Pronunciamento de Valmir Amaral em 11/12/2001
Discurso durante a 172ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Alerta para a necessidade de políticas destinadas ao combate à violência doméstica contra a mulher.
- Autor
- Valmir Amaral (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/DF)
- Nome completo: Valmir Antônio Amaral
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
CODIGO CIVIL.
FEMINISMO.:
- Alerta para a necessidade de políticas destinadas ao combate à violência doméstica contra a mulher.
- Publicação
- Publicação no DSF de 12/12/2001 - Página 30731
- Assunto
- Outros > CODIGO CIVIL. FEMINISMO.
- Indexação
-
- ANALISE, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, MULHER, APROVAÇÃO, CODIGO CIVIL, TENTATIVA, EXTINÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, INJUSTIÇA, PROBLEMA, INSUFICIENCIA, RENDA, PODER, NATUREZA POLITICA, AUMENTO, VIOLENCIA.
- ADVERTENCIA, EFEITO, VIOLENCIA, MULHER, COMPROMETIMENTO, PROGRESSO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, PAIS, DIREITOS HUMANOS, REDUÇÃO, INVESTIMENTO, PRODUTIVIDADE, TRABALHO.
- CRITICA, ATUAÇÃO, BRASIL, NEGLIGENCIA, OMISSÃO, VIOLENCIA, MULHER, CONTRADIÇÃO, TRATADO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
- CRITICA, SITUAÇÃO, FALTA, ESTRUTURAÇÃO, SERVIDOR, MATERIAL, DELEGACIA, ATENDIMENTO, MULHER, VITIMA, VIOLENCIA.
- SUGESTÃO, ALFABETIZAÇÃO, REDUÇÃO, MORTALIDADE INFANTIL, PLANEJAMENTO FAMILIAR, PARTICIPAÇÃO, ECONOMIA, FORMA, MELHORIA, SITUAÇÃO, MULHER.
SENADO FEDERAL SF -
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O SR. VALMIR AMARAL (PMDB - DF) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a guerra no Afeganistão trouxe à tona o horror do regime talibã contra as mulheres, obrigadas a trajarem burkas, que as cobrem da cabeça aos pés e privadas do direito ao trabalho, à educação e ao lazer. A situação das mulheres afegãs é realmente dramática mas existe um outro véu que encobre a violência contra a mulher em todo o mundo, fenômeno sem fronteiras de classe, raça, religião, idade ou escolaridade.
Essa é uma das grandes contradições de nosso tempo. É inegável que ocorreu uma significativa mudança na posição da mulher na sociedade. Na vida profissional, as coisas melhoraram. A participação das mulheres na força de trabalho do Brasil, por exemplo, atinge 51% atualmente, e encontramos mulheres ocupando, com destaque, cargos e profissões que antes eram consideradas “território masculino”.
Entretanto, a história não se escreve de forma linear, e as conquistas não são necessariamente cumulativas. Assim é que só hoje, já no século XXI, a Câmara dos Deputados aprovou o novo texto do Código Civil que acaba com a possibilidade de anulação do casamento por perda da virgindade da mulher antes do matrimônio.
Outros problemas permanecem, Apesar de as mulheres possuírem maior escolaridade que os homens, os dados estatísticos do IBGE demonstram que elas têm renda menor. E as informações dos tribunais eleitorais indicam a baixa representatividade da mulher nos cargos eletivos, o que indica o pequeno poder político que ela alcançou até agora.
Por mais graves que sejam esses problemas, no entanto, nenhum se compara ao problema da violência. Apesar da precariedade das estatísticas, já que as ocorrências são subnotificadas, os números existentes sobre a violência contra a mulher assustam. No mundo, a cada cinco anos, a mulher perde um ano de vida saudável se sofre violência doméstica. Nos Estados Unidos, uma mulher é fisicamente violentada por seu parceiro íntimo a cada nove segundos. Na América Latina, a violência doméstica atinge entre 25% e 50% das mulheres. No Brasil, a cada quatro minutos uma mulher é agredida em seu próprio lar por uma pessoa com quem mantém relação de afeto.
A violência é um termo de múltiplos significados e vem sendo utilizado para nomear desde as formas mais cruéis de tortura até as formas mais sutis, que têm lugar no cotidiano da vida social, na família, nas empresas ou em instituições pública etc. A violência contra a mulher, atualmente denominada violência de gênero, ocorre tanto no espaço privado quanto no espaço público e pode ser cometida por familiares ou outras pessoas que vivem no mesmo domicílio, ou por pessoas sem relação de parentesco que não convivem sob o mesmo teto. As agressões, em suas diversas facetas, podem estar explícitas ou camufladas em “eufemismos” de comportamento. Podem ocorrer de forma episódica ou como uma espécie de norma coletiva. E, em todos os casos, ainda se configuram como uma das preocupações mais emergentes para o conjunto das mulheres.
O fenômeno da violência contra a mulher, em especial aquela ocorrida no âmbito doméstico e familiar, tem graves e sérias conseqüências não só para o seu pleno desenvolvimento, comprometendo o exercício da cidadania e dos direitos humanos, como também para o desenvolvimento socioeconômico dos países. O custo social dessa violência reflete-se em dados concretos. Estudos do Banco Mundial revelam que a violência doméstica reduz investimentos e o desenvolvimento de regiões. A falta de segurança e proteção afeta a produtividade no trabalho e afasta o capital.
Apesar de universal, o fenômeno agrava-se nos países mais pobres. Na América Latina, a violência contra a mulher compromete 14,6% do Produto Interno Bruto (PIB), algo em torno de US$170 bilhões. No Brasil, onde 70% dos crimes contra a mulher acontece dentro de casa e o agressor é o marido ou companheiro, a violência contra a mulher compromete 10,5% do PIB.
A despeito de sua relevância, Srªs e Srs. Senadores, o combate à violência doméstica e contra a mulher ainda não entrou na agenda da sociedade brasileira, nem na pauta da imprensa com o peso que o problema merece. Por quê? Afinal, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu expressamente a igualdade entre homens e mulheres, em direitos e obrigações, e atribuiu ao Estado o dever de criar mecanismos para coibir a violência no âmbito da família e proteger cada um de seus membros - art. 5º e art. 226, §§ 5º e 8º. Desde 1984, o Brasil ratificou a Convenção da ONU sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. Mais recentemente, aderimos a diversas outras declarações internacionais de proteção dos direitos humanos, entre as quais documentos específicos, como a Convenção Internacional para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher - Convenção de Belém do Pará, de 1995.
Apesar dessa adesão, o Brasil sofreu uma condenação internacional da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, por negligência e omissão em relação à violência doméstica. O caso que justificou a condenação foi o de Maria da Penha, que, em 1983, sofreu uma tentativa de homicídio por seu então marido, que a deixou paraplégica. Apesar de condenado pelos tribunais, ele jamais foi preso, e o processo continua em andamento devido a sucessivos recursos de apelação. Em seu informe de abril de 2001, a comissão da OEA considera que, passados 18 anos da prática do crime, “trata-se de uma questão de tolerância de todo o sistema que (...) alimenta a violência contra as mulheres e que não há nenhuma evidência socialmente percebida da vontade do Estado, como representante da sociedade, em punir esse crime”.
Como se pode ver, ainda que existam esforços de parlamentares e de segmentos da sociedade, a legislação infraconstitucional mantém-se em desacordo com os conceitos de igualdade e eqüidade entre homens e mulheres. O País contraria sua própria constituição e os tratados internacionais que assinou.
A violência contra a mulher aumenta a cada dia, mas as 307 delegacias especializadas no atendimento desses casos no País padecem de falta de estrutura. Pesquisa divulgada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher indica que 60% das 267 delegacias avaliadas não dispõem de funcionários suficientes. Cerca de 33% delas não têm sequer uma arma. O levantamento do Conselho mostra, ainda, que 2% das unidades não dispõem de telefone. Quanto à frota, 19% estão sem veículos.
Em 1999, houve 411.213 vítimas de agressões leves e graves. Em 1993, a Comissão Parlamentar de Inquérito da Violência contra a Mulher diagnosticara 123.131 casos. Apesar do crescimento da violência, menos de 10% dos municípios contam com delegacias especializadas nesse tipo de caso, os quais se concentram basicamente na região Sudeste.
Contribuem definitivamente para esse descaso as relações de poder desiguais estabelecidas entre homens e mulheres. Em sociedades machistas como a brasileira, tais relações perpetuam e chegam a legitimar a violência contra a mulher. Até recentemente, existia a figura da legítima defesa da honra, invocada em tantos assassinatos de mulheres por seus maridos e parceiros. Sob a alegação de adultério da mulher, muitos homens foram e continuam sendo absolvidos por júris populares e tribunais da prática de agressões e assassinatos contra suas esposas, companheiras e namoradas.
E não se pense que só sofre violência a mulher agredida física ou sexualmente. Muitas mulheres são submetidas à violência psicológica por seus companheiros, que rasgam seus documentos, cortam suas roupas, quebram seus objetos pessoais, não permitem que estudem ou trabalhem, utilizam termos ofensivos ou agressivos, com graves conseqüências para sua saúde mental, já que passam a sofrer de dores de cabeça constantes, depressão, ansiedade, distúrbios de alimentação, disfunção sexual e problemas de auto-estima, que nem sempre são identificados com a situação de violência doméstica.
A violência contra a mulher afeta o bem-estar, a segurança e o crescimento pessoal e coletivo. Toda a sociedade perde com a instauração de um estado de medo e apreensão. Ela está profundamente arraigada nos hábitos, costumes e comportamentos socioculturais. De tal forma que as próprias mulheres encontram dificuldade em romper situações de violência, entre outras coisas, por acreditarem que seus companheiros têm direito de puni-las se acham que elas fizeram algo errado ou infringiram as normas que eles determinaram.
A violência afeta mulheres de todas as idades, raças e classes sociais e tem graves repercussões sociais. Agravos à saúde física e mental, dificuldades no emprego, na aprendizagem, riscos de prostituição, uso de drogas e outros comportamentos de risco.
Embora se classifique a violência em tipos distintos, as diferentes formas de agressão nunca aparecem isoladas. As mulheres estupradas, ou as meninas submetidas ao abuso sexual, em geral são espancadas e sofrem ameaças de toda sorte. Sob o domínio do medo, elas não denunciam, não procuram ajuda, fecham-se em si mesmas e sofrem caladas até que um fato, geralmente trágico, venha revelar a situação.
Numa tentativa de conclusão, Srªs. e Srs. Senadores, assinalamos que, há muito, as mulheres lutam pelos seus direitos e pela igualdade social em todas as áreas. Como resultado dessa mobilização, alguns avanços merecem registro, porém, ainda há pouco a comemorar, pois desafios persistem. Para superá-los, temos de atuar em várias frentes: de um lado, no plano imaginário, das representações sociais, no âmbito da cultura, que atinge homens e mulheres de diferentes gerações, faixas de idade e classes sociais; de outro lado, temos de aperfeiçoar as organizações e instituições da sociedade civil, envolvendo a justiça, a educação, a saúde, a segurança etc., na solução do problema.
A alfabetização crescente, a diminuição da mortalidade infantil, contraceptivos mais eficazes e acessíveis, programas eficientes de planejamento familiar também possibilitam, cada vez mais, a participação da mulher na economia e na sociedade. Quando o status da mulher se fortalece, assiste-se a avanços sociais. Mulheres educadas tendem a conduzir melhor suas vidas e têm mais chances de libertarem-se da tirania da violência.
Finalizando, Srªs. e Srs. Senadores, reconhecemos que muita coisa ainda precisa ser feita para melhorar a situação da mulher no mundo, onde elas representam 70% dos pobres e 2/3 dos analfabetos. A universalidade do problema, no entanto, não nos exime de fazer a nossa parte. Sabe-se que 23% das brasileiras estão sujeitas à violência doméstica, a mão invisível que apedreja enquanto a outra afaga.
Algumas imagens dramáticas dessa situação foram mostradas pelo programa Fantástico, da Rede Globo, no último domingo.
As burkas oprimem as mulheres em todos os cantos do planeta e não são impostas somente por algumas religiões exóticas ou por povos de costumes bárbaros. Também entre nós ocidentais e cristãos, a violência contra a mulher se manifesta, mesmo que, às vezes, sob formas sutis e insidiosas, toleradas pela indiferença e a complacência da sociedade.
Muito obrigado.
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