Discurso durante a 171ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Participação de S.Exa. no XIII Encontro Nacional da Federação dos Auditores e Fiscais do Município - FENAFIN, realizado na cidade de Fortaleza/CE, no último dia 30 de novembro, em que foi convidado a discutir questões relativas ao projeto que trata das carreiras exclusivas de Estado.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL.:
  • Participação de S.Exa. no XIII Encontro Nacional da Federação dos Auditores e Fiscais do Município - FENAFIN, realizado na cidade de Fortaleza/CE, no último dia 30 de novembro, em que foi convidado a discutir questões relativas ao projeto que trata das carreiras exclusivas de Estado.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/2001 - Página 30593
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, ENCONTRO, AMBITO NACIONAL, AUDITOR, FISCAL, REALIZAÇÃO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO CEARA (CE), DISCUSSÃO, PROJETO DE LEI, CAMARA DOS DEPUTADOS, REGULAMENTAÇÃO, CARREIRA, ESTADO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SENADOR LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tive a oportunidade de participar do XIII Encontro Nacional da Federal dos Auditores e Fiscais do Município - FENAFIM. Uma iniciativa da Associação dos Auditores de Tributos Municipais de Fortaleza - AUDIF, o debate realizou-se na cidade de Fortaleza (CE), dia 30 de novembro p. passado, onde fui convidado a discutir questões relativas ao Projeto de Lei da Câmara nº 43, de 1999, que trata das carreiras exclusivas de Estado; discussões essas que peço sejam transcritas nos anais deste Senado Federal, as quais trago a seguir.

            Era que tinha a dizer.

            Muito obrigado.

 

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SEGUE DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR LÚCIO ALCÂNTARA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno do Senado Federal.)

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            CARREIRAS EXCLUSIVAS DE ESTADO*1

            Lúcio Alcântara*2*

              A presente discussão aborda aspectos relativos ao Projeto de Lei da Câmara nº 43, de 1999 - Complementar (PLP nº 248, de 1998, na Câmara dos Deputados), e à Emenda nº 31-PLEN, de minha autoria, que trata das carreiras exclusivas de Estado.

              A definição do que sejam “carreiras exclusivas de Estado” não é pacífica. Na verdade, ela envolve uma questão mais ampla que é a própria definição de quais devam ser as atividades do setor público. Assim, é possível, na matéria, ter-se desde uma visão absolutamente minimalista até uma concepção ampla, que abarca um grande número de atividades dentro do Estado.

              Oficialmente, tem-se a definição encontrada nos documentos produzidos pelo então Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado - MARE. Veja-se o seguinte texto, extraído das págs. 12 e 20 do volume 11 dos “Cadernos MARE da Reforma do Estado”, publicado em 1997, cujo tema é “A Nova política de recursos humanos”:

    Os servidores públicos, e portanto integrantes de carreiras de Estado, serão apenas aqueles cujas atividades estão voltadas para as atividades exclusivas de Estado relacionadas com a formulação, controle e avaliação de políticas públicas e com a realização de atividades que pressupõem o poder de Estado. Esses servidores representarão o Estado enquanto pessoal. Para a realização de atividades auxiliares como manutenção, segurança e atividades de apoio diversas será dada continuidade ao processo de terceirização, transferindo-as para entidades privadas.

              .......................................................................................

    O aparelho do Estado ou administração pública lato sensu, compreende (a) um núcleo estratégico ou governo, constituído pela cúpula dos três poderes, (b) um corpo de funcionários, e (c) uma força militar e policial.

    No aparelho do Estado é possível distinguir quatro setores:

    NÚCLEO ESTRATÉGICO. Corresponde ao governo, em sentido lato. É o setor que define as leis e as políticas públicas, e cobra o seu cumprimento. É portanto o setor onde as decisões estratégicas são tomadas. Corresponde aos Poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e, no poder executivo, ao Presidente da República, aos ministros e aos seus auxiliares e assessores diretos, responsáveis pelo planejamento e formulação das políticas públicas.

    ATIVIDADES EXCLUSIVAS. É o setor em que são prestados serviços que só o Estado pode realizar. São serviços em que se exerce o poder extroverso do Estado - o poder de regulamentar, fiscalizar, fomentar. Como exemplos temos: a cobrança e fiscalização dos impostos, a polícia, a previdência social básica, o serviço de desemprego, a fiscalização do cumprimento de normas sanitárias, o serviço de trânsito, a compra de serviços de saúde pelo Estado, o controle do meio ambiente, o subsídio à educação básica, o serviço de emissão de passaportes, etc.

              No tocante ao referido Projeto de Lei da Câmara nº 43, de 1999- Complementar, a proposição, que Disciplina a perda de cargo público por insuficiência de desempenho do servidor público estável, e dá outras providências, regulamenta o disposto no inciso III do § 1° do art. 41 e no art. 247, da Constituição Federal, introduzidos pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, verbis:

    “Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

    § 1º O servidor público estável só perderá o cargo:

    ...........................................................................................

    III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

    ........................................................................................”

    “Art. 247. As leis previstas no inciso III do § 1º do art. 41 e no § 7º do art. 169 estabelecerão critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável que, em decorrência das atribuições de seu cargo efetivo, desenvolva atividades exclusivas de Estado.

    Parágrafo único. Na hipótese de insuficiência de desempenho, a perda do cargo somente ocorrerá mediante processo administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa.”

              Trata-se, assim, de uma lei nacional, aplicável aos servidores públicos estáveis da administração pública direta, autárquica e fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

              A proposição, na forma como chegou ao Senado Federal, estabelece que o servidor público submeter-se-á a avaliação anual de desempenho, obedecidos os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, do contraditório e da ampla defesa.

              A avaliação anual de desempenho terá como finalidade a verificação do cumprimento das normas de procedimento e de conduta no desempenho das atribuições do cargo; a produtividade no trabalho, com base em padrões previamente estabelecidos de qualidade e de economicidade; a assiduidade; a pontualidade; e a disciplina.

              A avaliação anual de desempenho será realizada por comissão de avaliação composta por quatro servidores, pelo menos três deles estáveis, com três anos ou mais de exercício no órgão ou entidade a que estejam vinculados, e todos de nível hierárquico não inferior ao do servidor a ser avaliado, sendo um o seu chefe imediato e outro um servidor estável cuja indicação será efetuada ou respaldada, nos termos da regulamento e no prazo máximo de quinze dias, por manifestação expressa do servidor avaliado.

              O resultado e os instrumentos de avaliação, a indicação dos elementos de convicção e de prova dos fatos narrados na avaliação, os recursos interpostos, bem como as metodologias e os critérios utilizados na avaliação serão arquivados na pasta ou base de dados individual, permitida a consulta pelo servidor a qualquer tempo.

              Estabelece ainda, a proposição, que será demitido, depois de concluído processo administrativo especificamente voltado para essa finalidade, em que lhe serão assegurados o contraditório e a ampla defesa, o servidor estável que receber dois conceitos sucessivos de desempenho insuficiente; ou três conceitos interpolados de desempenho insuficiente, computados os últimos cinco anos.

              Finalmente, o projeto trata dos servidores que exercem atividades exclusivas de Estado.

              Lista, ele, as carreiras e categorias funcionais que as exercem no âmbito do Poder Executivo da União, as quais são as seguintes, em sua redação original:

1.     Advogado da União,

2.     Assistente Jurídico da Advocacia-Geral da União,

3.     Defensor Público da União,

4.     Juiz do Tribunal Marítimo,

5.     Procurador, Advogado e Assistente Jurídico dos órgãos vinculados à Advocacia-Geral da União,

6.     Procurador da Fazenda Nacional,

7.     Procurador da Procuradoria Especial da Marinha,

8.     Analista e Inspetor da Comissão de Valores Mobiliários,

9.     Analista Técnico da Superintendência de seguros Privados,

10.     Auditor-Fiscal de Contribuições Previdenciárias,

11.     Auditor-Fiscal e Técnico da Receita Federal,

12.     Especialista do Banco Central do Brasil,

13.     Fiscal de Defesa Agropecuária,

14.     Fiscal Federal de Tributos,

15.     fiscalização do cumprimento da legislação ambiental,

16.     Fiscalização do Trabalho,

17.     Analista e Técnico de Finanças e Controle,

18.     Analista e Técnico de Orçamento,

19.     Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental,

20.     Técnicos de Planejamento, código P-1501,

21.     Técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e demais cargos técnicos de provimento efetivo de nível superior ou intermediário integrantes dos quadros de pessoal dessa fundação destinados à elaboração de planos e orçamentos públicos,

22.     Policial Federal,

23.     Policial Ferroviário Federal,

24.     Policial Rodoviário Federal,

25.     Diplomata,

26.     Policial Civil Federal e Agente Fiscal Federal integrantes de quadro em extinção dos ex-Territórios Federais

              Vale comentar que todas esses categorias foram incluídas no caput do dispositivo que trata da matéria, o art. 15, sem qualquer forma de itemização. Visou-se, aqui, a evitar a possibilidade de veto de qualquer uma delas isoladamente pelo Presidente da República, em razão do disposto no § 2º do art. 66 da Constituição, que determina que o veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.

              O mesmo artigo prevê que, no Poder Judiciário federal, no Tribunal de Contas da União e no Ministério Público da União, desenvolvem atividades exclusivas de Estado os servidores cujos cargos recebam essa qualificação em leis de iniciativa desses órgãos e, no caso da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em resolução.

              Determina, ainda, que, sem prejuízo do exercício de suas atribuições constitucionais específicas, decorrentes de sua autonomia, desenvolvem atividades exclusivas de Estado, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, os servidores integrantes de carreiras cujos cargos desenvolvam funções equivalentes ou similares às listadas.

              Finalmente, prevê a proposição que a perda do cargo do servidor que exerce atividade exclusiva de Estado somente ocorrerá mediante processo administrativo, assegurado recurso hierárquico especial, com efeito suspensivo, para a autoridade máxima do órgão ou entidade a que estiver vinculado, que o decidirá no prazo de trinta dias, observado o princípio do contraditório e a ampla defesa.

              O projeto foi aprovado pelo Senado Federal e remetido à Câmara dos Deputados, com três emendas, no dia 18 de abril de 2000.

              A primeira emenda, que representou consolidação de emendas apresentadas por diversos Senadores, acrescentou, ao art. 15 da proposição, as seguintes categorias funcionais e áreas, como exclusivas de Estado:

1.     Agente Executivo da Comissão de Valores Mobiliários,

2.     Agente Executivo da Superintendência de Seguros Privados,

3.     proteção e defesa do meio ambiente,

4.     controle, avaliação e auditoria: servidores que ocupam cargos efetivos de nível superior e intermediário integrantes do Quadro de Pessoal do Ministério da Saúde, que exercem atividades no Sistema Nacional de Auditoria, componente federal do Sistema Único de Saúde - SUS,

5.     Carreira de Pesquisa em Ciência e Tecnologia, Tecnologista e Técnico da Carreira de Desenvolvimento Tecnológico e Analista em Ciência e Tecnologia e Assistente da Carreira de Gestão, Planejamento e Infra-Estrutura em Ciência e Tecnologia do Plano de Carreiras da área de Ciência e Tecnologia,

6.     Oficial de Chancelaria,

7.     Sanitarista,

8.     Fiscal de Cadastro e Tributação Rural e demais cargos de provimento efetivo do quadro de pessoal do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária destinados às atividades de reforma e desenvolvimento agrário, assentamento e desenvolvimento rural, fiscalização, avaliação e controle do cadastro rural,

9.     Restaurador, Arquiteto, Técnico em Assuntos Culturais, Técnico em Assuntos Educacionais, Técnico de Nível Superior, Analista, Técnico e Analista Consultor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,

10.     Fiscalização e cumprimento da legislação nuclear,

11.     Carreira de Tecnologia Militar,

12.     Sertanista, Assistente Social, Antropólogo, Museólogo, Sociólogo, Pesquisador, Técnico de Nível Superior e Técnico em Indigenismo da Fundação Nacional do Índio,

13.     Analista de Comércio Exterior.

              Essa emenda, do ponto de vista formal, introduziu todas essas categorias no caput do dispositivo, sem itemizá-las, também com o objetivo de impedir o veto presidencial a uma delas isoladamente.

              A emenda nº 2, de autoria do Senador Jáder Barbalho, introduziu dispositivo vedando submeter os servidores que desenvolvem atividades exclusivas de Estado ao regime da Lei n° 9.962, de 22 de fevereiro de 2000, que permite a admissão de servidores públicos pelas Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.

              Trata-se, aqui de repor artigo da referida Lei nº 9.962, de 2000, vetado pelo Presidente da República.

              Essa emenda deve ser comentada sob suas conseqüências práticas e principiológicas.

              Do ponto de vista prático, o veto tem pouco efeito. A Lei nº 9.962, de 2000, prevê, tão-somente, que o pessoal admitido para emprego público na Administração federal direta, autárquica e fundacional terá a sua relação de emprego regida pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, cabendo a outras leis a criação desses empregos. Ou seja, o diploma legal em questão não permite a contratação imediata de servidores públicos pela CLT, que continua dependente da edição de novas leis.

              Daí, as limitações que, eventualmente, constem da Lei nº 9.962, de 2000, têm, apenas, o efeito de uma sinalização sobre como a matéria será tratada nas leis que, no futuro, darão efetividade a ela. Nada impede, entretanto, que essas últimas leis disponham sobre o tema de forma diversa do tratado na primeira, podendo, inclusive, revogá-la.

              Ou seja, qualquer lei posterior que criar os empregos públicos não terá, necessariamente, que observar a Lei nº 9.962, de 2000, ou qualquer outra, uma vez que qualquer conflito será resolvido em favor da lei nova.

              Do ponto de vista principiológico, entretanto, parece-nos que pretender submeter servidor que exerce atividades exclusivas de Estado ao regime da CLT carrega um grave problema. Tanto doutrinariamente quanto no tocante à norma constitucional positiva.

              Se uma categoria é definida como responsável pelo exercício de uma atividade exclusiva de Estado, isso traduz-se na necessidade de ela ter garantias especiais para o exercício desse tipo de atividade, não podendo ser submetida a um regime jurídico que não inclui, dentre as suas características, o instituto da estabilidade. Conforme Adilson Abreu Dallari, in “Regime constitucional dos servidores públicos”, pág. 49:

    (...)existem funções que exigem do servidor incumbido de desenvolvê-las uma especial inerência, especiais garantias, por força da especial dose de autoridade, de autonomia e de fidelidade requeridas para o seu exercício. É o caso das funções de fiscalização, do serviço diplomático, dos Delegados de Polícia, dos membros do Ministério Público e da Magistratura. Somente o regime estatutário (que se opõe à idéia de regime contratual, como é o celetista) pode conferir a tais agentes o elevadíssimo grau de autonomia funcional indispensável para o exercício de suas elevadas funções.(...)

              Isso fica explícito na forma como a Carta Magna trata a matéria, no seu art. 247, introduzido pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, e acima transcrito, o qual estabelece o qual não basta ao servidor que desenvolve atividades exclusivas de Estado ser estável. Ele deve ter, ainda, garantias especiais contra a possibilidade de perda de seu cargo, além da estabilidade ordinária dos demais servidores públicos. Isso impede, entendemos, que se submetam aqueles servidores a um regime jurídico que não conduza à estabilidade. Fazer isso, parece-nos, seria uma forma de burlar o texto constitucional, na medida em que deferiria ao servidor que exerce atividade exclusiva de Estado ainda menos garantias do que gozam outros servidores.

              Finalmente, apesar do voto em contrário do Relator, foi aprovada, mediante destaque, a Emenda nº 3, de minha autoria, por 44 votos a favor, 21 contra e 4 abstenções.

              A emenda modifica o art. 16 da proposição, regulamentando a perda do cargo por insuficiência de desempenho do servidor que exerce atividades exclusivas de Estado.

              O texto original do dispositivo é o seguinte:

    Art. 16. A perda do cargo do servidor a que se refere o artigo anterior, em decorrência do disposto nesta Lei Complementar, somente ocorrerá mediante processo administrativo, na forma do art. 11, assegurado recurso hierárquico especial, com efeito suspensivo, para a autoridade máxima do órgão ou entidade a que estiver vinculado, que o decidirá no prazo de trinta dias, observado o princípio do contraditório e a ampla defesa.

    Parágrafo único. O recurso previsto no caput somente será admitido quando, a competência originária para o ato de demissão for atribuída a autoridade hierarquicamente inferior àquela para a qual for destinado.

              Já a redação determinada pela Emenda de que se trata é a seguinte:

    Art. 16. A perda do cargo do servidor a que se refere o artigo anterior, em decorrência do disposto nesta Lei Complementar, somente ocorrerá mediante processo administrativo, na forma do art. 11, assegurados ao servidor os seguintes critérios e garantias especiais:

    I - a comissão de avaliação, observado o disposto no art. 5º, será composta exclusivamente por servidores da mesma carreira ou categoria funcional do servidor avaliado;

    II - o servidor que receber um conceito de desempenho insuficiente somente será submetido a nova avaliação após participação obrigatória em treinamento nas escolas de governo de que trata o § 2º do art. 39 da Constituição, durante o qual ser-lhe-á garantida a percepção de todos os seus direitos e vantagens, considerando-se efetuado o treinamento no caso de o servidor recusar-se expressamente de participar dele;

    III - o processo administrativo de que trata o caput somente poderá ser instaurado na hipótese de o servidor receber três conceitos sucessivos ou interpolados de desempenho insuficiente computados nos últimos cinco anos;

    IV - no caso de o processo administrativo decidir pela perda do cargo, será assegurado ao servidor recurso hierárquico especial, com efeito suspensivo, para a autoridade máxima do órgão ou entidade a que estiver vinculado ou, se essa detiver a competência originária para o ato de demissão, para o Chefe do Poder ao qual o servidor estiver vinculado, que o decidirá no prazo de trinta dias, observado o princípio do contraditório e a ampla defesa.

              Foi a proposição assim por mim justificada:

    O art. 247 da Carta Magna exige que sejam estabelecidos critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável que, em decorrência das atribuições de seu cargo efetivo, desenvolva atividades exclusivas de Estado, em razão de insuficiência de desempenho.

    A presente proposição, entretanto, não disciplina a matéria a contento, limitando-se a assegurar àqueles servidores um recurso adicional no caso de demissão por demissão insuficiente que, mesmo assim, pode não existir se a competência originária sobre o ato for da autoridade máxima do órgão ou entidade a que pertence o servidor.

    Assim, visando a cumprir o estabelecido pela Constituição, propomos a presente emenda, prevendo quatro tipos de critérios ou garantias especiais para a perda do cargo do servidor que desenvolve atividades exclusivas de Estado. São elas, a garantia de que o servidor será avaliado por seus pares; a obrigação de a Administração submeter esse funcionário a treinamento, no caso de avaliação insuficiente; a exigência de, no mínimo, três conceitos insuficientes, no prazo de cinco anos para a perda do cargo; e a previsão de que, no caso de a autoridade máxima do órgão ou entidade a que se vincula o servidor deter a competência originária para o ato de demissão, o recurso especial já previsto na proposição será dirigido para o Chefe do Poder ao qual o servidor estiver vinculado.

              Na Câmara dos Deputados, as emendas do Senado Federal foram despachadas ao exame da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público e da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação.

              No dia 22 de novembro de 2000, as emendas foram examinadas pela Comissão e Constituição e Justiça e de Redação da Câmara Baixa, na qual foi aprovado, por unanimidade, o parecer do relator, Deputado Bonifacio de Andrada, pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa, excluída a apreciação do mérito, conforme reclamação provida do Deputado Iedio Rosa, de acordo com o art. 55 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

              Na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, o relator, Deputado Luciano Castro, em 21 de agosto de 2000, apresentou relatório favorável às emendas nºs 2 e 3 do Senado, em sua redação original, e à emenda nº 1, na forma de subemenda. No entanto, em 31 de outubro de 2001, o ilustre relator submeteu à Comissão um novo relatório, com parecer contrário às emendas nºs 2 e 3 e mantendo a subemenda à nº 1.

              A subemenda em questão, caracterizada como de redação, manteve intocado o caput do art. 15, conforme originalmente aprovado pela Câmara dos Deputados, e listou, em parágrafo e de forma itemizada, as categorias e áreas introduzidas pelo Senado Federal dentre aquelas que exercem atividades exclusivas de Estado. O que se visou, foi, indiscutivelmente, permitir ao Presidente da República usar o seu poder de veto sobre qualquer um dos grupos introduzidos por esta Casa e, ao mesmo tempo, preservar aqueles postos pela Câmara dos Deputados. Isso é, inclusive, explícito no parecer do relator que assim justifica a alteração:

    Nesse sentido, a relatoria oferece emenda de redação à proposta da Câmara Alta, que labuta indiscutivelmente em favor de uma clareza ímpar, com completo respeito à melhor técnica legislativa. Organizando as inclusões efetuadas pelos Senadores, o texto que ora se submete à apreciação deste colegiado e, posteriormente, do Plenário da Casa permitirá a cada grupo envolvido que demonstre, ante os Deputados, ante as lideranças e ante a Chefia do Poder Executivo, sua relevância e contribuição na função que se pretende proteger. Esse esforço não é mais necessário para os segmentos que, aceitos na primeira votação, não foram excluídos do texto pelos representantes dos Estados.

              Aqui parece-nos residir um problema, uma vez que, efetivamente, a Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados não se limitou a fazer correção técnica ou redacional na emenda do Senado Federal, mas alterou-lhe o sentido, descaracterizando a subemenda como de redação.

              Com relação à emenda nº 2, o Relator propõe a sua rejeição por considerá-la desnecessária, em razão da impossibilidade constitucional de se submeterem a regime trabalhista servidores que executam atividades exclusivas de Estado, conforme argumentos já referidos acima.

              Quanto à emenda nº 3, a sua rejeição é justificada da seguinte forma:

    Sobre a Emenda n° 3, também se emite opinião desfavorável. A uma porque as garantias constantes do projeto enviado à revisão pela Câmara Alta já eram bastantes, além de possuírem alcance universal. A duas porque não se pode ampliar o número de avaliações insuficientes necessárias para iniciar processo de demissão nas categorias ditas ‘exclusivas de Estado’ - isso seria fazer a população sofrer tempo maior na mão de servidores inaptos, em atividades de interesse estratégico. A três porque as demais alterações representam meros privilégios, não consubstanciando as garantias previstas pela Carta. Estas, ao contrário daqueles, são as que já constavam do projeto e, pela abordagem do relator, possuem aplicação a todas as categorias, abrangendo também os servidores de outros segmentos, que não mereçam o epíteto de ‘exclusivos de Estado’. Na verdade, com todo respeito ao legislador constituinte derivado, o que não se justifica é que se atribuam garantias a uns e não se protejam os demais, se, qualquer seja a sua atividade, o servidor estará sempre sob a indispensável tutela dos princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade e da publicidade.

              A matéria aguarda, então, o exame do referido relatório pela Comissão de Trabalho, de Administração e de Serviço Público da Câmara dos Deputados.

              Passemos, aqui, a comentar a proposição que, efetivamente, regulamenta uma das mais comentadas alterações feitas pela Emenda Constitucional da Reforma Administrativa, a chamada “demissão por insuficiência de desempenho”.

              Um dos principais argumentos que se usou em defesa dessa alteração é que ela permitirá a demissão dos servidores relapsos e incompetentes, hoje impossibilitada pela Constituição Federal. Na verdade, a Emenda inova menos do que parece, no que diz respeito à matéria.

              Na verdade, o que ela faz é constitucionalizar a possibilidade de perda de cargo por servidor estável em razão de insuficiência de desempenho, apurada mediante procedimento de avaliação periódica, na forma que lei complementar vier a estabelecer.

              Vejamos, entretanto, o que dizia Constituição sobre a matéria. Estabelecia ela, em seu art. 40, que o servidor admitido por concurso era estável após dois anos de exercício, só perdendo o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou, o que nos interessa aqui, mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa.

              Ou seja, não previa a Constituição as hipóteses em que o servidor estável pode perder o seu cargo, mas, tão-somente como. Cabia, daí, à lei, especificar as hipóteses em que pode haver perda do cargo e disciplinar o processo administrativo. Claro que a lei não pode listar hipóteses absurdas para a perda do cargo. Por exemplo, ela não tem a faculdade de dizer que perderá o cargo o servidor que se vestir de cinza ou marrom. Mas, certamente, pode ela dizer que perderá o cargo o servidor que não cumprir as suas obrigações.

              Aliás, a lei não apenas pode, mas deve dizer isso. E, como regra, todos os estatutos dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios já dizem isso.

              Veja-se, por exemplo, as hipóteses de perda do cargo público listadas no art. 132 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que “Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais”. Estabelece o inciso XIII do dispositivo que a demissão pode ser aplicada por transgressão aos incisos IX e XVI do art. 117 daquela Lei, que lista as proibições aos servidores públicos. Dentre essas proibições inclui-se, no inciso XV, “proceder de forma desidiosa”. Conforme nos ensina Palhares Moreira Reis, ao comentar o dispositivo, na pág. 176, de “Os servidores, a Constituição e o Regime Jurídico Único”:

    Desídia é uma atitude que consiste em o servidor não cumprir adequadamente suas obrigações, em termos de quantidade, de qualidade e de presteza.

    Servidor desidioso é aquele que falta normalmente ao trabalho, ou, se comparece, não desempenha suas funções ou, quando produz, o resultado de seu trabalho é de baixa qualidade, tornando necessário o seu refazimento, trazendo prejuízo para a entidade ou para o terceiro demandante.

              Nada impediria, inclusive, que a lei fosse alterada para prever a insuficiência de desempenho, com essa denominação, como causa de demissão. Nem aqui, estaríamos inovando. Observe-se o que dispõe o art. 100 do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967:

    Art. 100. Instaurar-se-á processo administrativo para a demissão ou dispensa do servidor efetivo ou estável, comprovadamente ineficiente no desempenho dos encargos que lhe competem ou desidioso no cumprimento de seus deveres.

              Pode-se, por outro lado, argumentar que se pretende discriminar a demissão por insuficiência de desempenho pela necessidade de separação dos procedimentos necessários para a avaliação do servidor público das demais normas referentes ao processo administrativo.

              Aqui, inicialmente, reitere-se que também não é a Constituição que disciplina o processo administrativo necessário para o desligamento do servidor estável, mas a lei. A Carta Magna apenas diz que ele deve existir e assegurar ampla defesa. A lei pode simplificar o processo administrativo para determinados casos. Como, por exemplo, já faz a Lei nº 9.527, de 10 de dezembro de 1997, com relação à acumulação de cargos, ao alterar o art. 133 da citada Lei nº 8.112, de 1990.

              Vale observar, entretanto, que uma análise apressada da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, poderia levar a pensar que se busca nela algo diverso do processo administrativo para a demissão por insuficiência de desempenho, quando a proposição, ao diferenciar essa possibilidade, fala em “procedimento de avaliação periódica” e não em processo administrativo para tal.

              Ora, aqui está se falando de duas coisas diferentes. A primeira é o procedimento necessário para que a avaliação de desempenho tenha lugar. Neste ponto trata-se, sem dúvida, de procedimento administrativo, que, na definição de Celso Antônio Bandeira de Mello, in “Curso de Direito Administrativo”, p. 212, “é uma sucessão itinerária e encadeada de atos administrativos tendendo todos a um resultado final e conclusivo”. Ou seja, parafraseando o mesmo Mestre, na pág. 213 da mesma obra, a avaliação de desempenho é a conclusão de um conjunto de atos ordenados em seqüência e que precedem necessariamente o ato final de aferição do desempenho do servidor.

              Outra coisa é a possibilidade de perda do cargo como resultado da avaliação de desempenho. Aqui, salvo se o servidor concordar plenamente com o resultado da avaliação e, se ela for negativa, se dispuser, voluntariamente, a se desligar do seu cargo público, tratar-se-á da resolução de uma controvérsia entre a Administração e um servidor, com a garantia da ampla defesa (e do contraditório, corolário daquela) expressamente assegurada.

              Observe-se que não seria sequer necessário prever expressamente a ampla defesa e o contraditório na matéria, uma vez que se trata de direito que integra os direitos e garantias fundamentais assegurados pela Carta Magna, que não são, inclusive, suscetíveis de serem abolidos por emenda constitucional, ex vi do art. 60, § 4º, IV, da nossa Lei Maior.

              Logo, impõe-se a instauração de processo administrativo, que na definição de Hely Lopes Meirelles, no clássico “Direito Administrativo brasileiro”, pág. 578, “é o conjunto de atos coordenados para a obtenção de decisão sobre uma controvérsia no âmbito judicial ou administrativo”, para dirimir a questão. Podemos, também, citar Odete Medauar, in “Processualidade no Direito Administrativo”, pág. 40, a nos ensinar que “o procedimento consiste na sucessão necessária de atos encadeados entre si que antecede e prepara um ato final. O procedimento se expressa como processo se for prevista também a cooperação de sujeitos, sob prisma contraditório”.

              Isso, inclusive, é atendido pela proposição em comento, que prevê expressamente, em seu art. 11, a instauração de processo administrativo para a demissão de servidor estável por insuficiência de desempenho.

              Conclui-se, do exposto, que a chamada “demissão por insuficiência de desempenho”, nada mais é do que a explicitação de possibilidade já presente na Lei Maior. Conforme expressou Américo Masset Lacombe, ex-corregedor (1991-93) e ex-presidente (1993-95) do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em artigo denominado “Reformas inúteis”, publicado no jornal Folha de São Paulo, em 19 de julho de 1997:

    é falso que pela lei atual não se possa demitir o funcionário ineficiente. O artigo 132 da lei nº 8.112, de 11/12/90, arrola entre os casos de demissão o abandono e a inassiduidade habitual, casos extremos de ineficiência. Mas no item 13 do mesmo artigo está também relacionada a transgressão dos incisos 9 ao 16 do artigo 117. E este, no inciso 15, diz: “(...) proceder de forma desidiosa”. Ora, desídia significa preguiça, indolência, negligência, desleixo, descaso, incúria. São manifestações óbvias de ineficiência. Quando presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em dois anos demitimos nove funcionários estáveis. E foram apenas dois por corrupção, sendo os outros sete por ineficiência (desídia ou inassiduidade). E não se diga que o procedimento é trabalhoso. É e continuará sendo, pois a garantia de ampla defesa continuará a existir - nem poderia ser diferente, devido ao texto constitucional. De forma que nossos governantes ou não sabem demitir ou não querem.

              Assim, se se continua contando com servidores com desempenho inadequado no serviço público, isto não se deve, com absoluta certeza, a impedimento constitucional ou a falta de lei. O problema que deve ser enfrentado é muito mais complexo e envolve a nossa cultura política e administrativa. O fundamental aqui é a decisão política de abrir os processos administrativos e de proceder às punições. Como se disse, existe legislação rígida para a punição do mau servidor e do incompetente que, na maior parte das vezes, tão-somente, não é aplicada.

              Não se deve mudar a Constituição para corrigir aquilo que não foi causado por ela e cuja solução não depende de sua alteração. No caso em questão, inclusive, o que ocorreu foi tornar mais difícil a punição do servidor incompetente já que passou a ser exigido que essa punição, anteriormente regulada por lei ordinária, seja regulamentada por lei complementar, ora em exame pelo Congresso Nacional.

              Passando a comentar a proposição propriamente dita, não vemos, em suas disposições gerais, maiores problemas. O projeto, parece-nos, apresenta regras razoáveis sobre a matéria, atendendo os princípios da impessoalidade, da igualdade e da ampla defesa.

              Cabe, entendemos, tecer algumas observações mais longas acerca de seu art. 15, que trata dos servidores que exercem atividades exclusivas de Estado.

              O ponto central, aqui, é discutir qual o status do presente dispositivo.

              Não estabelece a Constituição que a definição dos servidores que, em decorrência das atribuições de seu cargo efetivo, desenvolvam atividades exclusivas de Estado seja objeto de lei complementar.

              Na verdade, o que está presente na Lei Maior sobre a matéria é o art. 247, introduzido pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, anteriormente transcrito.

              As leis ali referidas são a lei complementar prevista no art. 41, § 1º, III, que estabelecerá o procedimento de avaliação periódica dos servidores públicos para fins de perda de cargo por insuficiência de desempenho - exatamente a que é objeto da proposição que estamos comentando - e a lei ordinária prevista no art. 169, § 7º, que dispõe sobre as normas gerais para a perda do cargo do servidor estável por excesso de despesa - trata-se aqui, da Lei nº 9.801, de 16 de junho de 1999, cujo art. 3º estabelece:

    Art. 3º A exoneração de servidor estável que desenvolva atividade exclusiva de Estado, assim definida em lei, observará as seguintes condições:

    I - somente será admitida quando a exoneração de servidores dos demais cargos do órgão ou da unidade administrativa objeto da redução de pessoal tenha alcançado, pelo menos, trinta por cento do total desses cargos;

    II - cada ato reduzirá em no máximo trinta por centro o número de servidores que desenvolvam atividades exclusivas de Estado.

              Ambas são leis nacionais, aplicáveis a todos os entes da Federação.

              Assim, o que deve ser objeto de lei complementar, de conformidade com o disposto no art. 41, § 1º, III, da Carta Magna, repetindo, é a normatização do procedimento de avaliação periódica dos servidores públicos para fins de perda de cargo por insuficiência de desempenho. E essa lei complementar, por força do art. 247 da Constituição, deverá estabelecer critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável que, em decorrência das atribuições de seu cargo efetivo, desenvolva atividades exclusivas de Estado. Apenas isso.

              E não é possível, no nosso ordenamento jurídico, conforme entende a grande maioria dos doutrinadores, conferir o estatuto de lei complementar a diploma legal que dispõe sobre matéria não reservada pela Constituição àquela espécie normativa. Explica Celso Ribeiro Bastos, in “Lei Complementar; teoria e comentários”, págs. 17-18:

    (...) lei complementar era já uma expressão pejada de significação doutrinária quando encampada pelo legislador constituinte. Porém, em face da absorção pelo direito positivo da expressão «lei complementar», a nosso ver, só existe - tecnicamente falando - a lei complementar expressamente prevista na Constituição, isto é tornou-se impróprio referir-se à norma integradora, mas não formalmente prevista na Constituição como lei complementar, por este nome.

              ..........................................................................................

    Entendemos, pois, por lei complementar a espécie normativa autônoma expressamente prevista no inc. II do art. 46 da Constituição Federal (a remissão é à Carta de 1969; na atual Constituição é o inciso II do art. 59) que versa sobre matéria subtraída do campo de atuação das demais espécies normativas do nosso direito positivo, demandando, para a sua aprovação, um quorum especial de maioria absoluta dos votos dos membros das duas Casas de que se compõe o Congresso Nacional.

              Igualmente, ensina José Afonso da Silva, em “Aplicabilidade das normas Constitucionais”:, pág. 226:

    Em sentido amplo, (...) toda vez que uma norma constitucional de eficácia limitada exige, para sua aplicação ou execução, outra lei, esta pode ser considerada complementar, porque integra, completa a eficácia daquela. Mas a Constituição vigente instituiu a figura das leis complementares em sentido estrito, destinadas a atuar apenas as normas constitucionais que as prevêem expressamente (...).

    São leis complementares da Constituição, no sentido referido, aquelas a que a vigente Carta Política faz referência expressa (...).

              José Souto Maior Borges, em seu artigo “Eficácia e hierarquia da lei complementar”, publicado na Revista de Direito Público, tomo 6, volume 25, é ainda mais claro:

    Se a lei complementar (a) invadir o âmbito material de validez da legislação ordinária da União valerá tanto quanto uma lei ordinária. Sobre esse ponto não há discrepância na doutrina. A lei complementar fora do seu campo específico, cujos limites estão fixados na Constituição, é simples lei ordinária. Sem a congregação dos dois requisitos estabelecidos pelo art. 50 da Constituição (referência à Constituição de 1969, na atual a remissão deve ser ao art. 69) o quorum especial e qualificado (requisito de forma) e a matéria constitucionalmente prevista com objeto de lei complementar (requisito de fundo), não há lei complementar. Contudo, se não ultrapassar a esfera de atribuições da União, o ato legislativo será existente, válido e eficaz. Só que não estará submetido ao regime jurídico da lei complementar - inclusive quanto à relativa rigidez - mas ao da lei ordinária, podendo conseqüentemente ser revogado por esta.

    Se, inversamente (b), a lei ordinária da União, isto é, a lei aprovada sem o quorum do art. 50 (art. 69 da atual Carta Magna), invadir o campo da lei complementar, estará eivada de visceral inconstitucionalidade porque a matéria, no tocante ao processo legislativo, somente poderia ser apreciada com a observância daquele quorum especial e qualificado, inexistente na aprovação da lei ordinária. A reserva constitucional da lei complementar funciona com um óbice à disciplina da matéria pela legislação ordinária.

              ................................................................................

    Quando a lei complementar extravasa de seu âmbito material de validez, para disciplinar matéria de competência da legislação ordinária da União, é substancialmente lei ordinária. Como não é o rótulo, o nomen juris, que caracterizará o fenômeno, nem tampouco só o simples quorum de aprovação, a lei «complementar» será, em verdade, lei ordinária, podendo ser revogada - é claro - por outra lei ordinária editada pela União.

              Resta, então, equacionar que instrumento deve definir os servidores que exercem funções exclusivas de Estado. Ora, essa definição se dá pelo exame das atribuições de um cargo público. E essas atribuições estarão presentes no ato que criar o cargo público. A competência para definir se um servidor desenvolve atividades exclusivas de Estado, assim, é decorrente da competência para criar o cargo, dar-lhe denominação e estabelecer-lhe o conteúdo atributivo.

              E conforme a Carta Magna, essa matéria, no âmbito dos Poderes Executivo e Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas deve ser objeto de lei ordinária, de iniciativa privativa em cada caso (confiram-se os arts. 61, § 1º, II, “a”; 73, in fine; 96, II, “b”; e 127, § 2º; da Constituição). No caso da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a matéria é objeto de resolução de cada uma das Casas (vejam-se os arts. 51, IV; e 52, XIII; da Carta Magna).

              No caso dos Estados, Distrito Federal e Municípios, a matéria é definida nas respectivas constituições e leis orgânicas, observadas as normas gerais de organização definidas na Constituição Federal.

              O que se observa, então, é que o disposto no caput do art. 15 do PLC nº 43, de 1999, mesmo que formalmente venha a constar de lei complementar, será, materialmente, lei ordinária, podendo ser alterado no futuro, ou mesmo revogado por outra lei ordinária.

              No que se refere ao § 1º do dispositivo, que prevê que no Poder Judiciário federal, no Tribunal de Contas da União e no Ministério Público da União, desenvolvem atividades exclusivas de Estado os servidores cujos cargos recebam essa qualificação em leis de iniciativa desses órgãos e, no caso da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em resolução, trata-se, tão-somente, de norma declaratória. O que não poderia ser diferente, uma vez que a definição da matéria reservada a cada espécie legislativa é matéria constitucional, não podendo ser feita por norma infraconstitucional.

              Finalmente, parece-nos inconstitucional o § 2º do art. 15, que determina que, sem prejuízo do exercício de suas atribuições constitucionais específicas, decorrentes de sua autonomia, desenvolvem atividades exclusivas de Estado, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, os servidores integrantes de carreiras cujos cargos desenvolvam funções equivalentes ou similares às da União. Não cabe à União definir quais servidores exercem atividades exclusivas de Estado no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

              Trata-se, conforme dissemos anteriormente, de matéria inscrita em sua competência privativa. Inclusive, vale observar que o próprio dispositivo em comento afirma isso em sua parte inicial para depois, em sua parte final, dispor de forma diversa, mostrando-se contraditório e, mesmo, injurídico.

              Do exposto, conclui-se:

1.     a definição de carreiras exclusivas de Estado não é matéria pacífica e envolve uma questão mais ampla que é a própria definição de quais devam ser as atividades do setor público;

2.     do ponto de vista positivo, o conceito é citado no art. 247 da Constituição, introduzido pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998;

3.     a definição de quais são as carreiras exclusivas de Estado é objeto do Projeto de Lei Complementar nº 248, de 1998 (CD), que “Disciplina a perda de cargo público por insuficiência de desempenho do servidor público estável, e dá outras providências” (Projeto de Lei da Câmara nº 43, de 1999 - Complementar, no Senado Federal), que se encontra tramitando na Câmara Baixa, para exame das emendas desta Casa.


1* Palestra apresentada no XIII ENCONTRO NACIONAL DA FEDERAÇÃO DOS AUDITORES E FISCAIS DO MUNICÍPIO - FENAFIM. Associação dos Auditores de Tributos Municipais de Fortaleza - AUDIF. Debatedor: Márcio Augusto de Vasconcelos Diniz. Coordenadora: Mônica Teixeira Maia. Fortaleza (Ce), 30 de novembro de 2001.


2** Eleito Senador da República (1995-2003).



            Modelo15/18/248:47



Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/2001 - Página 30593