Discurso durante a 174ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Importância para o setor habitacional da iniciativa da Governadora do Maranhão, Roseana Sarney, de liquidação antecipada de todos os contratos habitacionais da antiga Cohab, assinados até 1987.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • Importância para o setor habitacional da iniciativa da Governadora do Maranhão, Roseana Sarney, de liquidação antecipada de todos os contratos habitacionais da antiga Cohab, assinados até 1987.
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/2001 - Página 31232
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, APRESENTAÇÃO, DADOS, FALTA, INVESTIMENTO, GOVERNO FEDERAL, POLITICA HABITACIONAL.
  • CRITICA, EXCESSO, LUCRO, BANCOS, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS), FINANCIAMENTO, CASA PROPRIA, INCAPACIDADE, TRABALHADOR, PAGAMENTO, JUROS, SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH).
  • CRITICA, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), FALTA, CONCESSÃO, FINANCIAMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, NECESSIDADE, REDUÇÃO, JUROS, ATENDIMENTO, TOTAL, POPULAÇÃO, BENEFICIO, POLITICA SOCIAL, POLITICA HABITACIONAL.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, ROSEANA SARNEY, GOVERNADOR, ESTADO DO MARANHÃO (MA), ANTECIPAÇÃO, LIQUIDAÇÃO, CONTRATO, HABITAÇÃO, Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), BENEFICIO, MUTUARIO.
  • CRITICA, FUNDO DE COMPENSAÇÃO DE VARIAÇÕES SALARIAIS (FCVS), PREJUIZO, MUTUARIO, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH), REDUÇÃO, DEFICIT, HABITAÇÃO, CUMPRIMENTO, PRINCIPIO CONSTITUCIONAL.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a questão habitacional está novamente em debate nesta Casa. Representantes da Caixa Econômica Federal, do Ministério Público Federal, do Procon, da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação e de sindicatos e associações ligadas ao setor habitacional apresentaram projeto de lei de iniciativa popular que propõe a reformulação do sistema de financiamento habitacional. Igualmente reivindicam uma ampliação dos recursos orçamentários para o setor, o que merece todo nosso apoio.

Não bastasse a falta de uma política habitacional direcionada à construção de casas populares - como os mutirões -, também a classe média encontra-se em situação de quase abandono. Dezenas de milhares de famílias brasileiras vêm há anos sofrendo a grande desilusão de ter seus lares confiscados pelos bancos, por não conseguirem pagar as prestações de suas casas próprias.

O déficit habitacional atual é de 3,3 milhões de casas, somente para a população de renda até três salários mínimos, mais de 6 milhões de habitantes. O déficit habitacional geral situa-se em torno de 5,2 milhões de residências, segundo divulgação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Caso persista a falta de investimentos no setor, esse número poderá crescer para algo em torno de 6% a cada ano.

Entretanto, o equacionamento do problema habitacional, principalmente para as camadas mais necessitadas da população, não vem - temos de admitir -, recebendo a devida atenção por parte do Governo Federal. Isso fica patente no momento em que a União, na proposta orçamentária para 2002, destina apenas R$57 milhões à habitação. Esse valor não seria suficiente nem mesmo para atender os Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Se considerarmos que no País existem mais de 5 mil municípios, o valor proposto seria suficiente apenas para construir duas casas por cidade. Para enfrentar o problema seriamente, seria necessário um investimento em torno de R$2 bilhões que poderiam ser oriundos dos governos federal e estadual e municipal, em uma proporção de 70 % e 30 %, por exemplo. Essa seria uma proposta viável que solucionaria o problema em um período de 20 anos.

Na verdade, os investimentos em habitação fixados no Orçamento têm diminuído substancialmente. Em 1998, foram autorizados R$487 milhões, dos quais foram aplicados efetivamente, R$218 milhões; já em 1999, o valor autorizado caiu para 183 milhões e o liquidado para R$117 milhões; em 2000, o autorizado foi de R$383 milhões e o liquidado R$236 milhões; em 2001, o autorizado foi de R$293 milhões e nada, absolutamente nada foi aplicado até o dia 16 de novembro deste ano! Essa tendência, é importante que se diga, vem provocando não apenas um aumento do déficit habitacional, mas também mostra que o Governo Federal, agindo assim, está abrindo mão de um dos mais importantes instrumentos de geração de empregos: o setor da construção civil. 

Por outro lado, o investimento em habitação com recursos do FGTS não tem ajudado a resolver o problema, uma vez que a Caixa Econômica Federal (CEF), em função da lógica que preside o sistema financeiro, dificulta a obtenção do crédito pelos segmentos de renda mais baixa, tendo em vista o maior risco de inadimplência desses contratos. Em outras palavras, a política habitacional é refém do sistema financeiro, o que vem apenas beneficiando os bancos em detrimento dos mutuários.

O objetivo primordial do Sistema Financeiro de Habitação, quando foi criado pelo Governo Federal, por meio da Lei 4.380/64, era possibilitar a aquisição da casa própria, sobretudo pela população de baixa renda, tendo em vista os "fins sociais" e as "exigências do bem comum". Entretanto, o Sistema Financeiro de Habitação foi ineficiente no atendimento da população de baixa renda, a quem tinha a obrigação de proteger.

No que se refere aos valores das prestações e ao saldo devedor, sua atualização não deveria, pelo princípio da equivalência salarial, superar o índice do reajuste salarial da categoria profissional do mutuário, ou, na falta deste, a variação acumulada do índice oficial de correção monetária. No entanto, apesar dos esforços de vários governos federais e da boa intenção dos políticos e técnicos norteadores da política econômica, os mutuários estão pagando prestações mensais altíssimas, compostas, na sua maioria, de 80% de juros, 10% de seguro e apenas 10% de amortização.

A conseqüência é óbvia: o saldo devedor nunca diminui; pior, para desespero dos mutuários, cresce assustadoramente, de tal forma que se torna literalmente impagável. Esse descompasso transformou-se, ao longo dos anos, em uma das questões sociais mais importantes deste País.

Srªs. e Srs. Senadores, sabe-se que as instituições financeiras que integram o Sistema Financeiro da Habitação recebem uma concessão do Governo Federal para utilizar os recursos provenientes dos depósitos da população na caderneta de poupança e nas contas do FGTS no financiamento de moradias. Entretanto, utilizam dos recursos da população para obterem lucros exorbitantes com a construção civil. Senão, vejamos. As instituições bancárias recebem juros de 12% ao ano, calculados sobre o valor dos financiamentos concedidos aos mutuários, porém repassam às contas da caderneta de poupança e FGTS apenas 6% e 3%, respectivamente. Esse diferencial de juros proporciona àquelas instituições um lucro excepcional de até 9% sobre o montante emprestado!

Portanto, resta evidente que a taxa nominal de juros para o SFH deveria ser reduzida de forma a cobrir apenas as despesas bancárias no trato com o dinheiro público. O Sistema não foi criado para gerar lucros para o sistema financeiro, mas, sim, para financiar os cidadãos-mutuários, principalmente os de baixa renda. É fundamental que haja um controle externo das planilhas de custos dos bancos integrantes do Sistema, de modo a determinar a taxa mínima de juros suficiente para mantê-lo, sem proporcionar lucros abusivos aos bancos.

É necessário também que o Governo Federal tenha consciência de que o problema habitacional não vai se resolver apenas com recursos do FGTS. Esses são recursos administrados por uma instituição bancária, a Caixa Econômica Federal, seletiva na concessão dos financiamentos, e que não atende adequadamente à população de baixa renda, pelos motivos a que já nos referimos. A CEF deveria apenas fiscalizar o uso dos recursos e não participar efetivamente da aprovação do crédito, como ocorre hoje. O pagamento das prestações dos contratos habitacionais deveria reverter a um fundo habitacional, de responsabilidade dos Estados e Municípios. Ao Governo Federal deveria caber apenas o papel regulamentador.

Srªs. e Srs. Senadores, com vontade política, soluções simples, criativas e eficientes são possíveis. Nessa área, por exemplo, a governadora Roseana Sarney recentemente tomou uma importante medida que irá possibilitar a liquidação antecipada de todos os contratos habitacionais da antiga Cohab, assinados até 1987. A medida beneficiará cerca de 14 mil mutuários, que ainda teriam mais de 10 anos de prestações para pagar. Os contratos serão liquidados através do Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS).

Mesmo os inadimplentes com a antiga Cohab poderão ser beneficiados, pois, com a medida, pagarão apenas 20% do valor devido em prestações, até o limite de R$600,00. Nesse cálculo não entrará o valor do saldo devedor. Se, por exemplo, o mutuário estiver inadimplente há dois anos, devendo R$4 mil, deveria pagar apenas 20% desse valor, o que daria R$800,00, mas pagará somente R$600,00, por força do limite máximo fixado.

A inteligência da medida está justamente no fato de o saldo devedor não entrar no cálculo do valor a ser pago, pois ao longo dos anos, como já comentamos, muitas vezes ele alcança um valor que chega a ser mais alto que o da própria unidade habitacional. Por isso, o governo do Maranhão optou por liquidá-lo antecipadamente.

Essa providência, corajosa e inteligente, terá um grande alcance social e deveria ser imitada em todo o Brasil. Serão mais de 70 mil pessoas beneficiadas em todo o Estado do Maranhão. Poderiam ser milhões em todo o País.

Mas, infelizmente, nos demais Estados, a situação dos mutuários é cada vez mais desesperadora. Cerca de um milhão de mutuários da Caixa Econômica Federal estão sendo informados por cartas de que suas dívidas mudaram de dono. Agora, todos têm de acertar suas contas com a Empresa Gestora de Ativos (Emgea), criada pelo Governo Federal com o único objetivo de cobrar as dívidas de alto risco, como a dos mutuários inadimplentes.

Ou seja, o Governo Federal, de maneira equivocada, preocupa-se apenas em tomar os imóveis dos mutuários inadimplentes para aliená-los e fazer caixa, como se esta questão fosse apenas técnico-financeira e não uma questão de política pública, social e habitacional.

Tal postura contrasta visivelmente com a posição corajosa e inteligente adotada pelo Governo do Maranhão.

Srªs. e Srs. Senadores, os contratos de financiamento habitacional firmados até 1989 previam um valor de seguro mensal a ser pago por todos os mutuários do Sistema Financeiro da Habitação. Esse valor era recolhido a um Fundo de Compensação das Variações Salariais, de forma a cobrir eventuais saldos devedores residuais ao final do contrato. Esses saldos devedores tiveram origem nas sucessivas reduções dos valores das prestações obtidas pelos mutuários por via judicial, uma vez que, contratualmente, suas prestações teriam como limite, o valor correspondente a um percentual do seu salário. À primeira vista, tal medida beneficiaria o mutuário, pois garantiria a sua capacidade financeira de pagamento das prestações, porém, em contrapartida, gera um desequilíbrio financeiro ao final do contrato. Sabe-se hoje que o FCVS foi um dos fatores que mais contribuíram para a primeira grande quebra do Sistema.

Os estudos atuais de implementação de uma nova forma de FCVS apontam para a necessidade de o atual saldo devedor resultante ser absorvido pelo próprio Sistema Financeiro da Habitação, representado pelos bancos e pelos mutuários. Tal atitude não leva em consideração, no entanto, que o saldo devedor residual tem origem em anos de aplicação de uma política equivocada, cuja responsabilidade é do próprio governo. Ou seja, trata-se de transferir a responsabilidade para o lado mais fraco: os mutuários.

Quanto aos atuais contratos, estamos convictos que devem, no curto prazo, sofrer uma reformulação em sua concepção, principalmente no que diz respeito ao cálculo das prestações. Caso contrário, fatalmente, no médio prazo, o Sistema Financeiro da Habitação irá falir. O aumento progressivo do número de leilões de imóveis por inadimplência promovidos pelos bancos pertencentes ao SFH é um excelente indicador dessa profecia. Tais leilões servem apenas para resolver o problema sob a ótica do sistema financeiro. Não solucionam o problema habitacional, apenas empurram o problema para mais adiante. Urge, portanto, também, um estudo aprofundado e matemático da questão.

Srªs. e Srs. Senadores, o déficit habitacional é um problema que tenho trazido de forma recorrente a esta tribuna. Creio que esse debate não deve ser desprezado, pois a questão habitacional sempre foi considerada um dos mais graves problemas sociais da humanidade.

A maior parte da população mundial vive em condições precárias quanto à habitação, malgrado conste da “Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão” que “Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestiário, habitação...”. Em nosso País, o direito à moradia foi recentemente incluído entre os direitos sociais, por força da Emenda Constitucional nº 26, que alterou a redação do art. 6º da Constituição Federal.

Por tudo isso, não se deve deixar de recordar e proclamar: não pode haver família sem lar, e não pode haver uma grande nação sem famílias. E é em nome exatamente das famílias brasileiras que venho, mais uma vez, agora reanimado e otimista com o exemplo positivo da governadora Roseana, conclamar os nobres colegas para que unamos esforços, determinação e competência no sentido de buscar soluções efetivas para o problema da habitação em nosso País. Como homens públicos conscientes e responsáveis que somos, nos cabe impedir que a família brasileira seja esquecida.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/2001 - Página 31232