Discurso durante a 172ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apelo ao Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para a apreciação de projeto de lei de autoria de S.Exa. que regulamenta a demarcação de terras indígenas. Críticas à exclusão de representantes indígenas do grupo de trabalho especial destinado a propor medidas de reestruturação da Funai.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Apelo ao Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para a apreciação de projeto de lei de autoria de S.Exa. que regulamenta a demarcação de terras indígenas. Críticas à exclusão de representantes indígenas do grupo de trabalho especial destinado a propor medidas de reestruturação da Funai.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/2001 - Página 30727
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • ANUNCIO, VOTO CONTRARIO, MATERIA, EXECUTIVO, MOTIVO, IRREGULARIDADE, ATUAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, INTERDIÇÃO TEMPORARIA, RODOVIA.
  • SOLICITAÇÃO, VOTAÇÃO, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, REGULAMENTAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.
  • COMENTARIO, APRESENTAÇÃO, PROJETO, EXTINÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), MOTIVO, DEFICIENCIA, ESTRUTURAÇÃO.
  • QUESTIONAMENTO, INICIATIVA, JOSE GREGORI, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), CRIAÇÃO, GRUPO, REESTRUTURAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), AUSENCIA, PARTICIPAÇÃO, INDIO.
  • SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), INCLUSÃO, PROPORCIONALIDADE, REPRESENTAÇÃO, INDIO, COMISSÃO, ESTUDO, REESTRUTURAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há dias anunciei desta tribuna que passaria a votar contra todas as matérias de interesse do Poder Executivo. Já comuniquei ao Líder do meu Partido que minha decisão não é pessoal, mas do interesse da população do meu Estado que vem sofrendo, ao longo dos sete anos do Governo do Presidente Fernando Henrique, as conseqüências da ação nefasta que vem desenvolvendo a Funai, comandada por instituições não-governamentais, no que tange à desmesurada demarcação de terras indígenas. Como disse naquela ocasião, já não se trata de demarcar. Demarcadas, delimitadas e pretendidas já se encontram 57% da área do meu Estado. Agora, a Funai está partindo para a ampliação das áreas já demarcadas. Quer dizer, daqui a pouco todo o Estado de Roraima pertencerá a 7% de sua população, ou seja, à população indígena.

            Hoje, votei contra a matéria de interesse do Governo, contra a PEC que versava sobre os combustíveis. Repito, sem entrar no mérito, que se trata de uma posição simbólica contra a medida.

            Quero também relembrar, novamente, um problema que já trouxe a esta tribuna, um outro absurdo, que é a interdição, o fechamento de uma rodovia federal, a BR-174, que liga o meu Estado ao Amazonas, que é fechada, diariamente, a partir das 18 horas, até as seis horas da manhã do dia seguinte.

            Essa estrada atravessa uma reserva indígena. Ora, reservas indígenas são terras da União e uma rodovia federal também pertence à União. Portanto, é um contra-senso que aconteça esse fechamento. E o pior, Sr. Presidente: a resposta que recebi da Funai é a de que não foi ela que fechou a estrada, que teria sido o Exército brasileiro durante a construção da mesma. Depois, o Exército teria delegado aos índios o direito de fechar essa estrada.

            Como isso não tem cabimento, e baseei-me num estudo feito pela Consultoria Legislativa do Senado, que diz não haver amparo legal para isso, enviei um ofício ao Sr. Ministro da Justiça, datado do dia 13 de novembro, solicitando informações e pedindo providências para que essa situação fosse resolvida. Até hoje, não recebi uma resposta concreta, Sr. Presidente, mas apenas evasivas dizendo que o assunto foi enviado para a Policia Rodoviária Federal, que até o momento não devolveu as informações.

            Nesse mesmo dia, encaminhei um ofício ao Sr. Ministro dos Transportes pedindo, igualmente, providências, porque a estrada, sendo federal, está afeta àquele Ministério. Da mesma forma, não recebi resposta do requerimento, datado do dia 13 de novembro. Do Ministério dos Transportes recebo apenas a comunicação de que está aguardando informações do 1º Distrito Rodoviário, localizado em Manaus.

            Sr. Presidente, resolvi fazer o requerimento, oficialmente, por intermédio da Mesa do Senado, tanto ao Ministro da Justiça quanto ao Ministro dos Transportes, pedindo providências, já que não há amparo legal para o fechamento da estrada, para que ela seja reaberta ao tráfego normal. Ainda há tempo, porque o Ministro tem 30 dias para dar resposta. Espero que agora, por força de lei, tanto o Ministro da Justiça, que já é outro, como o Ministro dos Transportes dêem uma satisfação.

            Sr. Presidente, isso mostra o quanto o Senador, que é eleito, é pouco levado em conta pelos Srs. Ministros, que não são eleitos, e por seus funcionários, do segundo ou terceiro escalão, como o Presidente da Funai, que também não é eleito. Como representantes do povo, ficamos numa situação vexatória.

            Mesmo sendo de um Partido da base do Governo, como posso votar a favor das matérias de interesse do Governo, se esse mesmo Governo, por meio de um órgão seu, de segundo ou terceiro escalão, promove em meu Estado um verdadeiro apartheid interétnico e intra-étnico, porque não é apenas entre índios e não-índios, mas também entre índios e índios, porque a maioria dos índios de Roraima não concorda com esse tipo de procedimento que está sendo adotado lá.

            Sr. Presidente, novamente, rogo ao Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania que seja colocada em votação a Proposta de Emenda à Constituição nº 38, de minha autoria, que tenta regulamentar essa situação no que tange à demarcação de terras indígenas, às dimensões, dando uma redação que permita, inclusive, que todas essas portarias sejam examinadas pelo Senado, porque não é possível que haja um confisco de terras dos Estados pela União e nós sequer tomemos conhecimento. Basta o laudo de um simples antropólogo, pertencente a uma ONG, contratado pela Funai para que isso seja a maior verdade, que sobrepuja a tudo. Portanto, é necessária a aprovação dessa emenda constitucional.

            Mas, Sr. Presidente, atento ao tempo que me resta, quero fazer, ainda sobre a Funai, um comentário. Quando assumi meu mandato, em 1999, apresentei um projeto propondo a extinção da Funai por absoluta desnecessidade da existência do órgão. Recentemente, foi publicada uma matéria mostrando como está a estrutura da Funai: de cerca de 1.500 funcionários que a Funai possui, apenas cerca de 330 estão, digamos assim, nas aldeias indígenas. O restante está nas capitais, aqui em Brasília, ganhando salários exorbitantes, e, o que é pior, falando em nome dos índios sem consultá-los.

            No dia 1º de novembro, o ainda Ministro José Gregori baixou uma portaria criando um grupo de trabalho especial para propor medidas de reestruturação da Funai, para aprimorar o seu desempenho institucional. S. Exª elencou um número de representantes de diversos órgãos, como, por exemplo, do Ministério da Justiça, dois representantes da Funai, um representante do Conselho Indigenista da Fundação Nacional do Índio, um representante da Casa Civil da Presidência da República, um representante de gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, um especialista em assuntos indígenas de livre escolha do Ministro da Justiça.

            No dia 12 de novembro, Sr. Presidente, publicou-se a designação dos nomes. Não há um índio sequer entre os que vão estudar a reformulação da Funai. Isso é o mesmo que criarmos aqui uma associação feminina composta apenas por homens.

            A Funai peca, inclusive, nesse aspecto, porque há muita gente se dizendo procurador dos índios sem ter recebido deles procuração; há muita gente falando pelos índios sem ser índio. O termo “indigenista” está na moda, como “ambientalista”. Pessoas se intitulam indigenistas e falam em nome dos índios.

            Da tribuna do Senado, faço um apelo ao Senhor Presidente da República e ao Ministro da Justiça para que inclua, ao menos de modo paritário, os índios nessa comissão que vai estudar a reestruturação da Funai e que, ao final, aproveite a oportunidade para determinar que esse órgão seja dirigido por um índio. Sendo a Funai uma Fundação Nacional do Índio, quem melhor do que o próprio índio para cuidar dos seus direitos e interesses? Não podemos pensar, por exemplo, em criar uma associação para a defesa dos negros e colocar ali uma pessoa de cor branca que não tenha nada a ver com a raça afro-brasileira.

            Faço novamente esse registro, protestando contra essa forma de atuação da Funai, que, em meu Estado, está demarcando áreas que não pertenciam aos índios. Eles deslocam os índios de uma região para a outra. Depois de pouco tempo, ocorre a visita de um antropólogo, paulista ou carioca, que realiza um estudo “infalível”, que acaba sendo adotado pela Funai e pelo Ministro da Justiça e é, finalmente, homologado pelo Presidente da República.

            Precisamos fazer com que o Senado passe, como deve passar, a ter o direito de analisar essas portarias. Não analisamos empréstimos para os Estados? Não analisamos a escolha de diretores do Banco Central, de diretores de agências reguladoras? Por que não fiscalizamos a demarcação de reservas ecológicas ou indígenas, de parques nacionais, que representam terras que os nossos Estados perdem sem que os representantes dos Estados sequer dêem uma opinião?

            Sr. Presidente, essa portaria, além de não prever uma representação paritária dos índios, também não indica um membro do Poder Legislativo. Com certeza, quando esse grupo encerrar seu trabalho, haverá uma medida provisória do Presidente da República promovendo a nova estruturação da Funai, e nós não teremos margem nenhuma para modificá-la.

            De novo, iremos apenas mudar a denominação desse órgão, que é um malefício não somente para a Região Amazônica, onde ela mais malefícios causa, mas também para as Regiões Centro-Oeste e Nordeste, que vem provocando uma desagregação, repito, não só interétnica, entre índios e não-índios, como também intra-étnica, entre índios. Por exemplo, no meu Estado, muitos índios que são de comunidades evangélicas não concordam com essa orientação dada pelo Conselho Indigenista Missionário, que comanda todo esse processo e é ligado à Igreja Católica.

            Sr. Presidente, muito obrigado.


            Modelo15/3/245:08



Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/2001 - Página 30727