Discurso durante a 174ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a cobrança antecipada do ICMS que asfixia as pequenas e médias empresas.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRIBUTOS. REFORMA TRIBUTARIA.:
  • Comentários sobre a cobrança antecipada do ICMS que asfixia as pequenas e médias empresas.
Aparteantes
Lindberg Cury.
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/2001 - Página 31168
Assunto
Outros > TRIBUTOS. REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • CRITICA, EXCESSO, TRIBUTAÇÃO, ARRECADAÇÃO, PREJUIZO, CONTRIBUINTE, PROVOCAÇÃO, SONEGAÇÃO FISCAL.
  • ANALISE, NECESSIDADE, URGENCIA, REFORMA TRIBUTARIA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, EXCESSO, TRIBUTAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, ANTECIPAÇÃO, COBRANÇA, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), REDUÇÃO, ATIVIDADE COMERCIAL, ATIVIDADE INDUSTRIAL, PREJUIZO, PEQUENA EMPRESA, MEDIA EMPRESA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, DISPOSITIVOS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, OBJETIVO, FACILITAÇÃO, SIMPLIFICAÇÃO, ARRECADAÇÃO, TRIBUTOS, RESPEITO, DIREITOS, CONTRIBUINTE, IMPEDIMENTO, INJUSTIÇA, AUMENTO, ONUS, SOCIEDADE, ABUSO, CAPACIDADE TRIBUTARIA, ESTADOS.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, uma das obrigações mais elementares do Estado para com a sociedade é a de tributar com justiça e eqüidade, na exata medida da capacidade de cada um de contribuir para o bem comum. Esta é uma das funções que realmente contam na existência do Estado: arrecadar fundos da sociedade, para lhe dar, em retorno, mediante bens e, sobretudo, serviços, um mínimo de justiça distributiva e dignidade de vida a todos os cidadãos.

Todavia, Sr. Presidente, o Estado, em todos os seus níveis, do federal ao municipal, passando pelo estadual, vê-se freqüentemente atraído pela facilidade que encontra em arrecadar mais e sempre mais, sem se preocupar com os sacrifícios que impõe, direta ou indiretamente, aos seus contribuintes. Ora, essa fúria arrecadatória é, talvez, a principal fonte inspiradora da sonegação fiscal, que muitos indivíduos ou empresas praticam, para poder escapar da insolvência diante de uma tributação que lhes inviabiliza a existência.

Colocadas essas premissas, vemos por que é tão importante uma reforma tributária no Brasil e, ao mesmo tempo, tão difícil realizá-la. As forças em choque são grandes, e os interesses, conflitantes, o que faz com que seja deveras complicado conciliá-los na ótica do bem comum. Esse bem é visto de modo muito distinto, quer se esteja no lado da máquina estatal, quer se esteja no lado do cidadão-contribuinte, pessoa física ou jurídica.

Na medida em que não se forma um consenso sobre o que é justo como contribuição para a viabilização da ação do Estado, fica muito difícil encontrar o ponto de equilíbrio sobre a forma, a abrangência e o valor dos tributos a serem cobrados à sociedade.

Uma dessas complexas questões é a arrecadação do ICMS pelos Estados da Federação.

A Emenda Constitucional nº 3, de 1993, incluiu no art. 150 o § 7º, que permite a antecipação da arrecadação em relação ao fato gerador do tributo a recolher. Esse dispositivo visa simplificar, em todo o território nacional - pelo menos, foi esta a intenção quando da elaboração da emenda -, a sistemática de arrecadação, sobretudo no caso de mercadorias e serviços cuja rede final de venda seja espalhada em grandes áreas e conte com elevado número de pontos de comercialização. Assim, o Estado, atribuindo ao distribuidor ou até mesmo ao fabricante do produto a tarefa de recolher o tributo, por si e pelos demais elos da cadeia que o sucedem, agiliza e simplifica sua arrecadação, ao mesmo tempo em que potencialmente reduz a possibilidade de sonegação fiscal.

Tudo isso, Srªs e Srs. Senadores, estaria muito bom e bem-feito se a realidade estivesse adaptada às idéias que orientaram os estabelecimento dessas regras. A verdade, contudo, não é bem assim, a começar pelo fato de que é muito tentador ao Poder Público buscar antecipar receitas sem atenção real para a capacidade contributiva dos cidadãos ou dos empresários. E isso é tanto mais grave quando ocorre com os pequenos comerciantes ou com os cidadãos que vivem de pequenos negócios, pessoais ou familiares.

Essa realidade, que é freqüente, sobretudo, nas regiões mais pobres dos Estados menos ricos da Federação, provoca, muitas vezes, situações de estrangulamento da atividade comercial ou industrial dessas regiões. Assim, muitas vezes, a antecipação do ICMS, prática usual em todo o País, pode representar uma carga insuportável para determinados grupos. Pagar o imposto que é devido pelos seus clientes compradores, antecipando o ato de venda, pode significar um ônus incompatível com a capacidade financeira do pequeno e médio comerciante, cuja atividade se vê, assim, inviabilizada. Ao comprar a mercadoria que irá vender mais tarde, tendo que desembolsar o ICMS sobre uma transação que ainda não realizou e cujo pagador deveria ser o seu cliente, ainda não existente, o empresário de pequeno ou de médio porte pode não conseguir sustentar-se até que a venda do que comprou se concretize.

Ora, Srªs e Srs. Senadores, a arrecadação do tributo é para viabilizar o funcionamento do Estado, objetivo só alcançável se houver quem possa pagar essa contribuição. Se o Estado sufoca seus contribuintes, perde arrecadação, quando não perde literalmente o contribuinte, que fecha seu negócio ou evade-se para outra região onde o sistema de coleta de impostos lhe seja menos oneroso, quando isso afeta diversas comunidades de Estados pequenos, o baque na economia das pessoas e da própria unidade da Federação pode ser pesado.

Não creio que seja legítimo, Sr. Presidente, ao Poder Público decidir pela antecipação de arrecadação, sem levar em conta os efeitos sobre o desempenho dos negócios que serão afetados. Em pequenas localidades do interior, o comerciante compra, a duras penas, a mercadoria que revenderá e que, por vezes, após longos meses, permanece nas prateleiras de seu estabelecimento. Se ele é obrigado a pagar o ICMS sobre a venda que se realizará apenas muitos meses depois, poderá ver-se obrigado a reduzir o seu comércio por incapacidade de investir com tal prazo de recuperação. Não é justo, sobretudo nesses casos, que o Estado queira alimentar-se do sangue de seus contribuintes. É muito mais ético e justo que lhes dê a oportunidade de prosperar e de se tornarem contribuintes regulares e bem-sucedidos do que lhes arrecadar a pele e fazer com que percam tudo.

Em condições regulares de arrecadação, o empreendedor tem até 15 dias, em média, para recolher o ICMS, após a apuração mensal de seu movimento de mercadorias e serviços. Sendo assim, o negociante poderá ficar com o resultado de suas vendas até 45 dias antes de ter que recolher o imposto. Se o Estado o obriga a pagar o ICMS na fonte, ou seja, ao adquirir a mercadoria ou o serviço que ainda revenderá, a situação inverte-se, e é o negociante que paga, por vezes, com meses de antecipação, um imposto de que não é devedor, mas meramente repassador. Convenhamos que tal situação poderá ser altamente injusta, se o Estado não for criterioso na aplicação do dispositivo do art. 150 da Constituição Federal. O Estado passa de garantidor dos direitos da sociedade a inibidor e mesmo frustrador das iniciativas de seus membros.

O Sr. Lindberg Cury (PFL - DF) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Ouço, com prazer, o digno representante do Distrito Federal, Senador Lindberg Cury.

            O Sr. Lindberg Cury (PFL - DF) - Senador Antonio Carlos Valadares, V. Exª traz ao Plenário do Senado, pela primeira vez, acredito, um tema que corre por todos os Estados. Tenho sido abordado por diversos empresários, principalmente da área da construção, sobre esse complexo sistema que o Brasil adota. Tempos atrás, havia o prazo de 60 dias para pagamento do ICMS, o qual foi reduzido para 30 dias e hoje está em torno de 15 dias. Lamentavelmente, numa época de extrema dificuldade, o comerciante tem que antecipar o imposto, usando, muitas vezes, seu capital de giro, o que causa um trauma muito grande a qualquer empresa. V. Exª traz aqui, com muita propriedade, o assunto, que merece uma reflexão de todos nós. O problema ocorre em todo o País. Pela minha vivência como ex-Presidente da Associação Comercial do Distrito Federal, que representa o segmento, posso reafirmar que precisamos trazer uma solução para o caso. O Governo assume compromissos. A Receita local procura, por meio da Secretaria de Fazenda, arrecadar o máximo possível dentro do menor prazo. Isso provoca o estrangulamento das forças produtivas do nosso País. Senador Antonio Carlos Valadares, associo-me a V. Exª no pronunciamento que faz, trazendo o anseio de uma categoria profissional. Parabéns pelo seu posicionamento. Vamos levar o tema à frente e, quem sabe, achar uma solução para esse segmento produtivo já bastante sacrificado.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Senador Lindberg Cury, incorporo suas palavras ao meu discurso pela oportunidade e, acima de tudo, pela sua experiência à frente da Associação Comercial do Distrito Federal, em que recebeu reclamações e pôde acompanhar de perto o sofrimento e as agruras do comércio local.

Com efeito, já governei o Estado de Sergipe por quatro anos, daí porque falo de fronte erguida. Na época do meu governo, concedíamos, pelo menos, 30 dias de prazo para o pagamento do ICMS aos empreendedores do Estado. Mas, de lá para cá, infelizmente, a legislação foi mudada, assim como a Constituição Federal, que abriga essa impropriedade terrível que vem quebrando muitos empresários pelo Brasil afora, numa época de crise, de desemprego e de queda de arrecadação nos Estados.

Antes dessa mudança na Constituição, ocorrida em 1993, os empresários estavam ingressando com ações de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. Eles estavam ganhando sucessivamente essas ações. Ou seja, os Estados estavam cobrando indevidamente o ICMS antecipado, contra a Constituição, e convenceram, na época, o Congresso Nacional que o melhor remédio seria, então, colocar no âmbito da Carta Magna esta alternativa de os Estados poderem cobrar, antecipadamente, os seus impostos. Foi o que ocorreu em 1999. Há juristas que demonstram, em artigos que foram publicados na imprensa nacional, não só a inviabilidade econômica e social desta emenda como também da inconstitucionalidade, porque atinge o direito do cidadão, do contribuinte de pagar imposto antes de o fato gerador acontecer.

De sorte, Senador Lindberg Cury, que lhe agradeço pelo aparte, V. Exª que é uma pessoa ligada ao setor. Lá, no nosso Estado de Sergipe, está ocorrendo isto atualmente. Empresários que deixam de se instalar no Estado e se instalam no Estado da Bahia, porque descobriram que em Sergipe existe o tal ICMS antecipado.

Agora, a Constituição não obriga os Governadores a fazerem essa cobrança. A palavra que está na Constituição é “poderá”, "o Estado poderá". Então, se o Estado quiser não cobra antecipadamente. A Constituição apresentou uma alternativa aos Estados que quiserem cobrar ou não. Só que diversos Estados, Senador Lindberg Cury, ao invés de interpretarem como um dispositivo não impositivo, não obrigatório, estão interpretando para os contribuintes como se a Constituição obrigasse os Governos a cobrarem o ICMS, quando isso não é verdade, uma vez que a nossa Carta é bem clara nesse aspecto. Apresenta uma alternativa de que o Governo, querendo, poderá cobrar o ICMS antecipado. E muitos já vinham fazendo, como já me referi, de forma equivocada, inconstitucional, anteriormente ao ano de 1993, quando foi apresentada uma emenda colocando o §7º ao art. 150 da Constituição Federal.

Sr. Presidente, mesmo não entrando na discussão sobre a inconstitucionalidade do disposto no §7º do art. 150 da Constituição Federal, conforme estabelecido pela Emenda nº 3, de1993, como diversos jurisconsultos chegam a argüir, é cristalino que compete ao Estado a responsabilidade de regular suas decisões sobre modos de arrecadação e alíquotas de imposição segundo os critérios de justiça, eqüidade, progressividade e compatibilidade com o poder contributivo de cada um dos que serão afetados pela tributação.

Infelizmente, nem sempre isso vem ocorrendo e tenho recebido reclamações ingentes sobre os prejuízos que têm sido causados aos pequenos comerciantes e médios empreendedores, sobretudo do meu Estado, Sergipe. Somos um pequeno grão de areia, se comparado com a extensão territorial e a população de outros Estados da Federação, no Nordeste ou fora dele. Se, ainda por cima, a forma de arrecadação do ICMS em meu Estado afugenta aqueles que tentam trabalhar, seja para outras Unidades ou, até mesmo, para o encerramento de suas atividades, não posso deixar de protestar veementemente contra esse sufocamento de nossos empreendedores. É matar a galinha dos ovos de ouro, como diz o adágio popular, já que o ICMS é o imposto estadual por excelência. Sem ele nossos Estados se inviabilizam. Mas agindo com a mão pesada, eles também se inviabilizam, por excesso de avidez na arrecadação.

No caso grave de algum contribuinte ter recolhido antecipadamente a maior o ICMS sobre suas transações, o poder público tem legislado de modo a criar óbices à restituição imediata, ditada pelo já mencionado §7º do artigo 150 da Constituição Federal. Ora, não há o que estabelecer neste campo. A nossa Carta Magana é clara: pague-se imediata e preferencialmente o contribuinte credor. Não cabe a ele reclamo, mas sim ao Estado o dever da restituição. E tal não tem sido a prática, na esteira do apetite incontrolável de nossa máquina estatal para extrair dinheiro de todos os modos de nossos cidadãos, sobretudo os mais humildes.

Para concluir, Sr. Presidente, como os Estados estão abusando de sua capacidade tributária, impondo injustiça e perseguição aos contribuintes, só há um remédio, Senador Lindberg, seria a revogação do § 7º do art. 150. Uma emenda constitucional para a qual nós dois podemos iniciar esse movimento dentro do Senado, no sentido de voltar à situação anterior a 1993, onde não era permitido esse tipo de saída dos governos estaduais para prejudicarem os comerciantes e demais empresários.

Fico com uma certeza e uma dúvida: a certeza de que ao Estado não pode ser dado poder de arrecadar sem levar em conta a real capacidade de seus contribuintes e sem haver controle social sobre as normas que fixa; a dúvida, se a emenda nº 3, de 1993, produz ou poderá produzir os objetivos de simplificar e desonerar os custos de arrecadação, sem que haja abuso dos governantes em sua aplicação. Não posso, por conseguinte, deixar de sublinhar que todos os dispositivos que visem facilitar e simplificar a arrecadação de tributos pelo Estado esbarram num impedimento ético, que é o de não violentar os direitos dos cidadãos de empreenderem sem serem coagidos pelo abuso do poder público e de serem taxados na justa medida de sua capacidade contributiva.

Era só o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/2001 - Página 31168