Discurso durante a 176ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Advertências sobre o aumento da dívida externa brasileira.

Autor
Lauro Campos (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA EXTERNA.:
  • Advertências sobre o aumento da dívida externa brasileira.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 15/12/2001 - Página 31392
Assunto
Outros > DIVIDA EXTERNA.
Indexação
  • ANALISE, DECADENCIA, CAPITALISMO, ANTERIORIDADE, DESTRUIÇÃO, PAIS, MOTIVO, DIVIDA EXTERNA, REFERENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, EGITO, ALEMANHA.
  • CRITICA, EXCESSO, TRIBUTAÇÃO, PREJUIZO, PRODUÇÃO AGRICOLA, INCAPACIDADE, PAGAMENTO, IMPOSTOS, REPUDIO, ORÇAMENTO, DESTINAÇÃO, DIVIDA EXTERNA, FALTA, INVESTIMENTO, POLITICA SOCIAL.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, como presente de aniversário, gostaria de receber a dádiva de não precisar falar nos males, nas contradições, nos problemas, nos conflitos, na miséria, na mentira que desqualificam o trabalho das mãos dos homens e o trabalho de suas cabeças. O trabalho das mãos se perde por meio de exportações ou de relações de exclusão, que fazem com que nós, que não trabalhamos com as mãos, nos arvoremos no direito de nos apropriar da parte mais nobre, mais rica e melhor do produto nacional. E a outra parte vai para a exportação, vai ser consumida pelos louros, pelos arianos, pelos dolarizados, pelos felizes e sorridentes dominadores do mundo.

Gostaria, pelo menos na data do meu aniversário, de falar de um outro mundo, que agora seria, obviamente, uma utopia, desligada do mundo real. Uma esquizofrenia, portanto. Essa construção idealizada, essa fuga do real para a utopia é, sem dúvida alguma, parente próximo da fuga, da ruptura esquizofrênica que caracteriza, por exemplo, toda a produção neoliberal, indiscutivelmente esquizofrênica a partir de sua fundação.

Gössen, o fundador do neoliberalismo, nos seus delírios megalômanos e esquizofrênicos, achava que tinha descoberto as leis que presidem o convívio dos homens, assim como Ptolomeu havia descoberto as leis que presidem a relação entre os astros no universo. O neoliberalismo fundamenta-se em três leizinhas miseráveis, capengas, absurdas. Simplificando-as, elas querem dizer o seguinte: que os homens são racionais no sentido de que procuram maximizar o seu bem-estar, a sua utilidade - como eles chamavam. Então, se os homens forem trocar queijo por goiabada, vão fazê-lo até o momento em que a goiabada trocada vá produzir uma satisfação na outra parte igual ao desprazer que aquele que se desfaz do seu pedaço de queijo experimentará nesse processo esquizofrênico de trocas. Essa é a primeira lei que vai explicar o comportamento humano.

O Sr. Gössen, alemão, esperava um grande êxito por parte de sua obra econômica, mas esse êxito não veio. A edição encalhou. Ele então recolheu os exemplares vendidos, aqueles que ainda encontrou, fez uma grande fogueira e suicidou-se ao lado de sua obra neoliberal.

Portanto, aqueles que conhecem esse fundamento do neoliberalismo não podem duvidar do caráter esquizofrênico dessas produções, que se afastam do mundo e o deixam morrer de fome: oitocentos milhões de desempregados, dois bilhões e oitocentos milhões de seres que ganham no máximo dois dólares por dia, e assim por diante. Essa é a obra esquizofrênica dos neoliberais, que são discípulos desse infeliz Gössen.

Pois bem, hoje, continuarei abordando um tema que não poderia ser um tema alegre em um mundo em que tapetes de bombas pontilham as areias perseguindo um ser humano: Osama Bin Laden. E, ali perto, no Oriente Médio, vemos os palestinos, com a sua Intifada, que significa pedrada, enquanto que os Estados Unidos disparam mísseis de US$1,3 milhão; mísseis que são dotados de petrechos que os levam a detectar os objetivos, que os levam a se realinhar de acordo com o destino mortífero a que se destinam. E, ali perto, os palestinos jogam pedra, numa guerra de pedra, Intifada, contra os judeus.

Cuide-se, o Capitalismo Enlouqueceu! é o título do livro que está em minhas mãos, de Arnaldo Mourthé. De modo que, então, conseguiram, na sua loucura esquizofrênica e megalômana, enlouquecer o capitalismo ainda mais.

Ontem, em um aparte, falei algo sobre a questão da dívida. A dívida como uma arma! A guerra da dívida externa! A destruição de povos inteiros em razão do endividamento externo! Citei, en passant, alguns exemplos históricos, mas não tive a oportunidade de me referir a alguns outros que são muito interessantes. Por exemplo, o Egito. Saïd Pacha resolveu fazer o milagre econômico na agricultura do Egito. Naquela ocasião, uma crise havia paralisado os investimentos na Europa. Assim, França, Inglaterra e Alemanha possuíam muito dinheiro ocioso, idle money, um dinheiro doido para ser emprestado, para lucrar por meio de empréstimos aos países pobres, na compra de papéis da dívida pública, empréstimos aos governos, principalmente aos governos estrangeiros. A França emprestando para a Rússia, naquela ocasião, e o governo russo realizando uma acumulação de capital. De acordo com estudiosos desse fenômeno, isso fez com que a burguesia russa não pudesse se desenvolver, porque o capital se desenvolveu no Estado, na esfera estatal, o que permitiu à Rússia realizar também um desenvolvimento bélico muito grande, que fez com que ela, entre outras coisas, ocupasse o espaço de crescimento da burguesia. De acordo com alguns estudiosos, esse desvio feito por esses empréstimos estrangeiros ao governo russo enfraqueceu a burguesia e permitiu que o socialismo vencesse em outubro de 1917. Portanto, a dívida externa ajudou a vitória do comunismo na União Soviética, entre outras coisas.

Mas Saïd Pacha resolveu fazer o desenvolvimento da agricultura no Egito, e havia dinheiro sobrando na Europa. Como acontece em todas as fases de crise, o dinheiro não pode penetrar na produção, não há lucratividade suficiente nas atividades produtivas, então, ele se volatiza e se dirige para a especulação nas bolsas, para empréstimos externos ou para a compra de papéis do governo, de títulos da dívida pública. Saïd Pacha valeu-se dessa disponibilidade européia de recursos e endividou violentamente o Egito. Entre outras coisas, um dia chegou à Inglaterra e perguntou a um industrial inglês quanto tempo ele levaria para fornecer determinado tipo de implemento agrícola para o milagre econômico do Egito andar mais depressa. O inglês falou que precisaria de quatro anos. Saïd Pacha falou: “- E para o senhor reduzir a sua entrega desses materiais pela metade, quanto o senhor precisa?” Disse o inglês: “- Preciso de cinqüenta milhões de libras”. Saïd Pacha doou cinqüenta milhões de libras ao empresário inglês a fim de que ele abreviasse a entrega dos materiais para fazer o milagre econômico da agricultura egípcia. As dívidas venceram. A utilização foi muito precária dos materiais e dos implementos agrícolas adquiridos pelo Egito. Aumentou-se a carga tributaria para ter uma reserva ou um superávit primário para pagar a dívida externa. Não sendo suficiente, os credores europeus tomaram conta da receita, ou seja, passaram a receber os impostos diretamente.

Aliás, algo semelhante aconteceu no Brasil, a partir do nosso funding loan, do nosso empréstimo externo, administrado por Campos Sales em 1898.

Pois bem, não foi suficiente a hipoteca, a penhora da receita tributária do Egito e, assim, houve novo aumento de carga tributária, o que inviabilizou a produção, como acontece com todos os aumentos desmesurados de juros ou de carga tributária.

            Parece que o Brasil vai somando, conjugando, todos os elementos que impedem o desenvolvimento econômico ou qualquer tipo de retomada. Uma carga tributária de 34% e uma taxa de juros que chegou a 49% inviabilizam qualquer economia. Assim aconteceu no Egito, cujos fazendeiros perceberam que não era possível produzir naquela situação. Essa situação é parecida com a do Brasil, em que os fazendeiros têm que continuar produzindo e vendendo seu leite por R$0,19 ou R$0,20 o litro.

            O Egito viu os fazendeiros abandonarem suas terras e, então, criou o Imposto sobre as Palmeiras. As palmeiras ficaram nas fazendas desertas. E os fazendeiros, para não pagar o imposto, mandaram cortar as palmeiras. A polícia matou os cortadores no destruído Egito - destruído pelo endividamento externo.

Contra o endividamento da Rússia a que me referi foi dado calote. A Alemanha, vítima do Tratado de Versalhes, teve de exportar. Agora, vemos nosso Presidente afirmando que é “exportar ou morrer”. Pois bem, o que aconteceu na Alemanha foi que exportaram e morreram. Na República de Weimar, na Alemanha, as indenizações da Primeira Guerra Mundial obrigaram - portanto, uma dívida externa, uma dívida com o exterior - aquele país a entrar num processo de exportação que reduziu a oferta interna e criou mais uma pressão inflacionária, que fez com que, em 1923, a inflação alemã fosse a maior do mundo. Um dos componentes principais, talvez, do processo inflacionário alemão, foi, sem dúvida alguma, a dívida externa. E a dívida externa se transforma, necessariamente, em dívida pública também.

Não é possível endividar-se um país externamente sem aumentar a dívida pública ou sem que uma inflação fantástica acompanhe o processo de exportação, de obtenção de saldo na balança comercial, saldo que se destinará ao pagamento dos serviços e dos juros da dívida externa. Assim, a Alemanha teve a sorte de encontrar a figura exemplar, ímpar, inconsútil de Hjalmar Schacht, que, quando voltou no tempo de Hitler, foi Presidente do Banco Central, como era, em 1923, Ministro Especial e da Economia.

Os Estados Unidos também foram useiros e vezeiros na utilização da dívida externa. Entre 1860 e 1890, 70% dos investimentos feitos pelos norte-americanos foram em estradas de ferro, custeadas em grande parte pela dívida externa.

            Assim, estradas paralelas foram plantadas nos Estados Unidos e uma extensão de terra do tamanho do Estado de Ohio foi doada aos barões ladrões das ferrovias americanas. “Barões ladrões” era uma expressão muito usada naquela ocasião e Kenneth Galbraith a reproduz em um de seus livros. Esses barões ladrões se endividavam. Arthur Schlesinger, que foi assessor de presidente dos Estados Unidos, diz o seguinte: em relação à divida externa, os Estados Unidos agem como aquela prostituta. Enquanto eram jovens, quer dizer, até o século XIX, os Estados Unidos exploravam a prostituição, endividavam-se e davam calote na dívida externa norte-americana. Depois de velhos, depois de se tornarem a maior potência mundial, os Estados Unidos se esquecem de sua vida pregressa e agora pregam a nova moralidade e querem fechar a zona.

De modo que o que vemos é isso. Agora, eles impõem na cabeça dos que vão morar lá e voltam para cá para serem Ministros e Presidentes do Banco Central, a nova moral de que temos de pagar a dívida externa, deixando nossas crianças morrerem de fome, os nossos trabalhadores desempregados, a nossa saúde doente, etc.

Dizia Tancredo Neves, ao contrário do que diz e pratica seu neto, que não admitiria que o Brasil pagasse a dívida externa à custa da fome do povo.

Pior do que o Egito de Saïd Pacha, pior do que a Rússia dos czares, pior do que a Alemanha derrotada na Primeira Guerra Mundial. Na Segunda Guerra, os Estados Unidos perdoaram 85% da dívida externa alemã - 85%! De seu adversário do dia anterior.

Se tivéssemos tempo, íamos mostrar como somos tratados em relação à nossa dívida externa.

            Eu iria agora mostrar como no Brasil a situação se encontra muito pior do que nesses países que foram levados ao desespero, à guerra, por causa da dívida externa.

A Argentina, em 1890, deu o calote, o default, e fez quebrar a Casa Barings - The House of the Barings -, na Inglaterra, e todos os bancos que alimentavam a dívida externa argentina.

E o Brasil, em 1898, devedor que era do Sr. Rothschild, fez com que Campos Sales, eleito Presidente da República, antes de qualquer coisa, fosse à Inglaterra para cuidar do chamando funding loan, uma consolidação da dívida que celebrou com os nossos credores ingleses.

E, aqui, Campos Sales se comprometeu a queimar dinheiro, diante do que havia prometido ao nosso credor, Rothschild, se comprometeu a vender empresas estatais e ainda a realizar enxugamento, demitindo funcionários, etc., algo que se repete atualmente, nessa tentativa tresloucada de enriquecer um país por meio do empobrecimento e da miséria.

Antes de terminar, Sr. Presidente, gostaria de alertar que o Orçamento vem aí. E o Orçamento, hoje, no Brasil, é o orçamento da dívida. De US$1 trilhão, temos, de orçamento real, talvez 30%; 70% do orçamento é simplesmente financeiro, especulativo e se destina a pagar as nossas dívidas, a rolar o serviço das nossas dívidas.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PDT - DF) - Só se a Presidência permitir.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - É somente, Sr. Presidente, para felicitar o Orador, que faz aniversário hoje, um dia muito importante para nós, que acompanhamos a vida do Senador, a sua competência, a sua cultura, a sua capacidade. Vê-lo mais um ano entre nós, festejando seu aniversário, é motivo para mim - e tenho convicção de que para V. Exª e para toda a Casa - de muita alegria.

Parabéns e felicidades, prezado Senador.

O SR. PRESIDENTE (Ramez Tebet) - V. Exª falou em nome da Mesa e de toda a Casa ao Senador Lauro Campos, que bem merece.

Os votos são extensivos aos seus familiares, Senador.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PDT - DF) - Se a Presidência permitir, gastarei mais um minuto apenas, para agradecer tanta gentileza da Presidência, do nobre Senador que acaba de congratular-me e daqueles que anteriormente já o haviam feito.

Quero aproveitar esta oportunidade para agradecer tantas gentilezas que tenho recebido ao longo do meu mandato, que já está para terminar, e foi alimentado espiritualmente pela complacência e compreensão dos meus nobres Colegas.

O Senador Pedro Simon, com quem tenho grandes afinidades, na sua postura, na sua atitude, no seu comportamento, na sua vida, na sua ação, na sua prática, é um exemplo que gostaria de seguir, mas, infelizmente, não tenho capacidade nem força para tanto.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/12/2001 - Página 31392