Pronunciamento de Mozarildo Cavalcanti em 13/12/2001
Discurso durante a 174ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Considerações sobre a responsabilidade da União na redução das desigualdades regionais e dos índices de pobreza.
- Autor
- Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
- Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
- Considerações sobre a responsabilidade da União na redução das desigualdades regionais e dos índices de pobreza.
- Aparteantes
- Antonio Carlos Valadares.
- Publicação
- Publicação no DSF de 14/12/2001 - Página 31164
- Assunto
- Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
- Indexação
-
- JUSTIFICAÇÃO, AUSENCIA, ORADOR, VOTAÇÃO, MATERIA, DISPENSA, INTERSTICIO.
- COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, AUMENTO, DESIGUALDADE SOCIAL, EFEITO, POBREZA, AMERICA LATINA.
- CRITICA, BRASIL, GRAVIDADE, DESIGUALDADE SOCIAL, POBREZA, INCOERENCIA, POSIÇÃO, PRODUTIVIDADE, ECONOMIA, MUNDO.
- ANALISE, DESIGUALDADE REGIONAL, REGIÃO NORDESTE, REGIÃO AMAZONICA, PROTESTO, AUSENCIA, REPRESENTANTE, REGIÃO NORTE, COMPOSIÇÃO, MINISTERIOS, TRIBUNAIS.
- COMENTARIO, EXTINÇÃO, SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DA AMAZONIA (SUDAM), SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE), CRIAÇÃO, AGENCIA, AUSENCIA, IMPLEMENTAÇÃO, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, REGIÃO, POBREZA.
- COMENTARIO, TRAMITAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ANTONIO CARLOS VALADARES, ADEMIR ANDRADE, SENADOR, CRIAÇÃO, FUNDO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL, AMPLIAÇÃO, PERCENTAGEM, PARCELA, PRODUTO, ARRECADAÇÃO, IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (IPI), IMPOSTO DE RENDA, DESTINAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, REGIÃO NORDESTE, REGIÃO CENTRO OESTE.
- DEFESA, ACORDO, ESTADOS, GOVERNO FEDERAL, VIABILIDADE, EFICACIA, POLITICA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, UNIFORMIZAÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, PAIS.
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de começar meu pronunciamento de hoje, gostaria de justificar a minha ausência ontem, durante a votação daquele acordo interpartidário para a votação de matérias com dispensa de interstício. Justifico-a dizendo que não me convenci da legitimidade disso, tendo em vista o art. 412, III, do Regimento Interno do Senado Federal.
O tema que recorrentemente me traz a esta tribuna é o das desigualdades. O aumento da desigualdade dobrou os índices de pobreza desde os anos 60 na América Latina, fazendo com que haja atualmente 200 milhões de pobres na região. A informação é do economista e sociólogo Bernardo Kliksberg, coordenador do Instituto para o Desenvolvimento Social do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), segundo o jornal O Globo do último dia 22 de outubro.
Quarenta e quatro por cento da população da região não têm condição de suprir suas necessidades básicas. Entre as crianças, parcela da sociedade mais atingida pela pobreza, esse número cresce para obscenos 60%. Vinte milhões de menores de 14 anos trabalham; 100 milhões de pessoas não têm seguro médico e um quinto dos jovens está sem emprego. Para o economista, indicadores como esses fazem da América Latina uma região sob risco permanente.
Essas desigualdades se reproduzem mais acentuadamente no Brasil, o segundo país mais rico da região. Dados do Relatório do Desenvolvimento Mundial 2000/2001, do Banco Mundial, demonstram que, apesar de ser aí referida como a oitava economia do mundo, o Brasil tem apenas a septuagésima renda per capita e a segunda pior distribuição de renda do mundo, perdendo apenas para Serra Leoa. O trabalho infantil, na faixa de 10 a 14 anos, ainda atingia 15% em 1999, e a mortalidade infantil entre os menores de cinco anos ainda era de 40 por mil em 1998, número abaixo da média mundial de 75 por mil, mas ainda insatisfatório diante dos índices dos países desenvolvidos.
Esses números revelam disparidades que ainda mantêm nosso País no atraso, conquanto estejamos entre as dez nações mais produtivas do mundo. Eles têm também outras facetas que mostram o forte caráter regional dessas desigualdades. Quaisquer indicadores econômicos e sociais escolhidos nos mostrarão que os piores números virão, em geral, das Regiões Nordeste e Norte do Brasil.
Embora nossas estatísticas não sejam as melhores, vale citar alguns números disponíveis, a título de ilustração. Dados do IBGE revelam a participação das regiões brasileiras na formação do PIB nacional no período de 1985 a 1997. A Região Sudeste teve sua participação no PIB nacional reduzida de 60,15% para 58,57%. A do Sul diminuiu de 17,36% para 17,1%. O Centro-Oeste teve o crescimento mais expressivo: passou de 4,8% para 6,24%. A Região Nordeste teve uma queda de 14,1% para 13,08%, e a Região Norte, surpreendentemente, cresceu de 3,38% para 4,42%.
Sr. Presidente, ao citar as Regiões Norte e Nordeste, quero fazer um registro daquilo que considero um preconceito contra a Região Norte especialmente. Basta observarmos a composição dos Ministérios do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Pela primeira vez assume um posto de Ministro um Parlamentar da Região Norte, o Deputado Arthur Virgílio. Observando-se a composição dos Tribunais e até mesmo a do segundo escalão, vemos a ausência de representantes da Região Norte, não por falta de pessoas qualificadas, mas apenas por essa visão desigual, preconceituosa, em relação à Região Norte.
O que até hoje se tentou para reduzir as desigualdades regionais em nosso País deu ainda muito poucos resultados, e os mecanismos em vigor muitas vezes não distribuem, ao contrário, concentram a renda. Exemplo claro disso está na matéria publicada pelo Correio Braziliense de 8 de julho passado. Segundo dados da Receita Federal, publicados por aquele jornal, dos R$23,6 bilhões que o Governo vai deixar de arrecadar no ano que vem, 49,52% vão ficar no Sudeste, a Região mais rica do País; 12,76% vão para a Região Sul. O mesmo se dará com as contribuições sociais: 49% dos R$9,2 bilhões que não serão arrecadados vão para o Sudeste e 17,97% para o Sul.
Há, no cenário à vista, muitas preocupações e iniciativas sobre o assunto. O Governo Federal extinguiu recentemente a Sudene e a Sudam em razão das denúncias de corrupção que assolaram os dois órgãos, criando agências de desenvolvimento em lugar desses antigos instrumentos de fomento.
Sr. Presidente, faço um outro comentário, como homem da Amazônia. Parece-me que o que o Governo fez na questão da Sudam e da Sudene, ao constatar realmente o crime, vamos dizer assim, foi tirar o sofá e, no seu lugar, colocar essas agências, que até agora não foram implementadas. Enquanto isso, as regiões mais pobres, de novo o Norte e o Nordeste, estão pagando um alto preço por fraudes e corrupções que, diga-se de passagem, beneficiaram enormemente empresários do Sul e do Sudeste.
Em relação a essa matéria, estão em tramitação, aqui, no Senado, duas emendas constitucionais, de autoria dos eminentes Senadores Antonio Carlos Valadares e Ademir Andrade. A primeira insere os Fundos de Desenvolvimento da Amazônia e do Nordeste, criados este ano, por meio de medida provisória, no texto da Constituição Federal; e a segunda aumenta de 3% para 4% as parcelas do produto de arrecadação do IPI e do Imposto de Renda destinadas ao financiamento do setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Em que pese o mérito dessas medidas, são elas, ainda, providências corajosas, porém, isoladas, que precisam ser articuladas numa política global para a redução das desigualdades que impedem um progresso mais homogêneo da sociedade brasileira. E não há dúvida de que isso precisa ser feito para que o Brasil possa prosperar e tirar uma grande parcela da população do quadro de miséria e abandono em que se encontra.
Um exemplo da importância dessas políticas nos vem da União Européia, onde seis fundos diferentes concedem apoio financeiro, com direcionamento regional, dentro da política estrutural voltada para o seu desenvolvimento. Os recursos destinados a essa finalidade representam, em média, um terço do orçamento comunitário Entre 1994 e 1999, as verbas desses fundos somaram cerca de US$ 170 bilhões.
O que desejam os europeus com essa política? Eles sabem que a União Européia somente será competitiva no cenário internacional se os seus países-membros tiverem um nível de desenvolvimento mínimo e igualitário. Por outro lado, desigualdades agudas podem levar a movimentos de tendência separatista, a exemplo do que ocorreu na Itália, na Suíça e na Holanda durante a recessão ocorrida entre 1990 e 1993.
Essas idéias podem bem nos servir de inspiração, bem como a maneira pela qual os europeus garantem o sucesso de sua aplicação. De qualquer modo, é certo que é imperativo discutir um novo pacto federativo, fundado numa melhor distribuição de renda e da capacidade produtiva nacional, ambas imprescindíveis ao progresso do nosso País.
Nessa matéria, avultam as responsabilidades do Governo Federal e do Congresso Nacional, mercê da possibilidade que têm de mediação dos interesses das Unidades da Federação e das obrigações a que estão sujeitos pela nossa Constituição Federal.
Com efeito, a Carta Magna estabelece o princípio de que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e Distrito Federal. Mais adiante, no art. 3º, determina como um princípios fundametais do nosso País “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.
O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Concedo o aparte ao nobre Senador Antonio Carlos Valadares.
O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) - Senador Mozarildo Cavalcanti, V. Exª está discorrendo com muito brilho e propriedade sobre um assunto que tem sido muito debatido nesta Casa: o problema das desigualdades, seja entre regiões, seja entre pessoas. Notadamente as Regiões Norte e Nordeste, as mais pobres, precisam de uma ação efetiva integrada do Governo no sentido de colocá-las em pé de igualdade com as demais Regiões. Se quisermos um Brasil unido, igual, temos que colocar todas as regiões numa mesma situação econômica e social. Com respeito aos Fundos que foram criados por medida provisória, tivemos a oportunidade de apresentar, como V. Exª se referiu, uma emenda constitucional, que recebeu o apoio de V. Exª e de tantos Colegas - foi aprovada aqui em segundo turno e seguiu para a Câmara dos Deputados -, instituindo na Constituição o Fundo de Desenvolvimento da Amazônia e o Fundo de Desenvolvimento do Nordeste. Como disse V. Exª, trata-se de uma proposta isolada que poderia integrar um projeto mais abrangente, um projeto de desenvolvimento. Mas, na realidade, em nosso País, o planejamento passou a ser algo de segundo plano, haja vista que, com a criação da Sudene em nossa Região, o que se pretendia era desenvolver o Nordeste e acabar com os índices de pobreza, de miséria que atormentam ainda o nosso povo. Quando se esperava que o Governo desse continuidade a esse trabalho, iniciado na época de Juscelino Kubitschek, com Celso Furtado na Sudene, eis que aconteceram atos de corrupção tanto na Sudene quanto na Sudam, razão por que o Governo resolveu extinguir as duas agências de desenvolvimento. No lugar delas, colocou simples agências, que até agora não mostraram a sua cara. Não sabemos a que realmente vieram. Os Governadores estão atônitos, sem saber a quem procurar, porque, na época da Sudene e da Sudam, eles se reuniam no Conselho Deliberativo e ali tomavam decisões importantes, em termos de indústria, de comércio, de agricultura. Hoje, os Governadores, que são os executivos das nossas regiões, não sabem a quem procurar. Por isso, dou toda razão a V. Exª. Falta ao Brasil um projeto de desenvolvimento integrado, porque o planejamento deixou de existir em nosso País, infelizmente.
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Senador Antonio Carlos Valadares, agradeço o aparte de V. Exª, que vem abrilhantar o meu pronunciamento. V. Exª, como já me referi, foi o autor da proposta de emenda, já aprovada no Senado, que cria os Fundos de Desenvolvimento da Amazônia e do Nordeste. Realmente, Senador Antonio Carlos Valadares, a atitude de V. Exª tem todos os méritos e merece todos os elogios. Mas, se não for efetivamente assimilada, se nós, do Norte e Nordeste, que somos maioria nesta Casa e maioria na Câmara dos Deputados, não nos impusermos, não mudarmos essa postura de colonizados politicamente e ficarmos com receio de cobrar energicamente do Governo Federal, temendo não sermos tratados como aliados e não recebermos eventualmente, como se fosse uma concessão, recursos para os nossos Municípios, para os nossos Estados, não veremos esse quadro mudar. Apesar da possível boa vontade que possa ter o Presidente da República, a tecnoburocracia que comanda os Ministérios não tem sido capaz, ao longo do tempo, de mudar essa realidade perversa em relação, principalmente, às Regiões Norte e Nordeste, e também à Região Centro-Oeste, que, eu diria, estão apresentando esses índices mencionados mais por mérito da própria população, de seus governantes, do que do Governo Federal.
Além disso, o art. 43 da Constituição atribui à União poderes para “articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais”. Esse artigo também fixa diretrizes para ação nesse mister e as modalidades de incentivos regionais. Em palavras mais simples, a redução das desigualdades regionais e o desenvolvimento regional são responsabilidades da União.
Sr. Presidente, sempre que se lê nos jornais sobre gastos da União, parece tratar-se de uma entidade sacrossanta, intocável, e não se diz claramente que a União nada mais é do que o resultado da arrecadação dos recursos de todos nós, do mais humilde munícipe do interior até o mais rico empresário de São Paulo. É justamente essa União, o Governo Federal, que é responsável, sim, diretamente, pela eliminação das desigualdades regionais. Nós, Parlamentares, ficamos roucos de tanto gritar contra essas desigualdades e não vemos, na prática, nada ser mudado.
Em contrapartida, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cabe aos Estados realizarem investimentos em infra-estrutura, criando condições duradouras de atração de capital. Nesse campo, contam indicadores de potencial de mercado e de facilidades operacionais. Conta, portanto, a qualidade das estatísticas em áreas tão diversas, como educação, consumo, transportes, saúde e telecomunicações, para cuja melhoria a atuação dos Estados é decisiva.
Assim, um novo pacto federativo, com a participação dos Estados e do Governo Federal, com papéis previamente acordados e claramente definidos para todos, seria o caminho para uma política de desenvolvimento regional consistente, que ajudasse a uniformizar o desenvolvimento econômico e social do País, criando, portanto, as condições para o seu progresso no concerto das nações.
As eleições do ano que vem talvez tragam as condições políticas para que possamos avançar nesse tema tão importante. As urnas poderão sacramentar programas de governo que tenham a clarividência de incluir o desenvolvimento regional como prioridade. E, queira Deus, possamos, assim, dar passos decisivos nessa direção, que irá, sem dúvida, nos conduzir a dias melhores para toda a população brasileira.
Sr. Presidente, era o que tinha a dizer, como representante do menor Estado da Federação, talvez o mais pobre financeiramente, mas, com certeza, o que tem um destino geopolítico muito promissor dentro em breve.