Discurso durante a 176ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à determinação da Fundação Nacional do Índio - Funai de projetar o aumento das demarcações de áreas indígenas em todo o país, em detrimento das populações dos estados atingidos pelas reservas.

Autor
Marluce Pinto (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Maria Marluce Moreira Pinto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Críticas à determinação da Fundação Nacional do Índio - Funai de projetar o aumento das demarcações de áreas indígenas em todo o país, em detrimento das populações dos estados atingidos pelas reservas.
Aparteantes
Edison Lobão, Lúdio Coelho.
Publicação
Publicação no DSF de 15/12/2001 - Página 31399
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • CRITICA, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), AUMENTO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, REGIÃO AMAZONICA, AUSENCIA, ASSISTENCIA SOCIAL, SAUDE, EDUCAÇÃO, PREJUIZO, ENTROSAMENTO, INDIO, POPULAÇÃO.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, EXCESSO, RESERVA INDIGENA, REGIÃO AMAZONICA, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL, INCAPACIDADE, INDIO, APROVEITAMENTO, TERRAS, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.
  • REMESSA, RELATORIO, DADOS, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, REGIÃO AMAZONICA, DESTINAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, POLITICA INDIGENISTA, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI).

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na sessão do dia 6 próximo passado, estive nesta tribuna para comentar e manifestar indignação sobre a absurda pretensão da Funai de demarcar mais uma área indígena em Roraima.

Naquele dia, em cinco minutos, pude apenas discorrer rapidamente sobre a questão, mas hoje retorno ao tema para mostrar a V. Exªs que o problema é muito mais sério do que muitos imaginam.

Tenho comigo, Sr. Presidente, vasta documentação oficial e atual, retirada dos computadores da Funai, que comprova o insano desejo do órgão de transformar a Amazônia Legal em território indígena.

Sinceramente, não entendo essa política da Funai, cujas ações, nos últimos anos, foram quase que exclusivamente voltadas para a demarcação - pura e simples - de áreas e mais áreas indígenas, sem critérios mínimos justificáveis e em total desrespeito aos cidadãos, sejam índios ou não.

Não entendo, Sr. Presidente.

Hoje, 14 de dezembro de 2001, já são 564 as reservas indígenas oficialmente demarcadas em solo pátrio. Somam aproximadamente 100 milhões de hectares e eqüivalem a 11,85% do território nacional. Além dessas, 35 estão em processo de demarcação e outras 62 em estudos para futura demarcação. Com uma agravante: dessas 35 áreas em estudos, 18 estão sob a custódia - para não dizer ingerência -, do PPTAL, o Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal que, para quem desconhece, é um órgão, uma espécie de ONG multinacional, financiado pelos Sete Grandes, o conhecido G-7. Sr. Presidente, esse fato é, no mínimo, muito estranho.

Mas a Funai não está satisfeita com esses 11,85% de nosso território, já demarcado. Quer muito mais. Na realidade, os estudos do órgão registram a intenção de o Brasil ceder 23,21% de seu território para reservas indígenas.

Mais estranho ainda é o fato dessas intenções de reservas futuras se localizarem exatamente sobre a Região Norte, num abraço estendido sobre a imensa e rica Amazônia Legal que, nos dias de hoje, já cede exatos 22,13% de seu território para reservas indígenas. Mas os estudos da Funai indicam que outros 34,36% do território devem ser demarcados. Amanhã, se providências não forem urgentemente tomadas, 56,49% da Região Amazônica serão transformadas em reservas. Sinceramente, desde agora já estou profundamente preocupada com o que poderá acontecer.

Mas preciso voltar um pouco no tempo para melhor situar essas minhas preocupações e melhor definir a atual realidade brasileira e de nossos índios.

Sempre defendi, desta tribuna, que aos silvícolas não cabe apenas a exaltação de seu papel histórico no processo de construção de nossa sociedade e outros blá-blá-blás de cunho puramente retórico.

Nossos índios merecem, além do inalienável direito à terra e à vida, de uma mais justa e adequada política que lhes garantam o pleno exercício da cidadania e o respeito ao seu habitat natural, seus valores morais, seus costumes e sua cultura. Enfim, ações próprias de um Estado democrático que, para ser verdadeiramente democrático, precisa necessariamente respeitar as diversidades culturais e étnicas que sob ele se abrigam.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR) - Senador Edison Lobão, aguarde somente um pouco mais, porque há tantos dados aqui que V. Exª vai ficar admirado. Depois lhe concederei, com muita honra, o aparte.

A atualidade é diferente daqueles idos de 1.500, quando os descendentes de nossos índios pacificamente receberam Cabral na Ilha de Vera Cruz. Dos 6 milhões de outrora, espalhados por todos os quadrantes da Terra de Santa Cruz, pouco mais de 300 mil silvícolas povoam hoje este País chamado Brasil.

De lá para cá, as comunidades indígenas foram e ainda são objeto de inúmeras violências, ao ponto de seu contingente populacional ficar reduzido a pouco mais que 0,2% da população brasileira, mais especificamente em 210 etnias que se comunicam por meio de 170 línguas identificadas.

Foram inúmeras as causas para essa realidade a que chegamos, Sr. Presidente. Na verdade, um rosário de atitudes negativas, somadas a interesses escusos, à impunidade, à omissão de autoridades e até mesmo a convivência com grupos marginais da população branca, tudo isso permitiu, infelizmente, que chegássemos a esse processo de destruição do habitat e à degeneração dos costumes de nossos silvícolas. E é para tudo isso, Sr. Presidente, que deveríamos estar atentos, ao invés de cruzarmos os braços diante dessa furiosa e, parece, única política da Funai, que é a de estudar, identificar e demarcar áreas a torto e a direito.

Deveríamos, isso sim, arregaçar as mangas e não permitir que a questão indígena em nosso País continue a ser empurrada com a barriga, como diz o jargão popular. Não é possível permitir que a questão indígena neste País seja eternamente subordinada a discussões estéreis e emocionais.

Este é o cerne de meu discurso.

É inadmissível que a Funai, órgão máximo para as questões indígenas neste País, resuma suas atribuições numa insana política voltada quase que exclusivamente para a demarcação de áreas indígenas.

Realmente não sei - e duvido quem saiba -, se a Funai cumpre suas reais atribuições concernentes às causas mais justas dos povos indígenas.

Pelo que sei, fazem reuniões trimestrais de avaliação e esses famigerados estudos de demarcação que acontecem em gabinetes atapetados de Brasília, enquanto nossos índios permanecem a centenas de quilômetros de distância, relegados ao abandono e carentes de quase tudo.

Nos dias atuais, Sr. Presidente, apenas três Estados - o Amazonas, o Pará e Roraima - abrigam mais de 50% do total de silvícolas existentes no País: o Amazonas com 89 mil índios, o Pará com 45 mil e Roraima com 26 mil.

Todavia, em extensão de terras destinadas aos índios, apenas esses três Estados contribuem com mais de 70 milhões de hectares, ou seja, com 70% do total de hectares destinados aos índios em todo o território nacional.

O Amazonas contribui com aproximados 35 milhões de hectares, o Pará com mais de 22 milhões e Roraima com 13 milhões, sem somar aqui a pretensão da Funai em ampliar as áreas das reservas Wai-Wai e Jacamin, e demarcar a de Anaro e outras em estudo.

No Estado do Amazonas, na região conhecida como Cabeça de Cachorro, foram demarcados 10 milhões e 600 mil hectares em área contínua, para abrigar menos de 30 mil pessoas. A área é superior à de Cuba.

No caso específico de Roraima, as terras indígenas ocupam, hoje, exatos 57,69% de todo o Estado. Amanhã, demarcada a área Anaro e aumentadas as de Wai-Wai e Jacamin, serão mais de 70%. Depois disso, se somarmos as áreas alagadas, as ecológicas, as montanhosas e as reservas estratégicas das Forças Armadas, talvez sobre para nós, roraimenses, para atender a todas nossas demandas, 16% dos atuais 26,65% que de fato possuímos.

É isso mesmo, meus nobres colegas. Aliás, aproveito o dia de hoje para corrigir as informações que, a esse respeito, prestei a V. Exªs no dia 6 recém-passado.

Verificando os documentos atuais da Funai, vemos que, hoje, em Roraima, exatos 57,69% do território são reservas indígenas; 5,85% são reservas ecológicas; 5,95% são áreas alagadas; 2,64% são áreas montanhosas e 1,22% é reserva militar. Em termos de população, o absurdo prevalece: pouco mais de 7% de silvícolas ocupam 57,69% do Estado, enquanto mais de 92% de não índios ocupamos 26,65%. Se preferirem, cada índio ocupa 520 hectares per capita, enquanto o não índio ocupa menos de 10 hectares.

Nos demais Estados, 13% do Acre, 24% do Amazonas, 8% do Amapá, 21% do Pará, 18% de Rondônia e 9% do Tocantins são reservas indígenas.

Percebam V. Exªs que a Amazônia brasileira, o “pulmão da Terra” como dizem lá fora, está se tornando uma imensa área de reserva indígena.

Nossas fronteiras, a partir de Roraima, seguindo em direção ao oeste, passando pelo Amazonas, toda a fronteira Acre/Peru, até o limite sul de Rondônia, estão totalmente bloqueadas, seja por reservas indígenas, seja por reservas florestais intocáveis, com o agravante de que a maioria dos rios - fontes de águas potáveis que representam um quinto de toda a água doce do planeta - está encravada dentro dessas reservas, como são os casos de todas as nascentes da Calha Norte, os afluentes e formadores do rio Javari, o Purus, o Madeira, o Tapajós, o Xingu etc.

E, pasmem V. Exªs, a própria Funai reconhece que a soma das áreas indígenas em solo brasileiro supera a soma dos territórios da Alemanha, da Bélgica, da Espanha, da França, da Holanda e de Portugal.

A voracidade da Funai em demarcar terras indígenas não tem limites de fronteiras e muito menos de tempo. E tanto isso é verdade, que, por duas vezes, cláusulas constitucionais das Cartas de 1967 e 1988 estabeleceram prazos para a conclusão dos trabalhos de demarcação de terras indígenas existentes no País. O último prazo, previsto na Constituição de 1988, expirou em outubro de 1993 sem que a Funai concluísse seus trabalhos. Mas os trabalhos continuaram. E ainda continuam. Até quando? Que forças ocultas serão essas que superam prazos até mesmo da Carta Magna nacional?

São perguntas sem respostas. Nada disso refreia os ânimos da Funai. Os documentos que consegui nos dão conta de que o órgão pretende, a partir do próximo ano, identificar mais uma área indígena em Roraima, cinco no Acre, seis em Rondônia, onze no Pará e cinqüenta no Estado do Amazonas.

Todos esses fatos, meus nobres Colegas, é que nos fazem repudiar a manutenção dessa atual, confusa e insensata política da Funai, voltada, repito, exclusivamente para a demarcação de reservas indígenas.

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR) - Senador Edison Lobão, com muito prazer, concedo-lhe o aparte.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Senadora Marluce Pinto, poucos de nós aqui no Senado conhecem tanto esse problema quanto V. Exª. Venho um pouco em socorro da interpretação do que V. Exª está dizendo, para que não se suponha que a eminente Senadora se coloca em posição contrária aos interesses legítimos dos nossos silvícolas. Não é isso. V. Exª se manifesta apenas contra a fúria irracional da Funai no sentido de demarcar, cada vez mais, áreas do território nacional a serem entregues aos índios brasileiros. Entendo que não apenas a Funai, mas outros órgãos também labutam na mesma direção. Tanto quanto V. Exª, não consigo entender por que essa política se faz com tanta irracionalidade. Ora, se há hoje 300 mil índios, aos quais já foram destinados 12% do território nacional, por que a Funai e os demais órgãos insistem em aumentar, em alargar, as áreas a serem entregues aos silvícolas? Isso não é necessário. Basta que olhemos a favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, onde moram precariamente, de maneira desumana até, 300 mil brasileiros, uma população semelhante à população indígena brasileira. Enquanto esses irmãos desvalidos do Rio de Janeiro vivem no morro, praticamente sitiados com suas famílias, 300 mil índios são proprietários de 12% do território nacional, com a possibilidade de virem a deter 23% do território nacional brasileiro. Realmente, é inconcebível o que está acontecendo. Darei outro exemplo a V. Exª. Estamos vivendo um momento de racionamento de energia elétrica. Qual é a conseqüência primeira desse racionamento? Um retrocesso na economia e o desemprego de milhões de brasileiros. No Estado do Maranhão, na cidade de Imperatriz, a Hidrelétrica da Serra Quebrada está pronta, mas até hoje não foi posta em licitação porque, em torno da área que virá a ser a hidrelétrica, com capacidade de produção de 1,2 milhão de quilowatts, existem apenas 12 índios. Não se consegue resolver o problema, retirar esses índios dali e levá-los para outra reserva indígena, com todo o conforto em um novo habitat. Não. Em se tratando de índios, eles são intocáveis, inclusive no sentido da transferência apenas. Então, estamos retardamos a operação dessa hidrelétrica, com capacidade de produção de 1,2 milhão de quilowatts, para nos ajudar na emergência da falta de energia do Brasil, pela existência de 12 índios na região. Todos nós brasileiros queremos preservar a saúde e os direitos daqueles índios, mas nada custa transferi-los, racionalmente, de uma área para outra. Finalmente, quero dizer a V. Exª que todos temos o maior apreço pelos nossos índios e os defendemos, mas não precisamos levar isso ao fanatismo. Isso está acontecendo no nosso País, e as ONGs que atuam na região vão-se tornando cada vez mais responsáveis por isso. Se nós brasileiros não tivermos cuidados, os estrangeiros vão acabar dirigindo a política indígena brasileira. Parabéns a V. Exª pelo pronunciamento!

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR) - Meu nobre Colega, o caso a que V. Exª se referiu, a respeito da hidrelétrica, não acontece só no seu Estado.

Houve uma proposta para a Presidência da República, desde os idos de 1981, para que fosse construída uma hidrelétrica na região norte do nosso Estado, denominada de Cotingo. A cachoeira situada ali dava para construir uma hidrelétrica. O Ministro das Minas e Energia, naquela época, era o saudoso engenheiro César Cals, que visitou o Estado, ficando encantado com a potencialidade daquela região. Ele pensou que ali poderia ser construída uma hidrelétrica com um potencial tão alto e com uma capacidade de produção de energia tão grande, que iria distribuí-la não só para o nosso Estado, como para muitos Municípios do Estado do Amazonas e outros ali próximos. Entretanto, por causa da questão indígena, não foi possível construir a hidrelétrica no nosso Estado.

Para resolver o problema do nosso Estado, foi preciso construir uma linha de transmissão para recebermos a energia de Guri, na Venezuela. Não sou contrária a isso, muito pelo contrário. Juntamente com o atual Governador, fui muitas vezes à presença não só do Presidente da República, como do Ministro das Minas e Energia à época, para solicitar recursos para a construção dessa linha de Guri. Não havia outra solução. Desde os idos de 1981, permanece esse engodo de que não se podia construir porque se tratava de área indígena, quando não havia nenhuma maloca nas proximidades. Então, chegamos à conclusão de que, para salvar a situação do problema energético em nosso Estado, só construindo a linha de Guri, que já foi inaugurada e está em funcionamento.

Mas - pasmem V. Exªs! -, há menos de 15 dias, estive com o Presidente da Eletronorte e tomei conhecimento de que, para construir a linha de transmissão, a Eletronorte teve que financiar US$60 milhões - aliás, não foi a Eletronorte que financiou, mas sim a CAF, uma companhia da Venezuela. Portanto, hoje, o Brasil deve US$60 milhões pela linha construída em solo brasileiro, partindo da nossa Capital até a fronteira com a Venezuela. O débito da Venezuela foi de US$90 milhões. Desse montante, o Brasil assumiu US$60 milhões. Além disso, o prazo do contrato foi de 20 anos, e, anualmente, o nosso País tem que pagar US$600 mil à Venezuela, referente à manutenção do serviço. Ora, poderíamos ter a energia em nosso Estado como um patrimônio nosso, sem termos que pagar pela sua manutenção. Essa energia nos serviria por muitos e muitos anos e não apenas por 20 anos. Depois desse prazo, não sabemos quais serão as exigências da Venezuela.

Mas, apesar de tudo isso, agradecemos ao Presidente da República por ter aceitado a construção da linha de Guri.

Referindo-me ao outro assunto abordado por V. Exª, realmente não sou contrária aos índios; muito pelo contrário, temos um bom relacionamento com todas as comunidades indígenas do nosso Estado e a elas sempre demos muita assistência. Questionamos isso porque os índios não são proprietários dessa terra. É um engodo falar em demarcação de terras indígenas. Eles apenas demarcam para que os brasileiros a elas não tenham acesso, porque a nossa própria Constituição determina para os índios apenas o uso das terras. O índios povoam milhares de hectares de terra, mas nem eles mesmos conseguem andar por toda a região demarcada, não tendo sequer o que comer. Se quiserem comercializar um pedaço de terra, eles não terão esse direito, porque não são proprietários.

Venho a esta tribuna discutir essa injustiça que está sendo praticada, principalmente com a Região Norte. Não se trata de tirar o direito dos índios, muito pelo contrário. Eles precisam de assistência técnica, já que a maioria deles são aculturados, vivem em harmonia com os não índios, cooperam com o desenvolvimento dos Estados, trabalhando, produzindo, gerando não só emprego, como também renda.

Os estrangeiros, mediante as ONGs que se implantam no País, criam essa situação para alegarem que estão aqui para proteger os índios, quando, na verdade, o que querem é que a Amazônia não seja habitada, para que, num futuro, não sei se próximo ou mais além, o Grupo dos Sete tome conta da região. Essa é a nossa realidade.

O Sr. Lúdio Coelho (Bloco/PSDB - MS) - Concede-me V. Exª um aparte?

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR) - Pois não, com muito prazer, Senador Lúdio Coelho.

O Sr. Lúdio Coelho (Bloco/PSDB - MS) - Senadora Marluce Pinto, o pronunciamento de V. Exª representa um alerta à Nação brasileira. As informações que V. Exª traz ao Senado Federal, parte delas do conhecimento dos Senadores, representam não uma crítica ao desempenho da Funai, mas um alerta. Tenho a impressão de que o setor da segurança nacional precisa examinar cuidadosamente esse assunto. Estamos entregando um pedaço enorme da Nação brasileira aos nossos irmãos indígenas, principalmente nas fronteiras. Esse assunto vem sendo motivo de preocupação há muito tempo, e o temos discutido na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Estamos assistindo àquelas guerras na região da Iugoslávia, de territórios pequenos, de parcelas de populações. Aqui ouvimos falar permanentemente em nações indígenas. Não sei por que separar a nação indígena da Nação brasileira. Desse modo, penso que o Presidente da República - e não os dirigentes da Funai - é o maior responsável por esse estado de coisas. Temos ouvido aqui alertas permanentes sobre esse assunto. Eu, pelo menos, neste último mês, já tratei desse assunto por duas vezes. Não existia, até pouco tempo, nenhum tipo de conflito entre indígenas e não-indígenas, mas o tempo vem passando, as ONGs vêm se colocando acima dos Poderes constituídos, como representantes da população, em lugar daqueles que são legitimamente eleitos para isso. Dessa maneira, estou seguro, Senadora Marluce Pinto, de que esse seu pronunciamento terá reflexos no Governo Federal. É necessário que o Presidente Fernando Henrique Cardoso analise esse assunto. Necessitamos preservar a paz entre nós e nossos irmãos indígenas. Não existe razão de ordem econômica, ideológica ou racial para eventuais conflitos. Felicito V. Exª e apóio o pronunciamento que acaba de fazer. Muito obrigado.

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR) - Agradeço a V. Exª, Senador Lúdio Coelho. Tenho acompanhado os seus discursos e realmente sei que V. Exª tem uma preocupação muito grande com essa situação, porque, na sua área, a situação é quase idêntica à nossa. Digo quase idêntica porque o Mato Grosso não está com quase todo o seu limite geográfico submetido a demarcações de terra, como é o nosso caso. Mas sei que esse assunto tem causado muitos conflitos e muitas preocupações em seu Estado.

Senador Lúdio Coelho, somos 81 Senadores e precisamos entender que as Regiões Norte e Centro-Oeste pertencem ao nosso Brasil e constituem um patrimônio nacional. Portanto, é obrigação de todos nós, que representamos os Estados brasileiros, verificar essa situação. Como falei há pouco, essas terras não estão beneficiando os nossos índios, muito pelo contrário; antes eles tinham uma situação bem melhor, quando viviam harmonicamente junto com os pequenos fazendeiros, trabalhando, criando seu gado.

Quero dizer a V. Exªs que eles não desejam viver isolados. Acompanho essa questão desde a época em que Maurício Corrêa era Ministro da Justiça e em que, depois, assumiu o cargo Nelson Jobim, e ambos estiveram em Roraima para verificar a demarcação das terras Raposa e Serra do Sol. Quase a totalidade das comunidades indígenas não é favorável à demarcação contínua. Querem que demarquem mais em ilhas, para que possam ter convivência com os não índios, pois eles sabem que é muito difícil viverem isolados. Eles não se sujeitam mais à situação de isolamento. Hoje, em nosso Estado, há índios prefeitos, vereadores, deputados estaduais, diretores de colégio; vários outros são matriculados em cursos universitários. Dessa forma, eles não se limitam mais a ficar no anonimato.

Por isso, e até para protegê-los, é preciso que nós, Senadores da República, prestemos atenção nesse grande problema, a fim de que, depois, não nos arrependamos de termos ficado só na retórica e não termos atuado com mais firmeza, de forma mais contundente, na busca da solução para essa situação.

Portanto, agradeço o aparte de V. Exª.

Dando prosseguimento ao meu pronunciamento, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, realmente não são claros os objetivos da Funai. Geram apreensão, tolhem nossa integridade territorial, põem em risco a nossa soberania. Afinal, a Amazônia brasileira, onde repousam riquezas incalculáveis de fauna, flora, minérios e água doce, a nós próprios estamos tornando inacessíveis. Enquanto isso, o mundo inteiro, não é novidade nenhuma, faz as mais esdrúxulas, arrogantes e firmes declarações sobre nossa limitada e restrita soberania sobre a Amazônia, o que já deliberaram como “patrimônio da humanidade”.

Estamos sob uma peneira que, pensam, nos tapa do sol.

Enxergamos que o mundo está mudando e, junto com ele, também o Brasil exige mudanças. Neste mundo globalizado, onde o avanço tecnológico, as leis de mercado e adequações socioeconômicas são exigências quase diárias, não mais podemos continuar no “chove-não-molha” de uma política onde a norma e a prática se distanciam cada vez mais. A questão indígena brasileira exige propostas que estabeleçam diretrizes e ações concretas e práticas que permitam ao silvícola o exercício pleno de sua cidadania, sem violar sua vida, seus conceitos, seus valores e sua cultura; que lhe permita o acesso aos frutos do progresso econômico e social e, principalmente, que lhe permita a convivência, em alguns casos, com as comunidades não índias.

Mais uma vez, conclamo meus colegas Senadores e peço sua solidariedade, Sr. Presidente: vamos, urgentemente, viabilizar os meios para a implementação de uma política de valorização da cidadania indígena, não apenas voltada para impedir agressões ao seu meio ambiente, cuidar de sua sobrevivência ou preservar os seus costumes. Antes, e acima de tudo, tenho comigo que uma correta política de trato ao silvícola deve, principalmente, permitir-lhe o acesso aos bens e serviços públicos básicos, que lhe garantam uma existência digna. É crucial que seja definida, de maneira clara, a forma de convivência das comunidades indígenas com os seus irmãos caboclos, mestiços, mulatos e brancos, fisicamente próximos.

Mais urgente, anda, é deixarmos bastante claro e explícito que a política de governo em relação às comunidades indígenas não pode se restringir a demarcar reservas.

Sr. Presidente, a pedido do Sr. Ministro da Justiça, preparei um relatório, acompanhado de gráficos, planilhas e mapas, que, de forma contundente, mostra essa imensa política de demarcação de terras da Funai. Esse relatório servirá de subsídios a S. Exª e, quiçá, seja o fio da meada para novas diretrizes e uma sensata e justa política indigenista brasileira.

Aqui está, Sr. Presidente e nobres Colegas, o relatório, colorido para chamar mais atenção do Sr. Ministro, contendo todos os gráficos, sinalizando todas as áreas já demarcadas e as pretendidas. Levarei ainda hoje, se for possível, ao Sr. Ministro da Justiça.

Nossos índios não clamam por mais reservas. Ao contrário, a maioria nem aceita essas demarcações contínuas, a toque de caixa, separando-os do convício com o irmão não índio e ao qual está afetivamente ligado por laços antigos e mesmo culturais.

Nossos índios clamam, sim, por melhores condições de vida e merecem amplo apoio nas áreas de saúde, educação, saneamento básico, etc, de forma a que tenham, no mínimo, melhor organização em suas atividades produtivas, dentro do marco de preservação de sua identidade e valores culturais.

E nisto eu acredito e tenho fé: índios e não índios podem e devem continuar irmanados em busca de uma sociedade mais justa, mais feliz e menos desigual.

Sr .Presidente, passo a V. Exª uma cópia do relatório e os gráficos, porque tenho certeza de que V. Exª também será um batalhador na defesa das nossas terras e na busca de uma solução definitiva para a situação dos índios brasileiros.

Muito obrigada.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/12/2001 - Página 31399