Discurso durante a 174ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre a importância da ação internacional do Brasil após o atentado de 11 de setembro nos Estados Unidos da América.

Autor
Pedro Piva (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: Pedro Franco Piva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Reflexões sobre a importância da ação internacional do Brasil após o atentado de 11 de setembro nos Estados Unidos da América.
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/2001 - Página 31239
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, POSTERIORIDADE, ATENTADO, TERRORISMO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), NECESSIDADE, UTILIZAÇÃO, TRATADO INTERAMERICANO DE ASSISTENCIA RECIPROCA (TIAR), SOLIDARIEDADE, BRASIL.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, POLITICA INTERNACIONAL, SOLICITAÇÃO, AMPLIAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, PAIS SUBDESENVOLVIDO, TRATADO, NECESSIDADE, REDUÇÃO, PROTECIONISMO, SUBSIDIOS, PAIS INDUSTRIALIZADO, DEFESA, IGUALDADE, COMERCIO EXTERIOR.

            O SR. PEDRO PIVA (Bloco/PSDB - SP) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, volto a ocupar hoje a tribuna porque julguei do meu dever compartilhar com esta Casa algumas reflexões sobre a importância da ação internacional do Brasil no quadro de incertezas e tensões supervenientes aos atentados terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos da América.

Não preciso recordar fatos por todos nós conhecidos. Não vou discorrer sobre o significado e alcance de tudo quanto tem dominado as atenções no cenário mundial.

Desde o primeiro impacto da crise desencadeada pelos ataques ao World Trade Center, em Nova York, e ao Pentágono, em Washington, o Presidente tem vindo a público para trazer sua palavra refletida e amadurecida ao longo desses quase sete anos em que tem comandado a nação.

Nessas manifestações, ressaltou a mais veemente condenação e repúdio ao terrorismo, que é avesso a tudo quanto faz parte da nossa índole como povo e que é também contrário aos próprios preceitos constitucionais brasileiros. No próprio dia 11 de setembro enviou mensagem ao presidente George W. Bush expressando o apoio e a solidariedade do povo brasileiro ao povo norte-americano e, da mesma forma, salientando a disposição do Brasil de cooperar ativamente com a comunidade internacional na luta contra o terrorismo.

Uma luta que não é contra um povo, uma cultura ou uma religião é uma guerra contra indivíduos e redes que operam transnacionalmente, desrespeitando, da maneira mais brutal e violenta, os valores da paz, da liberdade, da justiça, da tolerância.

Algumas mentes confusas por vezes hesitam em reconhecer o acerto da posição do Governo brasileiro. Essa posição sempre foi clara e inequívoca, sem o menor gesto de complacência com o terrorismo, sem a menor transigência com atos que representam uma agressão à humanidade. Foi clara e inequívoca, sim, no apoio e solidariedade aos Estados Unidos, atacados covardemente Foi clara e inequívoca, sim, na iniciativa que imediatamente tomamos no âmbito regional, ao propor a convocação do órgão de consulta do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR).

Algumas dessas mentes confusas desenvolveram a visão simplista de enxergar naquela iniciativa um ato de submissão a interesses de uma potência hegemônica, ou de entendê-la precipitadamente como um risco de envolvimento militar direto do Brasil.

O Brasil sugeriu que se recorresse ao TIAR porque se tratava do único instrumento multilateral disponível, que não só prevê um mecanismo específico de solidariedade em crises dessa natureza, mas, sobretudo, porque considera um ataque a qualquer nação americana como um ataque dirigido a todo o continente. Mas isso não significa, absolutamente, que estávamos dispostos a prestar apoio militar às operações no Afeganistão. Nem isso foi pedido ou sugerido pelo governo norte-americano, nem sequer representa uma possibilidade automática entre as medias de solidariedade previstas no TIAR. A cada governo americano é preservada a prerrogativa soberana de tomar suas decisões no âmbito do mecanismo de solidariedade continental.

O Chanceler Celso Lafer, atendendo a convocação do Senado Federal, compareceu a este plenário para prestar todos os esclarecimentos sobre a iniciativa do Brasil a respeito do TIAR. E essa iniciativa - faço questão de assinalar aos meus nobres colegas - marcou um importante momento de liderança diplomática do Brasil no âmbito regional. Atraiu respaldo e consenso entre todas as nações do hemisfério e, além disso, foi objeto de reconhecimento da parte do Governo norte-americano.

O Brasil mostrou que não lhe cabia tomar partido nesta crise senão do lado daqueles que foram agredidos; do lado daqueles que perderam tantas vidas inocentes, juntamente com brasileiros e indivíduos de muitas outras nacionalidades. Por isso, os Estados Unidos da América e outros países tomaram a decisão de reagir militarmente contra o terror, conforme o princípio de legítima defesa dos Estados reconhecido pela Carta das Nações Unidas.

O Brasil, sabemos todos, é um país de tradição pacífica e de integral adesão ao primado do direito.

Nunca o Governo cogitou de colaborar com a guerra ao terror com envio de tropas, mesmo porque qualquer passo nesse sentido, nos termos da Constituição, só pode ser dado com a aprovação do Congresso Nacional. O Brasil participa da luta contra o terrorismo com os meios ao seu alcance, e nisso há muito o que fazer, e muito justamente tem sido feito. Falo de medidas de combate à lavagem de dinheiro e controle das diferentes formas de crime financeiro; falo de ações de fiscalização nas fronteiras e nos portos de entrada no país; falo da luta contra o narcotráfico; falo da necessidade de impedir o contrabando de armas; falo de cooperar com as nações amigas através dos serviços de inteligência.

O Governo tem repensado a posição do Brasil no mundo à luz das implicações da crise do terrorismo; e, ao lado dessa reflexão, tem tomado ações práticas na direção de fortalecer nossa presença internacional e de ampliar as oportunidades de cooperação e diálogo com nossos parceiros.

Como será o mundo depois de 11 de setembro? Esta, a indagação básica que devemos colocar a todos.

Uma preocupação imediata tem a ver com a prioridade que os temas de segurança e defesa passaram a ter na agenda internacional. Isso, teoricamente, poderia colocar o risco de marginalizar os países que não sejam militarmente poderosos ou que não tenham uma contribuição de relevo a dar nas operações bélicas na Ásia. Mas isto não é o pior para países como o Brasil; o pior é que a ênfase excessiva que os temas da paz e da guerra voltam a ter no cenário mundial contribua para relegar a uma posição secundária as questões que mais interessam a nosso país. Falo da questão do desenvolvimento, da luta contra a pobreza e as desigualdades, das distorções do comércio internacional, a instabilidade do sistema financeiro, dos desequilíbrios e assimetrias que grassam por todo o planeta; falo, também, da falta de mecanismos mais democráticos nos foros multilaterais, tanto os de natureza política quanto aqueles de natureza econômica.

            Esta é a agenda prioritária do Brasil. Não desprezamos ou ignoramos a agenda do terrorismo. Pelo contrário, temos dado nossa contribuição interessada para que o terrorismo não prolifere no mundo. Temos defendido, também, a necessidade de enfrentarmos as causas mais profundas e imediatas dos conflitos. Temos reclamado passos efetivos em direção à constituição do Estado nacional palestino, mantendo-se o pleno reconhecimento do Estado de Israel e seu direito de viver em paz e dentro de fronteiras seguras.

O Presidente Fernando Henrique dirigiu um alerta importantíssimo a vários líderes mundiais em carta datada de 8 de outubro; mencionou o envio dessa correspondência em discurso que fez no Itamaraty na solenidade comemorativa do Dia do Diplomata, realizada dias depois. A íntegra da carta não foi divulgada pelos critérios protocolares de praxe, mas quero lembrar que um trecho dela ilustrou um programa de televisão do meu partido, o PSDB. Vou repeti-lo:

Esta crise é uma oportunidade de fortalecermos as bases de uma nova ordem mundial, inspirada pela solidariedade entre as nações e por um esforço conjugado para promover o desenvolvimento de todos, países grandes e pequenos, ricos e pobres, e assim minimizar as assimetrias de todo tipo que ainda caracterizam as relações internacionais.

            Esse exercício de diálogo e reflexão proposto pelo Brasil no plano internacional teve continuidade nas semanas subsequentes. O Presidente não apenas fez uma série de pronunciamentos de grande impacto sobre a questão internacional, tanto no Brasil quanto no exterior, como manteve sucessivas reuniões com os mais prestigiosos líderes mundiais. Além do discurso que proferiu no Itamaraty, falou no dia 24 de outubro na abertura de um seminário sobre globalização patrocinado pela Ordem dos Advogados do Brasil, Sua Excelência falou na Conferência sobre Transição e Consolidação Democráticas, realizada em Madri, no dia 26, sob os auspícios da Fundação Gorbatchev; falou no dia 30 na Assembléia Nacional da França, aclamado pelos parlamentares franceses e despertando o mais forte orgulho em toda a população brasileira; falou, também, no dia 10 de novembro no plenário das Nações Unidas, ao abrir o debate da Assembléia Geral.

Todas essas mensagens tiveram a mais ampla repercussão nacional; ressaltaram as preocupações fundamentais do Brasil; mostraram a disposição de o País participar ativamente no complexo jogo das decisões internacionais; sinalizaram o quanto a Nação amadureceu em seu projeto de interação construtiva com o mundo; e, sobretudo, revelaram a capacidade do povo brasileiro de assumir suas responsabilidades neste mundo de tantas surpresas e tantos obstáculos ao nosso esforço de desenvolvimento econômico e social.

O Governo brasileiro insistiu em pontos muito importantes nesses pronunciamentos. Em primeiro lugar, o de que existe um déficit de governança hoje no mundo, um déficit de democracia que impede que as finanças, o comércio, a economia e as decisões políticas mundiais possam atender aos interesses dos países em desenvolvimento. Isso tem a ver com a volatilidade dos fluxos de capital, com os movimentos especulativos, com o absurdo das práticas protecionistas e dos subsídios, com a permanência de clubes ou diretórios reservados às principais potências. Os problemas do mundo de hoje não podem mais ficar restritos a discussões que envolvem um grupo de cinco, sete ou oito países.

Para mudar esse quadro, portanto, o Presidente brasileiro reclamou ações concretas, como a renovação das instituições de Bretton Woods e ampliação dos espaços de deliberação como o Conselho de Segurança da ONU e o G-7 ou G-8; insistiu na necessidade de fortalecermos o G-20, cuja criação representou um avanço na discussão das questões econômicas e financeiras que afligem os países emergentes; repisou a idéia de uma globalização solidária que substitua a globalização assimétrica; chamou a atenção para que não se desperdiçasse a oportunidade histórica do lançamento de uma nova e efetiva rodada de negociações comerciais multilaterais. O temor de que essas negociações mais uma vez fracassassem, como havia acontecido em Seattle, dominou a cena mundial depois de 11 de setembro, e, felizmente, graças ao espírito de convergência que permitiu que mais controvérsias fossem contornadas, os Ministros reunidos em Doha, no Catar, alcançaram um compromisso histórico que abriu uma perspectiva bastante promissora para o processo de liberalização do comércio mundial, capaz de atender os interesses de países como o Brasil. Todas essas propostas e alertas apontavam para a necessidade de o mundo avançar nas tarefas da cooperação dentro da lógica da justiça e do diálogo.

Levantaram-se, também, propostas bastante práticas, como a de pôr sob controle os chamados paraísos fiscais, que são fontes de evasão fiscal, lavagem de dinheiro e de fluxos especulativos na economia mundial; propôs-se a realização de uma campanha de opinião pública mundial para conscientizar os consumidores de drogas que, involuntariamente, contribuem para o financiamento do terrorismo; revalorizaram-se os novos instrumentos internacionais em matéria de meio ambiente e diretos humanos, como o Protocolo de Kioto e o Tribunal Penal Internacional.

O Brasil tem um papel da maior relevância a cumprir na cena mundial, e o está cumprindo. Além dessa série de pronunciamentos que fez, o Presidente Fernando Henrique dedicou um bom espaço da sua agenda a contatos pessoais com os líderes dos mais importantes parceiros do Brasil. Reuniu-se com o chefe do Governo Espanhol, José Maria Aznar, no dia 27 de outubro; foi recebido pelo Primeiro Ministro Tony Blair, no dia 28, na Residência Oficial de campo do Chefe de Governo britânico; manteve reuniões de trabalho com o Primeiro Ministro e o Presidente da França, Lionel Jospin e Jacques Chirac, nos dias 29 e 31; foi a Washington, no dia 8 de novembro, para novo encontro na Casa Branca com o Presidente George W. Bush; esteve em Nova York, no dia 10, com o Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, com o Presidente do Irã, Muhammad Khatami, com os Presidentes de vários países da América do Sul, do México e outros Chefes de Estado.

No curto espaço de duas a três semanas, Sua Excelência manteve um intenso ciclo de diálogos com os mais importantes líderes mundiais. Isso é altamente indicativo do grau de confiança e credibilidade que já conquistamos em nossa interlocução com o mundo; mostra como somos hoje um país que é ouvido e respeitado em suas aspirações; significa os benefícios concretos que a diplomacia presidencial tem trazido ao País, seja para aumentar sua influência internacional, seja para criar as condições necessárias ao crescimento econômico e ao bem-estar social.

Um Brasil ouvido e respeitado lá fora, Srs. Senadores, é um Brasil que viabiliza as condições de seu desenvolvimento; garante acesso a mercados para nossos produtos; assegura a entrada dos investimentos que aumentam as oportunidades de geração de empregos; abre horizontes infinitos de cooperação com nossos parceiros, inclusive para absorção de altas tecnologias; cria o ambiente adequado para que possamos persistir em nossa luta contra o protecionismo, contra as barreiras tarifárias e não-tarifárias ao comércio, contra as distorções em matéria de propriedade intelectual, contra a escalada dos juros, contra a volatilidade dos capitais que gera instabilidade e crise nos mercados dos países emergentes.

Penso que o acordo histórico alcançado na reunião de Doha marcou um ponto de inflexão. O Brasil e os demais países em desenvolvimento lograram avanços importantes em temas como agricultura, antidumping, patentes, acesso a mercados, como nunca haviam logrado antes. Chegou a hora de discutir com seriedade - e não só discutir, mas oferecer as saídas - a necessidade de assegurar a competitividade do agronegócio do Brasil e do Mercosul. Vencemos a disputa em torno da quebra de patentes nos casos de interesse da saúde pública; vencemos e convencemos, porque nossa causa foi compreendida e aceita, inclusive pelo governo norte-americano. Vamos também recolocar a questão fundamental do antidumping, que dificulta nossas exportações de produtos siderúrgicos e outros produtos. Vamos eliminar também as barreiras contra o suco de laranja, a soja, a carne, os têxteis e tantos outros bens que hoje produzimos com qualidade e eficiência.

Aproveito, aqui, para elogiar a atuação dos nossos negociadores em Doha. Em particular os ministros Celso Lafer, José Serra, Pratini de Moraes e Sérgio Amaral; e, especialmente, os embaixadores Luiz Felipe de Seixas Corrêa e Celso Amorim.

Quero terminar, Srs. Senadores, manifestando minha firme convicção de que o Brasil está no caminho certo. Somos um País de muitas possibilidades; um País onde a democracia se fortalece a cada dia, junto com os valores de cidadania e de participação.

O Brasil quer ser parte da cidadania planetária que estamos vendo surgir. E temos todas as credenciais para isso. O Brasil está plenamente qualificado para ser membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas e para participar, em condições de igualdade, de um G-7 ampliado.

O Brasil quer participar dos destinos do mundo.

O Presidente Fernando Henrique tem dado uma grande contribuição para isso, e tudo o que Sua Excelência tem dito ou feito desde o dia 11 de setembro é uma mostra clara da disposição de um país cônscio de suas responsabilidades e, ao mesmo tempo, mais confiante em concretizar seus objetivos de desenvolvimento.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/2001 - Página 31239