dos princípios contidos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. São estabelecimentos que têm efeitos perversos na formação do caráter e da personalidade dos jovens, em nada contribuindo para que o jovem tenha a garantia de uma boa e saudável educação.
O sistema penitenciário brasileiro também passa por uma profunda crise. As prisões estão superlotadas, têm custos de manutenção excessivamente altos, são desumanas e incapazes de reeducar o transgressor e reintegrá-lo novamente ao convívio social. As rebeliões de presos bem como as torturas e chacinas, provocadas por agentes do Estado, são freqüentes nas penitenciárias. Geralmente, quem cumpre pena são justamente as pessoas condenadas por delitos de menor potencial ofensivo. Há também uma grande concentração de presos em delegacias de polícias, enfrentando todo o tipo de violação aos direitos do detento, já fartamente assegurados na legislação brasileira e em instrumentos internacionais.
A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, CDH, visitou, no primeiro semestre deste ano, 17 instituições e constatou haver cerca de 15 mil presos. Praticamente em todos os estabelecimentos foi constatada superlotação. Na Penitenciária Estadual de São Paulo, cuja capacidade é de 1.250 presos, encontram-se hoje 2.400 detentos; o presídio Aníbal Bruno, PE, cuja capacidade é de 524 presos, abriga 2.988 presos;; no Presídio Central do Rio Grande do Sul, a lotação máxima é para 600 presos e atualmente encontram-se 2.100 detentos; no Presídio Central de Piraquara (PR), a capacidade é de 550 presos e a lotação atual é de 1.450 presos.
Sr. Presidente, como o tempo está encerrado, concluirei o meu discurso, encaminhando para que seja dado como lido o complemento do meu pronunciamento.
Muito obrigado.
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