Discurso durante a 172ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de definição da política governamental de desenvolvimento para os setores de ciência e tecnologia.

Autor
Iris Rezende (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Iris Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Necessidade de definição da política governamental de desenvolvimento para os setores de ciência e tecnologia.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/2001 - Página 30736
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, EFICACIA, POLITICA, DESENVOLVIMENTO, SETOR, CIENCIA E TECNOLOGIA, INCENTIVO, CONHECIMENTO, PROGRESSO, DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO.
  • ANALISE, CRITICA, OMISSÃO, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, INCENTIVO, PESQUISA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, PAIS, VIABILIDADE, MELHORIA, SITUAÇÃO, INFERIORIDADE, BRASIL, RELAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESPECIFICAÇÃO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), JAPÃO, ALEMANHA.
  • COMENTARIO, RELATORIO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), CONFIRMAÇÃO, INFERIORIDADE, POSIÇÃO, BRASIL, SETOR, CIENCIA E TECNOLOGIA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, URGENCIA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, MISERIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, MELHORIA, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, AUMENTO, INVESTIMENTO, REFORÇO, FUNDOS, AUXILIO FINANCEIRO, PESQUISA, VIABILIDADE, PROGRESSO, DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO, PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o Brasil precisa urgentemente debater e definir uma política eficiente que nos coloque na linha de frente no estratégico setor de ciência e tecnologia.

            Não há como fugir desse imperativo. É o avanço das pesquisas que permite a descoberta de novos paradigmas que deverão revolucionar ainda mais todos os aspectos da vida em nosso planeta. O desenvolvimento científico é o ponto chave da diferenciação entre países no século XXI.

            O Brasil não pode continuar na periferia desse processo fundamental. É preciso reagir com urgência, preparar os caminhos para investimentos estratégicos em pesquisa, incentivar o conhecimento, abrir as fronteiras deste novo e maravilho universo que transforma vidas e garante a prosperidade.

            Infelizmente, o apartheid científico e tecnológico é uma realidade entre os homens e é motivo de grande preocupação entre intelectuais, militantes e governantes. Esse abismo se amplia a cada dia entre países, entre continentes e no interior das sociedades. Nos Estados Unidos, por exemplo, país que lidera a corrida científica em nível mundial, milhões de pessoas vivem à margem dos benefícios que ela proporciona.

            Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, após a Segunda Guerra Mundial, o sistema capitalista definiu um novo processo de divisão internacional do trabalho e de poderes entre os países. Uma das novidades mais importantes desse novo projeto de acumulação de capital liderado pelos Estados Unidos foi a necessidade de integração entre a investigação científica e o processo produtivo, que passou a funcionar com a sustentação decisiva das empresas multinacionais.

            Não demorou muito e os resultados foram aparecendo. O mais importante deles foi, sem dúvida alguma, o desenvolvimento fantástico e as possibilidades impressionantes que se abriram para o crescimento da microeletrônica e dos computadores, revolucionando de maneira incrível a concorrência entre países e entre capitais, e alterando, de maneira espetacular, a dinâmica entre os chamados países industriais e países em desenvolvimento.

            Como podemos deduzir, a forte concorrência internacional fruto desse salto tecnológico forçou muitas Nações a procurarem mecanismos mais eficientes de produtividade para poderem sobreviver no novo modo de produção capitalista. O Brasil não conseguiu acompanhar essa corrida, fraquejou nos momentos decisivos e se deixou superar no plano tecnológico por países que possuem índices de desenvolvimento econômico bem abaixo dos padrões nacionais.

            Nessa conjuntura, Estados Unidos, Japão e Alemanha, países considerados de vanguarda da terceira revolução industrial, lutam à sua maneira pela hegemonia das transformações científicas e tecnológicas.

            É interessante ressaltar que alguns países situados na chamada periferia da revolução tecnológica, notadamente os chamados “Tigres Asiáticos”, a China e a Índia, também resolveram acelerar os seus passos em direção ao universo do progresso científico. Para isso, dinamizaram de maneira eficiente os seus sistemas educacionais e passaram a destinar percentuais cada vez mais importantes de seus Produtos Internos Brutos em favor das pesquisas científicas e do desenvolvimento da técnica. Para esses países, passados trinta anos, os resultados dos esforços realizados são admiráveis.

            O Brasil continuou a caminhar na contramão da nova história, e os progressos verificados nessas três décadas foram ínfimos.

            As autoridades do País ainda não se conscientizaram sobre a importância do desenvolvimento científico e tecnológico que conduz aos caminhos da eficiência, da rapidez, da sofisticação e do saber em sua forma mais elevada.

            A eqüidistância em relação à ciência e à tecnologia coloca o Brasil em posição frágil diante do grau de agressividade que caracteriza a concorrência capitalista. Hoje, a síntese do antagonismo entre as classes sociais não se verifica mais no espaço ocupado pelo capital e pelo trabalho. Pelo contrário, o grande conflito entre os homens situa-se no âmbito do fantástico desenvolvimento proporcionado pelo saber. Portanto, é no terreno da ciência onde serão travados os combates mais decisivos no século XXI.

            O Brasil parece entrar nesse combate sem as armas decisivas para, pelo menos, sobreviver à guerra. O debate nacional sobre ciência e tecnologia não se impõe. As autoridades estão inertes e impotentes, como que desconhecendo a relevância do tema. Os segmentos acadêmicos e intelectuais ficam literalmente de mãos atadas diante da histórica falta de recursos que paralisa a pesquisa e frustra o sonho de toda uma geração composta por homens e mulheres talentosos e criativos.

            O advento da globalização, a partir da segunda metade dos anos 80, proporcionou o avanço da informatização, da robótica, da cibernética, da genética, da biotecnologia, enfim, da chamada fronteira do conhecimento, que passou a diferenciar países, povos, continentes e pessoas de maneira marcante.

            No que se refere ao Brasil, ainda ocupamos um lugar secundário no ranking internacional do progresso científico e tecnológico. Continuamos à margem desse universo extremamente elitista, excludente; mas, ao mesmo tempo, fascinante.

            A miséria ainda latente, a gigantesca ignorância e a cruel posição de ter a quarta pior distribuição de renda do planeta são os maiores responsáveis por essa situação de atraso. O País ainda não manifestou uma vontade política firme para realizar, de uma vez por todas, uma verdadeira revolução no processo educacional, como aconteceu, por exemplo, na Coréia do Sul durante as décadas de 60 e 70. Ainda temos cerca de 16 milhões de analfabetos maiores de 15 anos, sem contar os chamados analfabetos funcionais, que, somados, revelam um quadro vergonhoso da instrução básica de boa parte do povo brasileiro.

            Em contrapartida, a Coréia do Sul, que tinha um padrão geral bem inferior ao do Brasil até o final dos anos 60, exporta hoje cinco vezes mais do que o nosso País, está entre os líderes mundiais em desenvolvimento científico e tecnológico ao lado dos Estados Unidos, Alemanha e Japão, vende dezenas de bilhões de dólares em produtos com alto valor agregado, tem menos de 3% de analfabetos, registra 800 patentes/ano, 95% da população tem o segundo grau completo e exibe uma renda per capita de quase 11 mil dólares.

            Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, no Relatório sobre Desenvolvimento Humano 2001, divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em meados de julho do ano passado, foi apresentado o ranking tecnológico de 72 países, medido a partir de um Índice de Realização Tecnológica (IRT). Nessa classificação, o Brasil ficou em 43º lugar, o que é absolutamente lamentável.

            O Relatório classificou os países nas seguintes categorias: Líderes, Líderes Potenciais, Seguidores Dinâmicos e Marginalizados. Lamentavelmente, o Brasil ficou na categoria dos “Seguidores Dinâmicos”, no mesmo nível da Bolívia, da Colômbia, do Peru, do Panamá, de Trinidad e Tobago e do Uruguai, apenas referindo-nos ao universo latino-americano. Todavia, na categoria de “Líderes Potenciais”, ficaram a Argentina, o Chile, a Costa Rica e o México. Para tristeza nossa, como podemos constatar, mesmo no âmbito da América Latina, a posição brasileira é das mais modestas.

            O Relatório revela que o Brasil registra uma média de 33,6 patentes outorgadas a residentes por milhão de habitantes e uma receita muito baixa de royalties por licenciamentos, o que nos coloca em nítida posição de desvantagem em comparação com países como Argentina, Chile, México e outros do continente.

            O Brasil registrou um crescimento espetacular no número de acessos à Internet, de 26,5 mil, em 1995, para 1,2 milhão, em 2000. Mas, o número de sites por milhão de habitantes, algo em torno de 2 mil e 500, coloca o Brasil igualmente em posição de desvantagem diante da Argentina, Chile e México.

            Por fim, no quesito 'capacitação humana', a posição brasileira é ainda mais complicada. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1999, os brasileiros tinham em média 5,8 anos de escolaridade, enquanto os países desenvolvidos apresentavam uma média de 12 anos. Em comparação com países como Argentina, Chile, Costa Rica e México, a média brasileira de escolaridade é igualmente bem inferior.

            Em suas últimas considerações, o Relatório recomenda que os países devem assumir quatro posições que são importantes para impulsionar o desenvolvimento científico e tecnológico.

            A primeira delas é o incentivo aos governos, às universidades e ao setor privado para que se engajem a fundo aos diversos programas de pesquisa e no apoio à inovação tecnológica.

            A segunda posição refere-se à necessidade de criar mecanismos eficazes de controle da propriedade intelectual, no sentido de equilibrar melhor os interesses públicos e os interesses privados.

            A terceira posição visa a ampliar investimentos em programas de ciência e tecnologia, sobretudo naqueles que trarão resultados mais imediatos na luta contra as desigualdades sociais.

            A última posição recomenda a necessidade de ampliar os acordos científicos regionais e a busca de parcerias mais freqüentes em projetos específicos, de forma que os resultados dessas experiências contribuam efetivamente para melhorar a capacidade tecnológica dos países menos desenvolvidos.

            Mesmo exibindo uma colocação bem aquém de suas reais possibilidades no cenário internacional do desenvolvimento científico e tecnológico, o Brasil tem realizado alguns progressos tímidos no campo da pesquisa, dos investimentos, da formação de quadros altamente especializados, da difusão, da publicação e do registro de suas criações.

            Por exemplo, o Brasil conseguiu incluir duas de suas unidades de pesquisa entre os 46 mais importantes Centros Mundiais de Inovação Tecnológica existentes no mundo, destacados no Relatório das Nações Unidas.

            Em contrapartida, a maior parte da produção científica brasileira está concentrada no eixo Sul-Sudeste, conforme os dados do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

            Dos 11 mil 760 grupos de pesquisa existentes no País, quase 57% estão concentrados no Sudeste. Na região Sul ficam cerca de 20% do total. Em seguida, podemos citar o Nordeste, algo em torno de 15% do universo. Os últimos lugares são ocupados pelo Centro-Oeste, que aparece com apenas 6%, e o Norte, que responde por minguados 3%.

            Dos quase 50 mil pesquisadores em atividade nos diversos centros de pesquisa nacionais, cerca de 27 mil, ou seja, quase 54%, atuam no Sudeste. Desse total, 17 mil 354 são doutores e 6 mil 213 são mestres.

            Em 1999, os Governos dos Estados da região Sudeste aplicaram quase 800 milhões de reais em Ciência e Tecnologia. Enquanto isso, o Norte não conseguiu aplicar nem mesmo 7 milhões de reais. Como podemos concluir, convivemos com distorções enormes também no plano regional.

            Em Goiás, procuramos diminuir esse abismo com a criação da Secretaria de Ciência e Tecnologia, um dos marcos do governo de Maguito Vilela. Esse instrumento hoje permite ao Estado visualizar novos horizontes na perspectiva do pleno crescimento tecnológico.

            No que se refere aos progressos conquistados na educação, entre 1994 e 1999, a expansão do número de matrículas nas universidades brasileiras cresceu 43%, refletindo, segundo os especialistas, a expansão do ensino médio de 66% no mesmo período. De acordo com essas opiniões, em números absolutos, o Brasil formou treze vezes mais doutores do que o México ou a Argentina. Todavia, convém lembrar que o México tem cerca de 100 milhões de habitantes, a Argentina não chega a 40 milhões, e o Brasil a essas alturas já ultrapassou os 170 milhões que foram registrados pelo IBGE em meados do ano 2000.

            Outro dado importante deve ser visto com grande preocupação por todos aqueles que desejam ver o Brasil algum dia entre os países mais criativos no setor de desenvolvimento científico e tecnológico. Em primeiro lugar, é importante ressaltar que, dos 5 mil e 500 doutores formados em 2.000, só pouco mais de 2 mil conseguiram emprego. Quanto aos mestres, é preciso considerar que a situação é ainda mais dramática. Mesmo assim, as previsões indicam que 6 mil doutores receberão seus títulos no final deste dezembro, juntamente com 20 mil mestres.

            No que se refere ao comportamento dos investimentos do Governo Federal aplicados em Ciência e Tecnologia nos últimos dez anos, devemos reconhecer que houve evolução modesta. Em 1991, foram aplicados 2,66 bilhões de reais e, em 2001, as previsões indicam cerca de 3,98 bilhões de reais.

            Em todo o período, aconteceram altos e baixos, ou seja, aumento e diminuição de dotações. Por exemplo, se tomarmos o ano de 1997 como base para comparação com os anos posteriores, vamos verificar que, entre 1998 e 2000, o montante de verbas federais diminuiu drasticamente. A retomada está prevista para este ano, com recursos da ordem de 3,98 bilhões de reais. Se assim for, o valor representará o maior investimento do período mencionado.

            Se os investimentos são modestos e irregulares em desenvolvimento científico e tecnológico, impressiona a enorme quantidade de gastos do País com transferência de tecnologia.

            Em 1990, foram revertidos 290 milhões de dólares para o exterior e, em 1999, esse valor já era da ordem de quase 2 bilhões de dólares, ou seja, mais do que todos os investimentos do Governo Federal previstos nesse ano para o setor.

            Segundo dados da Agência de Notícias do Jornal do Brasil, essas despesas incluíam marcas, no valor de 37 milhões de dólares; patentes, no valor de 97 milhões de dólares; fornecimento de tecnologia, no valor de 480 milhões de dólares; e serviços técnicos especializados, no valor de 1,3 bilhão de dólares.

            Assim, o desenvolvimento tecnológico nacional fica duramente prejudicado com essas pesadas transferências. Elas poderiam muito bem ser aplicadas internamente para gerar empregos e resultados científicos valiosos para o desenvolvimento do País.

            Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o assunto que nos trouxe hoje a esta tribuna é dos mais fascinantes, extenso, complexo e envolvente. Ao longo deste pronunciamento procuramos apenas levantar alguns pontos que julgamos os mais importantes para o futuro do Brasil.

            O desenvolvimento científico e tecnológico é a grande arma dos países neste século do conhecimento. Para não perdermos de vez o bonde da história, precisamos urgentemente construir um sistema verdadeiramente inovador, para podermos sair rapidamente do ostracismo e da insignificância científica em que estamos hoje inseridos.

            Todavia, para alcançarmos esse objetivo, precisamos reverter o vergonhoso quadro de miséria, transformar completamente o perfil da vergonhosa distribuição de renda, fazer a revolução de qualidade na educação como foi feita na Coréia, melhorar todos os indicadores sociais, aumentar os investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

            Devemos urgentemente fortalecer os Fundos de Amparo à Pesquisa em todo o território nacional e conscientizar os empresários de que o esforço que fazem na área científica, da ordem de apenas 10% a 15%, é extremamente insignificante. Nos países desenvolvidos, a participação das empresas representa de 60% a 70%.

            Gostaria de finalizar dizendo que existem no Brasil muitos projetos inconclusos, muitas iniciativas abandonadas, muitos sonhos não realizados e muitos desejos frustrados.

            No caso do desenvolvimento científico e tecnológico, não podemos deixar que ele caia no esquecimento e condene o Brasil a continuar transitando na contramão da história, como um mero exportador periférico de produtos primários de baixo valor agregado.

            É hora de reagir. Para o bem do Brasil.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.


            Modelo111/27/243:45



Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/2001 - Página 30736